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É procurador do Estado do Espírito Santo, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, pós-graduado em Direito Desportivo e auditor do TJD/ES

Vidros na arquibancada de estádio: solução ineficaz para problema cultural e jurídico

Uso de barreiras físicas, como vidros, pode até impedir que objetos sejam lançados ao gramado, mas não transforma a cultura de violência que permeia parte das torcidas

  • Leonardo Garcia É procurador do Estado do Espírito Santo, mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP, pós-graduado em Direito Desportivo e auditor do TJD/ES
Publicado em 26/11/2024 às 09h29

Recentemente, o CEO do Atlético Mineiro anunciou a intenção de instalar barreiras de vidro nas arquibancadas da Arena MRV para coibir atos de vandalismo e violência, como os que ocorreram na final da Copa do Brasil contra o Flamengo.

À primeira vista, a medida parece uma resposta imediata aos lamentáveis episódios de agressão e vandalismo no estádio, mas, ao analisarmos com maior profundidade, percebe-se que ela é inadequada e insuficiente para tratar a raiz do problema.

O uso de barreiras físicas, como vidros, pode até impedir que objetos sejam lançados ao gramado, mas não transforma a cultura de violência que permeia parte das torcidas. Essas barreiras criam uma falsa sensação de segurança, enquanto os verdadeiros responsáveis – os torcedores que cometem os atos – continuam impunes e aptos a repetir seus comportamentos nocivos.

Confusão na final da Copa do Brasil, entre Atlético-MG e Flamengo, na Arena MRV, em Belo Horizonte
Confusão na final da Copa do Brasil, entre Atlético-MG e Flamengo, na Arena MRV, em Belo Horizonte. Crédito: Jornal Nacional/Reprodução

O exemplo de países como Inglaterra e Alemanha, que enfrentaram problemas graves de violência nos estádios, demonstra de forma contundente que a solução eficaz está na responsabilização direta dos indivíduos envolvidos, e não na segregação do público.

Na Inglaterra, o fenômeno do hooliganismo foi combatido com medidas rigorosas após as tragédias de Heysel, em 1985, e Hillsborough, em 1989. A partir do Relatório Taylor, publicado em 1990, foram implementadas mudanças estruturais, como a modernização dos estádios com assentos numerados, monitoramento constante por câmeras e a proibição de torcedores problemáticos de frequentarem jogos. Esses infratores passaram a ser identificados e punidos com banimentos temporários ou permanentes, e a lei passou a prever prisões imediatas para comportamentos violentos. Além disso, os clubes e autoridades foram obrigados a trabalhar em conjunto, criando uma cultura de responsabilidade e segurança nos eventos esportivos.

Na Alemanha, um problema semelhante foi enfrentado com um conjunto de ações integradas. Após os episódios de violência que marcaram o futebol alemão nas décadas de 1990 e 2000, foi criada uma força-tarefa para lidar especificamente com o problema. A implementação de tecnologias avançadas de monitoramento, como câmeras, associada a sistemas de reconhecimento facial, permitiu a identificação rápida dos torcedores que causavam tumultos. Esses indivíduos foram submetidos a punições severas, incluindo a proibição de frequentar os estádios por longos períodos.

Também foi implementada uma política de diálogo e conscientização com as torcidas organizadas, promovendo uma mudança gradual na cultura do futebol no país. Como resultado, a violência nos estádios alemães foi drasticamente reduzida, transformando-os em ambientes mais seguros para famílias e torcedores de todas as idades.

Uma experiência pessoal que tive em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, exemplifica isso. Em 2022, quando estive na cidade para ministrar um curso para juízes e desembargadores, fui convidado por um magistrado do Juizado do Torcedor para assistir a um jogo e conhecer o funcionamento desse modelo. Lá, presenciei audiências realizadas dentro do estádio, com torcedores sendo julgados e punidos no próprio local.

A medida que mais me impressionou foi a obrigação de torcedores brigões se apresentarem em delegacias no horário dos jogos, o que era rigorosamente fiscalizado pelo próprio juiz, que telefonava para confirmar o cumprimento. Essa abordagem efetiva resultou em uma significativa redução de brigas nos estádios de Porto Alegre.

Essas experiências demonstram que o foco deve estar na identificação dos infratores, no uso de tecnologias modernas e na aplicação de sanções severas. Apenas assim é possível criar um ambiente que priorize a segurança sem comprometer a experiência coletiva que torna o futebol tão especial.

Bombas e outros objetos foram lançados pela torcida atleticana no gramado da Arena MRV
Bombas e outros objetos foram lançados pela torcida atleticana no gramado da Arena MRV. Crédito: Código19/Folhapress

O Atlético Mineiro tem todas as condições para adotar um modelo semelhante. Com câmeras de alta resolução e tecnologia de reconhecimento facial, o clube pode identificar e banir torcedores violentos de seus jogos, seja temporariamente, seja de forma permanente. A exclusão desses infratores dos estádios e dos programas de sócios-torcedores deve ser acompanhada de punições judiciais na esfera penal e civil.

Além disso, é essencial que o clube engaje sua própria torcida, incentivando a denúncia de comportamentos inadequados. Torcedores comprometidos com o time devem entender que a violência não prejudica apenas o infrator, mas o próprio clube que amam, que já sofreu sanções como a realização de jogos com portões fechados no Independência, gerando perdas financeiras significativas.

Um ponto essencial para a conscientização dos torcedores é torná-los cientes do impacto financeiro que a violência causa ao clube. Recentemente, o Atlético foi punido com a interdição da Arena MRV e teve que realizar jogos em outro estádio, com portões fechados. Essas medidas resultaram em perdas financeiras significativas, tanto em bilheteria quanto em patrocínios, afetando diretamente a capacidade do clube de investir em sua estrutura e no elenco. O torcedor precisa se sentir parte do todo, entendendo que ações inadequadas prejudicam não apenas o infrator, mas o clube como um todo, inclusive financeiramente.

Um ponto que também exige atenção é o rigor na fiscalização de entrada nos estádios. É inadmissível que torcedores consigam ingressar na Arena MRV ou em qualquer outro estádio com bombas, sinalizadores ou outros objetos perigosos. Isso demonstra falhas nos processos de vistoria e controle de acesso, que precisam ser corrigidas com urgência. A utilização de equipamentos como detectores de metais, revista manual e maior integração entre a segurança do clube e as forças policiais pode evitar a entrada de materiais que colocam em risco a segurança de todos os presentes.

Investir em medidas rápidas como barreiras de vidro não resolverá o problema. A verdadeira solução está em promover uma cultura de respeito e educação entre os torcedores, enquanto se pune severamente aqueles que insistem em agir de forma inadequada. O Atlético deve assumir um papel ativo, utilizando a tecnologia a seu favor, fortalecendo parcerias com as autoridades e incentivando a consciência coletiva. Somente com ações consistentes e bem planejadas, a Arena MRV poderá se tornar um local seguro e representativo dos valores que o esporte deve transmitir.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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