O advogado mineiro Sobral Pinto foi definitivo: "A advocacia não é uma profissão de covardes". E não é mesmo. Enfrentar o Leviatã cada vez mais inchado e poderoso, assomado às angústias dos condenados, dos excluídos e dos que se arrastam nos corredores forenses "como um cão", na dolorosa expressão do personagem Joseph K., exige do advogado a virtude rara da coragem e a misericordiosa compreensão dos dramas humanos.
Isso tudo sozinho. Advogados são solitários, acreditem! A apoteótica sustentação oral nas mais altas cortes e as defesas acendradas nos tribunais de júri são momentos raros, episódicos mesmo. Na faina diária, o corajoso profissional está isolado em seu escritório, nos gabinetes, nas serventias e nas unidades judiciárias. Enfrenta dragões ou moinhos de vento, mas retorna muito rapidamente para o silêncio e para a discrição de suas obrigações nada retumbantes.
Não raramente surgem diatribes próprias da ácida vida judiciária, com discussões nem sempre desejáveis. E a vida segue. Novos embates. Novos confrontos. E o advogado, que o vício da covardia desconhece, recomeça, e o faz silenciosamente, como sempre. Estranho é que faz tudo isso não por si, propriamente. Embora seja merecedor de honorários compatíveis e dignificantes, a voz e a consciência do advogado são instrumentos de salvaguarda do outro, nunca dele mesmo.
Aí então surgem as perplexidades. Embora seja profissional de trincheira, que se assenta no último degrau da escada ao lado do acusado, como alerta Carnelutti, vê-se pessoalmente confrontado, agravado e, infelizmente, ameaçado. Faz pelo outro, mas suporta agressões diretamente, de modo que essas agressões não buscam calar o advogado, mas aqueles a quem ele representa: o cidadão.
Violar as prerrogativas da advocacia é amedrontar a sociedade. É inaceitável, seja no exercício diário, seja no cumprimento da missão constitucional, a advocacia sofrer violência de qualquer matiz, porque esses gestos virulentos melindram a sociedade, o condenado, a vítima de violência doméstica, a criança vulnerada, e não propriamente o advogado, que não se dobra às covardias desde sempre.
Essas reflexões são relevantes porque interessam ao país. Mais de 70 advogados foram assassinados no Brasil desde o ano de 2016, um número alarmante e que precisa ser enfrentado com atenção. Ao mínimo sinal de risco, ao menor aceno de perigo, o advogado deve buscar a Ordem dos Advogados do Brasil para solicitar proteção, considerando que as estatísticas costumam aumentar à custa do silêncio.
Estranho que os advogados são assassinados por falarem pelo outro, mas morrem como se o outro fosse ele mesmo. Essa profunda e necessária fidúcia mantida entre o advogado e seu cliente deságua até nessas trágicas confusões, quando o assassino prefere matar o corajoso profissional por ver nele, enfim, a exteriorização das razões do adversário. Há certa nobreza nessa confusão, embora deletérios os seus resultados.
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Mas a verdade é que a coragem dos advogados os tem vitimados, mas não acovardados, porque é irresistível exercer a profissão mais nobre de todas, assim como é irresistível sublimar o medo e avançar para águas mais profundas, assumindo causas cada vez mais complexas e densas, cada vez mais perigosas, portanto.
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