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É escritora, jornalista e moradora do Centro de Vitória. Publicou seis livros. O mais recente é um romance de nome Bagunça que está disponível no site da editora Maré editoramare.com

Waguinho e Rabello: o Centro de Vitória vive luto cantado em violões, blocos e saudades

E agora? Como ficam as esquinas do Centro? Essas pessoas cantavam, essas pessoas faziam piadas com a própria condição. Eram as nossas pessoas de grandes ombros dispostos a abraçar o mundo e acabar com a opressão

  • Aline Dias É escritora, jornalista e moradora do Centro de Vitória. Publicou seis livros. O mais recente é um romance de nome Bagunça que está disponível no site da editora Maré editoramare.com
Publicado em 16/03/2025 às 10h00
Wagner de Oliveira Souza, o Waguinho, e José Carlos Rabello
Wagner de Oliveira Souza, o Waguinho, e José Carlos Rabello. Crédito: Redes Sociais e Cousa/DIvulgação

Foi Marcelo Zumerle quem me apresentou o Waguinho e o Rabello, essas figuras doces e boêmias que não estão mais no nosso metiê (Waguinho morreu no final de fevereiro e Rabello agora, no meio de março). Figuras de que eu gosto e que eu sempre achei bonito ver vivendo. Era bom encontrar com ambos pelas esquinas do Centro de Vitória.

Velo Waguinho e Rabello neste texto, porque pensando neles lembro de doçura e alegria. Eu não vi essas pessoas: Zumerle, Waguinho, Rabello, criando grandes rivalidades fora de palcos eleitorais. Na vida pessoal, nas mesas de bar (onde os encontrava), estavam sempre dispostos a ampliar as comunidades beberronas nas quais nos enquadrávamos.

Me lembro de Rabello me deixando cantar sem ser cantora, coisa que outros até torciam o nariz. Me lembro de Waguinho me acudindo quando eu quebrei o braço. Me lembro da escuta grave e grande de Zumerle. Eram amigos, e como Leonara disse, já devem estar montando uma chapa no céu para acabar com o reinado infinito de São Pedro. Um além contra-hegemônico e comunista!

E fico pensando o quanto não perdemos em doçura quando o mundo fica sem essa gente tão carinhosa. Porque, ao pensar nesses três, com seus defeitos inclusos, penso sempre em carinho. Penso em suas posturas aglutinadoras diante da vida e das pessoas, mas sem negar a existência da dor.

Marcelo negava um pouco, não me deixava chorar demais. Mas também, pudera, era na orelha dele que eu chorava. Falo, aqui, de três pessoas de esquerda, boêmias, solteiras e com posturas um tanto questionáveis diante de uma sociedade conservadora que prima pela competição, pelo dinheiro, pelo acúmulo de capital.

Figuras que estão sendo exaustivamente choradas e celebradas pela cidade toda porque estiveram em fundações de chapas de grêmio e blocos de carnaval. Figuras que ocupavam cidades, ouvidos, mentes ociosas, potências de vida e de doçura. Escrevo, portanto, para celebrar a existência dessa gente doce, essa disposição de ser um sorriso que a gente encontra chegando em casa num dia triste.

Deixo muita ênfase pra que a gente se lembre de fazer festa, de sorrir, de repartir alegria e pão. Na dedicatória de seu livro, Rabello disse “nunca se esqueçam que todo rico é um ladrão de horas e sonhos”. Nem na hora de morrer ele deixou de lembrar de aglutinar.

Sempre achei muito bonito esse jeito de viver querendo todo mundo bem. Querendo, sim, uma sociedade que se realize, que celebre, que viva bem. E vivendo bem, vivendo de acordo com o que se acredita.

Waguinho criou o bloco Prakabá, e eu chorei domingo quando vi Waguinho num boneco enorme com guarda chuva na cabeça e sua careca reproduzida. Um Waguinho imortal, que no entanto talvez não tenha aquela pequena tatuagem de carrinho de cortar grama que ficava no entorno de sua careca, fazendo piada com a própria condição calva.

E agora? Como ficam as esquinas do Centro? Essas pessoas cantavam, essas pessoas faziam piadas com a própria condição. Eram as nossas pessoas de grandes ombros dispostos a abraçar o mundo e acabar com a opressão. É um bairro todo de luto, o bairro mais antigo vivendo um luto cantado em violões, blocos e saudades. Muitas saudades. Mas numa certeza funda de que somos todos a mesma comunidade.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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