Voltado para o entretenimento, o Big Brother Brasil é uma franquia de sucesso que já chegou a sua 22ª edição em 2022. Todo ano um dilema invade as conversas dos brasileiros: o BBB é apenas uma brincadeira fútil ou ele apresenta algo além disso? Quando arguido sobre minha visão, de imediato eu afirmo, o “Grande Irmão” entrega muito além do que um produto super rentável e popularesco.
Para além do negócio televisivo, ele acaba constituindo uma arena de exposição da sociedade atual, capaz de promover debates intensos na população, bem como de aprofundar assuntos que outrora encontravam-se superficiais ou adormecidos.
Nessas mais de duas décadas, pudemos observar pelos olhos das câmeras que o pueril mundo das celebridades até tem lugar cativo nesse formato de programa, mas a sociedade tem sido representada na sua pluralidade, e seus desafios, muitas vezes descomunais, são discutidos e visitados pelo público, que no conforto de seu lar é convocado a refletir.
Como exemplo de forte contraste, vamos estabelecer uma comparação entre as edições de 2011 e a atual. Na 11ª competição, foi incluída no casting a primeira mulher trans, Ariadna Arantes, uma cabelereira eliminada no primeiro paredão. Salvo o dissabor da derrota, ela teve que encarar o preconceito e o deboche público, que na época viraram destaques em vários veículos de comunicação, como na publicação de um jornal carioca, que trouxe em sua capa uma foto da participante com a seguinte manchete: "Ariadna's Coiffeur - Corto cabelo e pinto".
Minimamente, é possível afirmarmos que houve uma evolução no que diz respeito aos direitos humanos. Nesse BBB 22, estamos presenciando a participação de Lina Pereira dos Santos, a cantora, compositora e atriz Linn da Quebrada. Com uma carreira em ascensão, ela mesma se apresenta como travesti. Por mais que enfrente muitos preconceitos, ela e a comunidade LGBTQIA+ já encontram duas palavras e um amparo legal que Ariadna não encontrou, o entendimento do que é a transfobia e a homofobia.
Longe de estarmos numa posição confortável ou, até mesmo, vivendo em uma sociedade que se comporte com naturalidade diante das diferenças humanas, mas é possível dizer que assuntos delicados saíram da escuridão e ganharam a luz, é esse o primeiro passo para a evolução. Sendo assim, vejo no BBB outros debates, às vezes apresentados com maior sutileza e longe das grandes polêmicas, mas com enorme importância social.
Vejam vocês a divisão entre Xepa e VIP, uma dinâmica semanal e importante do jogo. Em geral, o líder da semana tem o privilégio de viver com conforto e, também, pode trazer consigo seus aliados para desfrutarem de uma bolha repleta de benesses, eis o VIP. Isso ocorre pelo fato de que aqueles que não são escolhidos para o seleto grupo são obrigados a viver em uma realidade completamente oposta, a Xepa. O principal impacto está ligado à comida e à forma com que as compras dos mantimentos são feitas.
Além de ganhar uma quantidade bem menor de estalecas (moeda do BBB), o grande castigo para os “xepados” é na hora de fazer as compras no mercado, pois a lista aos quais esses participantes têm acesso é composta por produtos de segunda categoria, com um custo extremamente alto. Já os “vipados”, recebem mais dinheiro como prêmio, possuem acesso a artigos de primeira qualidade, como filé mignon por exemplo, tudo isso com valores mais em conta.
Segundo uma pesquisa sobre custo de vida da FecomercioSP, que mensurou dados relativos a janeiro de 2022, a inflação pesa mais no bolso de quem ganha menos, sobretudo quando o assunto é alimento. Para os cidadãos posicionados na Classe A, na nossa comparação os VIPs da vida real, a variação de preços impactou em 0,92% do orçamento.
Já a Xepa daqueles que convivem com a realidade, ou seja, os brasileiros classificados como pertencentes à Classe D, o impacto foi de 1,61%. Ainda segundo o mesmo estudo, alimentos e bebidas são 15,65% dos gastos dos entendidos como VIPs (classe A), por outro lado, os forçados a viverem na Xepa (classe E) necessitam despender 30% de seus ganhos para comer e beber.
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Portanto, assim como no BBB, para o brasileiro mais pobre ter acesso a produtos nutritivos e de qualidade exige maior esforço, em comparação aos mais afortunados. A arte, mais uma vez, imitou a vida real, com uma sutileza que não pode passar despercebida de todos nós. A reflexão merece lugar especial para os formuladores de políticas públicas, mas também para a população em geral. Afinal de contas, até quando viveremos em um Big Brother de abissal divisão entre “vipados” e “xepados”?
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