Deu o que falar na mídia nacional e nas redes sociais o desafio (ou duelo?) feito aos governadores pelo presidente Jair Bolsonaro, propondo que se os Estados zerassem o ICMS incidente sobre os combustíveis, o presidente (ele) também assim o faria em relação aos tributos federais (PIS/COFINS e CIDE): “Eu zero o federal, se eles zerarem o ICMS. Está feito o desafio aqui agora. Eu zero o federal hoje, eles zeram o ICMS. Se topar, eu aceito”, disse o presidente.
Para o senso comum o desafio do presidente denota gesto de um verdadeiro chefe de nação, com teor de uma verdadeira e boa política pública para todos os brasileiros. No imaginário do cidadão comum (e, ao que tudo indica, no do ilustre presidente), a supressão de tributos federais (PIS/COFINS e CIDE) e de tributo estadual (ICMS) dos combustíveis, tal qual proposto, reduziria os preços praticados na bomba imediatamente e na mesma proporção da participação desses tributos na composição do preço final de cada combustível (gasolina “C”, diesel e etanol).
Assim, retirar ou zerar o ICMS, o PIS/COFINS e a CIDE da gasolina “C” significaria reduzir em 44% (28% de ICMS + 16% de PIS/COFINS e CIDE) o preço na bomba desse combustível, de modo que um preço médio do litro a R$ 4,558 cairia para R$ 2,552. O mesmo raciocínio se aplicaria aos demais combustíveis, ou seja, a redução do preço na bomba se daria imediatamente e na mesma proporção da participação dos tributos na composição do preço de cada combustível.
Seria bom se esse raciocínio estivesse correto. Entretanto, na prática as coisas não são tão lineares assim, de modo que nada nos garante que o preço da bomba se reduziria na mesma proporção dos tributos suprimidos ou zerados.
NÃO HÁ LIVRE CONCORRÊNCIA NO BRASIL
No Brasil, o mercado de combustíveis não funciona em regime de livre concorrência, regulado pela lei da oferta e da demanda. Além de se tratar de produtos com baixa elasticidade-preço (o consumo não se altera imediatamente à alteração nos preços), a cadeia dos combustíveis possui característica singular em nosso país.
A rede de revenda (último elo da cadeia) é composta por mais de 40 mil postos, mas todos sujeitam-se a poucas distribuidoras, de quem são obrigados a adquirir os combustíveis por preços pouco competitivos. Estas, por sua vez e via de regra, adquirem o combustível (diesel e gasolina) das refinarias, dominadas por um único agente (a Petrobras).
Por essas razões, nada impede que a supressão dos tributos da União e dos Estados seja substituída, simplesmente, por elevação dos preços dos combustíveis praticados nas refinarias (dado o monopólio existente, de fato) ou pela elevação das margens de distribuição e de revenda, em vez de uma redução dos preços praticados na bomba.
Carlos Heugênio Duarte Camisão
Autor do artigo
"O que se tem observado é uma política de preços monopolista e muito pouco transparente, que torna refém toda a cadeia de abastecimento e, sobretudo, o consumidor final"
Por exemplo, a política de preços praticados pelas refinarias (que corresponde a 61% do preço na bomba para o diesel e 43% para a gasolina “C”) está inteiramente na mão de único agente, preocupado exclusivamente em pagar dividendos para seus acionistas. Sob o argumento reiterado de se adotar “...condições de mercado e da análise do ambiente externo, possibilitando a companhia competir de maneira mais eficiente e flexível”, o que se tem observado é uma política de preços monopolista e muito pouco transparente, que torna refém toda a cadeia de abastecimento e, sobretudo, o consumidor final.
Não bastasse essa falta de correlação positiva entre supressão de tributos e redução dos preços dos combustíveis na bomba, há outro elemento ainda mais aviltante no desafio proposto pelo presidente Jair Bolsonaro. Olhando os números e as consequências derivadas da proposta, a conclusão que se chega é de que o presidente desafiou os governadores a saltarem de um avião em que somente ele estaria com paraquedas.
PESO DESIGUAL PARA ESTADOS
A adoção da proposta pelos governadores comprometeria agudamente as finanças estaduais, levando todos à bancarrota, ao passo que o mesmo não se daria com a União, pois enquanto o ICMS se constitui na principal fonte de arrecadação dos Estados, os tributos federais sobre combustíveis (PIS/COFINS e CIDE) representam muito pouco para a União.
Em 2019, por exemplo, a arrecadação total com ICMS sobre combustíveis representou, em média, 20% da arrecadação total dos Estados com ICMS, ao passo que a arrecadação da União com o PIS/COFINS e CIDE sobre combustíveis representou menos que 2% dos tributos arrecadados e administrados pela RFB.
Na Região Norte, o ICMS sobre os combustíveis representa, em média, mais de 27% de toda a arrecadação com ICMS pelos Estados que compõem essa região. Isso significa que esses Estados estariam abrindo mão de quase 30% de recursos de seus orçamentos.
A SITUAÇÃO DO ES
No caso do Estado do Espírito Santo, para continuarmos com os exemplos, o ICMS sobre os combustíveis arrecadou 1,6 bilhão em 2019, o que representou 16% da arrecadação total com ICMS.
Assim, além de não beneficiar o consumidor com redução líquida e certa do preço dos combustíveis na bomba (na mesma proporção em que os tributos participam da composição desses preços), uma política de supressão do ICMS sobre os combustíveis comprometeria, de imediato, as finanças de todos os Estados, agravando a crise fiscal pela qual estão passando e, o que é pior, impactando negativamente os bens e serviços públicos ofertados aos seus cidadãos.
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O autor é auditor fiscal da Receita do Estado do Espírito Santo e presidente do Sindifiscal-ES (Sindicato dos Auditores Fiscais e Auxiliares Fazendários do Estado do Espírito Santo).
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