Ao justificar o seu anunciado veto ao fundão eleitoral de R$ 5,7 bilhões aprovado pelo Congresso, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta terça-feira (20) que a lei que criou o mecanismo de financiamento de campanhas prevê uma correção pela inflação.
O mandatário, porém, não deixou claro se pretende seguir essa regra para tentar negociar com o Parlamento os parâmetros de financiamento das eleições do ano que vem.
Em entrevista à rádio Itatiaia, Bolsonaro também disse que o valor decidido pelo Congresso "extrapolou" e que a previsão ficou muito acima do estabelecido para o pleito de 2018.
"Diz na lei [de criação do fundo] que a cada eleição o valor tem que ser corrigido levando-se em conta a inflação. E eu tenho que cumprir a lei."
"O ano retrasado, eu sancionei algo parecido [no Orçamento de 2020], mas que levou em conta a inflação do período. E eu não tinha como vetar", disse o presidente, referindo-se ao aval dado por ele a um fundo de campanha de R$ 2 bilhões para aquela disputa.
Bolsonaro respondeu a uma pergunta da jornalista sobre se buscaria junto ao Congresso definir um montante menor para o fundo. A fala do mandatário, no entanto, tem incorreções em relação à lei de 2017 que criou o fundo eleitoral.
A norma de fato tem um mecanismo de correção pela inflação, mas que deve ser aplicado sobre à "somatória da compensação fiscal que as emissoras comerciais de rádio e televisão receberam pela divulgação da propaganda partidária efetuada no ano da publicação" da lei (2017).
De acordo com técnicos, se essa previsão fosse seguida à risca, o valor de 2022 rondaria R$ 800 milhões, portanto muito abaixo do que foi praticado nas últimas eleições.
"Neste caso [do fundão de R$ 5,7 bilhões], como houve uma extrapolação, extrapolou o valor foi muito acima do que ocorreu por ocasião das eleições de 2018, extrapolou então eu tenho a liberdade de vetar e vamos vetar."
"Agora, eu não quero problema com o Parlamento. Quantas mensagens eu mando para o Parlamento e eles deixam caducar?", disse Bolsonaro na entrevista desta terça-feira.
A verba de R$ 5,7 bilhões votada pelos congressistas na semana passada, destinada para o financiamento de campanhas, representa quase o triplo do que foi usado no pleito municipal de 2020 (R$ 2 bilhões) e nas eleições gerais de 2018 (R$ 1,7 bilhão).
A previsão foi incluída na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que baliza o governo na elaboração do Orçamento 2022.
Agora, o presidente tem sobre sua mesa a tarefa de decidir se corrobora o discurso público dele e de aliados e veta o fundo inflado ou se engaveta essa retórica e atende ao desejo da maioria dos congressistas. Em entrevista na noite de segunda (19), ele afirmou que pretende vetar o dispositivo.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a base do governo no Congresso busca uma saída sem comprar uma briga com o centrão.
Uma solução que contou com a simpatia de integrantes do governo envolve o envio de uma mensagem modificativa ao parlamento para alterar a Lei Orçamentária Anual e reduzir o valor destinado a campanhas eleitorais para um patamar próximo de R$ 4 bilhões.
O fundo eleitoral inflado foi aprovado de forma acelerada pelo Congresso, em meio às discussões da LDO. O relatório do projeto da lei orçamentária foi apresentado na madrugada de quinta-feira (15), aprovado em comissão do Legislativo pela manhã e, depois, à tarde no plenário do Congresso.
Novo, PSOL, Cidadania e Podemos foram os partidos que se manifestaram contra o aumento do fundo eleitoral na Câmara. Mas isso não foi suficiente para barrar a ampliação bilionária dos gastos com campanha eleitoral.
A estratégia de parlamentares foi estabelecer, de imediato, um cálculo mínimo para o fundo. Isso impede que o governo envie, no fim de agosto, uma proposta de Orçamento de 2022 com patamar abaixo do defendido por caciques partidários.
O governo, durante as discussões na quinta, não tentou barrar a votação.
Aliados do ministro da Economia, Paulo Guedes, defendiam que o valor ficasse no patamar de anos anteriores, próximo de R$ 1,8 bilhão. A ampliação do fundo desagradou a área econômica, que já encontra dificuldade de atender à demanda de recursos financeiros por parte de diversos ministérios.
O texto aprovado pelo Congresso permite o veto apenas ao artigo que prevê um piso mínimo para o fundo. É possível, portanto, vetar esse trecho, e ainda garantir a existência do fundo em 2022, com valor a ser negociado politicamente.
Se o governo optar pelo veto, ainda existirá uma reserva de parte do Orçamento para bancar a campanha, mas o valor seria definido pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e somado a uma parcela das emendas de bancada (verba destinada por decisão do grupo de deputados e senadores de cada estado).
O valor, então, não estaria previamente estabelecido.
O presidente passou por situação parecida na discussão do Orçamento de 2020.
À época, Bolsonaro chegou a indicar que vetaria o fundo de R$ 2 bilhões com verba pública para financiar as campanhas eleitorais. A sinalização foi feita após ele ter sido cobrado por eleitores nas redes sociais.
Mas pouco depois ele recuou. Disse que um eventual veto poderia levar a um processo de impeachment.
No final, Bolsonaro sancionou o texto sem vetos.
Na entrevista à Itatiaia, Bolsonaro também comentou o cenário eleitoral do ano que vem e afirmou não ver espaço para uma terceira via.
"Existe uma passagem bíblica que diz: seja quente ou seja frio, não seja morno. Terceira via, o povo não engole isso aí. O vaselina? É xilocaína ou vaselina? O vaselinão? Não vai dar certo, não vai agregar, não vai atrair a simpatia da população."
"Não existe terceira via. Está polarizado. Hoje, ia estar eu e o ex-presidiário que desviou bilhões dos cofres públicos e vai disputar as eleições do ano que vem", disse Bolsonaro, referindo-se ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O petista teve seus direitos políticos restituídos por decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) e hoje aparece como favorito nas pesquisas de opinião.
O mandatário ainda afirmou que está à disposição para o reagendamento de reunião entre os chefes dos poderes. Um encontro do tipo havia sido marcado após reunião de Bolsonaro com o presidente do STF, ministro Luiz Fux, mas acabou não sendo realizado pela internação de Bolsonaro para tratar quadro de obstrução intestinal.
"Cada poder tem que saber que tem limites. Eu tenho limite, por que o Judiciário não pode ter limite? Tem que ter limite também. E a mesma coisa no tocante ao Legislativo. Então, é importante a gente manter a harmonia entre nós, o que não é fácil", afirmou Bolsonaro na entrevista.
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