A organização de caravanas rumo aos protestos de Brasília com a participação de policiais militares de outros estados e o clima tenso na relação entre parte das tropas e governos opositores ao presidente Jair Bolsonaro no Nordeste estão no centro das preocupações em relação aos protestos bolsonaristas de 7 de Setembro.
Em Mato Grosso, há relatos de policiais da ativa inscritos em caravanas que sairão de Cuiabá para o Distrito Federal. Em grupos privados, policiais da Bahia também se organizam para ir a Brasília e para participar do ato previsto para Salvador.
Governos estaduais monitoram possíveis atos de indisciplina, mas publicamente afirmam que não há clima para preocupação.
Enquanto isso, promotores da Justiça Militar e até juízes têm se movimentado para coibir a presença de PMs da ativa nos atos, reiterando leis e regimentos que impedem manifestações de caráter político-partidário.
Alguns evocam até mesmo as consequências de ações antidemocráticas segundo o Código Penal Militar, que prevê penas de 2 a 8 anos de prisão para crimes como incitação à indisciplina, conspiração e motim. No limite, esses crimes levam ainda à exclusão da PM.
"É preciso blindar as polícias de investidas da política ruim, que segue a cartilha do quanto pior melhor", afirma o coronel da reserva Nylton Rodrigues, ex-comandante da PM do Espírito Santo, convocado para assumir a força diante da greve de 2017.
"Os policiais devem estar atentos porque [o chamado para os atos] é o canto da sereia. Políticos querem construir seu capital sobre as cinzas da população e da própria tropa. E sobram processos e graves problemas de saúde para os PMs", avalia ele, para quem o Espírito Santo amadureceu desde a greve de cinco anos atrás.
Oficialmente, corporações refutam a tese de aderência de parcelas das tropas aos atos, enquanto oficiais e praças de alguns estados admitem haver colegas da ativa manifestando apoio ao presidente em grupos e redes sociais.
Para além da simpatia por um presidente que elogia policiais de maneira insistente, ainda que não tenha entregado promessas de campanha, as movimentações da categoria são movidas menos por ideologia do que por problemas como baixos salários, más condições de trabalho e falta de reconhecimento.
"O que os policiais se queixam é sobre o reconhecimento ao trabalho que fazem, arriscando suas vidas. Quando há um deslize pontual, se faz uma generalização. Toda a instituição termina sendo execrada, e os policiais se ressentem disso", afirma o coronel da reserva Washington França da Silva, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Segurança e Justiça.
Quando essas carências se alinham a governadores de oposição, a situação fica mais delicada, como nas insurgências ocorridas nas polícias de Ceará, Pernambuco, Bahia e Alagoas.
Também é exemplo desta tensão o caso do coronel paulista Aleksander Lacerda, que manifestou nas redes apoio aos atos pró-presidente enquanto atacava o governador João Doria (PSDB), oficialmente o comandante em chefe da PM.
Agora, as tropas desses estados são aquelas monitoradas de perto, mas também sujeitas a forças políticas oriundas da PM e interessadas no capital político das manifestações do 7 de Setembro.
"Quem está radicalizando são os candidatos de 2022. Querem se posicionar para atrair a lealdade da tropa com promessas de proteção e de privilégios. Usam a pauta ideológica para justificar a questão corporativa", explica Leandro Piquet Carneiro, coordenador da Escola de Segurança Multidimensional do Instituto de Relações Internacionais da USP.
Para José Luiz Ratton, professor do departamento de sociologia da UFPE (Universidade Federal do Pernambuco), "deputados e ex-deputados bolsonaristas oriundos da polícia e que são candidatos em 2022 têm interesse em ver muita gente na rua". Mas, segundo ele, é preciso lembrar que "as polícias não são monolíticas".
"Um comando externo às polícias, como o bolsonarismo, não é uma correia de transmissão direta. Porque ele encontra um ambiente já repleto de outras disputas internas sobre mecanismos de ascensão, de controle e de governança", diz.
"Isso ameniza a ideia de que é possível mobilizar polícias numa eventual ruptura da ordem democrática."
No Ceará, a relação entre tropas e governo permanece tensa desde o motim que paralisou a PM em fevereiro de 2020 e causou uma escalada no número de mortes violentas.
O secretário estadual de Segurança Pública, Sandro Caron, diz não ver indícios de articulação de policiais para os protestos, mas diz que o governo se mantém alerta.
A Assembleia Legislativa instalou uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para investigar se os recursos recebidos por associações de PM e Bombeiros foram usados para financiar o motim.
O deputado estadual Salmito Filho (PDT), presidente da CPI, diz que a experiência com o motim de 2020 faz com que o Ceará esteja mais preparado para enfrentar possíveis atos de indisciplina.
Já passa de 400 o número de agentes de segurança denunciados pelo motim, e o Legislativo aprovou uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que proíbe anistia a policiais amotinados.
Presidente da Aspramece, entidade que representa praças no Ceará, o sargento reformado Pedro Queiroz diz que parte da tropa está angustiada com as possíveis punições e diz que "a relação entre governo do estado e forças de segurança não está amistosa".
O componente eleitoral tem um peso ainda maior no estado, já que o principal nome da oposição é o deputado federal Capitão Wagner (Pros), que ascendeu na política após liderar um motim de policiais em 2012 e é pré-candidato ao governo em 2022.
Na Bahia, o governo do estado avalia que o clima é de relativa tranquilidade. Mas há movimentação entre policiais da reserva com pretensões eleitorais e que insuflam a adesão às manifestações.
Líder dos motins da PM da Bahia em 2012 e 2014, o deputado estadual Soldado Prisco (PSC) critica a escalada da violência na Bahia na gestão Rui Costa (PT) e cobra diálogo com as associações de policiais, entidades que não são reconhecidas pelo governo baiano.
"O governador prega a democracia, mas na prática age como um ditador."
O deputado estadual Capitão Alden (PSL) endossa as críticas e reconhece que parte da tropa deve participar das manifestações em Salvador: "Por trás da farda, somos também cidadãos brasileiros amparados pela mesma Constituição."
Adversários nas eleições de 2018, Alden e Prisco anunciaram há duas semanas uma aliança para o pleito de 2022. A união foi selada no momento em que outros policiais ensaiam candidaturas e também tem incentivado a adesão ao 7 de Setembro.
A Bahia registrou motins da PM em 2001, 2012 e 2014 e episódios de tensão como a morte do soldado Wesley Soares, em março deste ano.
Ele foi baleado após passar quatro horas dando tiros para o alto e gritando palavras de ordem no Farol da Barra, em Salvador, e atirar com um fuzil contra policiais que negociavam a sua rendição.
Soares é tratado como uma espécie de mártir entre parte da tropa. Em protestos bolsonaristas, há cartazes com sua foto e rodas de oração em sua homenagem.
Em maio, um coronel exonerado de um cargo de comando gravou um vídeo com arma em punho, cercado por outros policiais armados, no qual criticou seu afastamento e disse que "as Polícias Militares do Brasil são verdadeiras guardiãs do Estado democrático de Direito".
Major da ativa da PM da Bahia, Dequex Araújo diz não acreditar em possíveis atos de indisciplina de policiais: "A última tentativa de greve, em 2019, não passou de uma fagulha. A tropa está mais amadurecida. Não vejo clima para qualquer situação de anormalidade", diz ele, que é membro do Instituto Brasileiro de Segurança Pública.
Em Pernambuco, o clima de tensão entre governo e tropa subiu um degrau após uma manifestação contra o presidente Bolsonaro ter sido encerrada com bombas de gás lacrimogêneo e tiros de balas de borracha nas ruas do centro do Recife em 29 de maio.
O ato acontecia de forma pacífica, mas uma guarnição da tropa de choque da Polícia Militar bloqueou a rua no final do trajeto. Dois homens perderam a visão de um olho após terem sido atingidos por balas de borracha. O comandante-geral da PM foi exonerado pelo governador Paulo Câmara (PSB).
Para Ratton, da UFPE, "a lição dessas manifestações é que os governos estão atentos no sentido de estabelecer controles sobre suas polícias". "Se não forem estabelecidos mecanismos de controle, é um desastre."
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