A Coronavac, vacina que é a aposta do governador João Doria (PSDB-SP) no combate à Covid-19 e trunfo político contra seu rival Jair Bolsonaro, teve uma eficácia de 78% a 100% nos estudos finais realizados no Brasil. O índice de 78% se aplica à prevenção de casos leves da doença. Casos moderados e graves foram completamente evitados no estudo, que não registrou nenhuma morte ou internação de voluntários vacinados infectados.
"Nós conseguimos a vacina do Brasil, que vai salvar milhões de brasileiros. Temos a vacina em solo, em condições de começar a vacinação", disse Doria.
Os dados foram apresentados à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em reunião na manhã desta quinta (7), quando o Instituto Butantan iniciou as tratativas para oficializar o pedido de uso emergencial do imunizante que irá produzir.
Eles foram revisados na Áustria pelo Comitê Internacional Independente, que acompanha os ensaios. A expectativa paulista é de que a Anvisa não use todos os dez dias de que dispõe para aprovar a vacina. Uma nova reunião já irá ocorrer nesta tarde e o pedido deverá ocorrer até sexta (8).
Doria fez uma advertência: "Que a Anvisa em nenhum momento atenda a pressões de ordem ideológica", disse, em referência à suspeita usual do governo paulista sobre o alinhamento da agência ao Planalto.
O órgão estadual patrocinou o estudo da fase 3, a final, da vacina criada pelo laboratório chinês. Desde 20 de julho, 12.476 profissionais de saúde voluntários em 16 centros clínicos de oito estados brasileiros receberam duas doses do imunizante, com 14 dias de intervalo entre elas.
Desses, cerca de 220 deles foram infectados pelo Sars-CoV-2. O detalhamento sobre quem havia recebido a vacina ou placebo só será dado após a aprovação do uso. Nenhum dos voluntários vacinados que pegaram o vírus precisou ser internado.
Doria, que já disse ver a vacina como um passaporte para uma nacionalização, enfatizou o caráter da iniciativa além das fronteiras paulistas. "Hoje é um dia muito importante para o Brasil e para os brasileiros. Hoje é um dia de esperança. Ela é a vacina de São Paulo, e a vacina de São Paulo é a vacina do Brasil."
Citando sua própria infecção pelo novo coronavírus e a morte de conhecidos, Doria prestou homenagem às vítimas da doença "como brasileiro, cidadão e pai de família". Estocou Bolsonaro, com olhos marejados, dizendo que nunca tratou a doença como uma gripezinha.
O diretor-presidente do Butantan, Dimas Covas, emocionado, afirmou: "Nunca achei que teríamos tão rapidamente a vacina". Ele lembrou que a velocidade com que os imunizantes são desenvolvidos recebe críticas, mas é típica de uma "situação epidêmica".
A Coronavac já tinha tido sua segurança aferida nas fases 1 e 2, na China, não causando nenhum efeito colateral grave nos voluntários. "É uma das mais seguras do mundo", afirmou.
A divulgação ocorre depois de dois adiamentos e muita confusão acerca dos números. Para uma vacina ser aprovada, ela precisa ter ao menos 50% de cobertura, algo que o governo paulista já havia anunciado.
Inicialmente, São Paulo iria divulgar os números preliminares em 15 de dezembro. Só que o Butantan registrou que havia infectados suficientes no estudo para promover seu resultado final, e empurrou o anúncio para o dia 23.
Politicamente, havia grande desconfiança em São Paulo sobre como a Anvisa trabalharia, e um estudo final poderia ser registrado também na similar chinesa da agência, que prometia aprová-lo em três dias.
A partir daí, a Anvisa, que estimava em 45 dias a análise, poderia ser obrigada a avaliar a vacina em 72 horas, já que a agência chinesa é uma das que a legislação da pandemia reconhece para chancelar medicamentos se não vetasse com bons motivos, a aprovação seria automática.
Só que na véspera do novo anúncio, conforme revelou a Folha de S.Paulo, os chineses usaram o contrato de US$ 90 milhões (R$ 478 milhões hoje) assinado com São Paulo e represaram os dados para checagem com os outros estudos em curso.
Politicamente, a situação causou desconforto no governo Doria pela impressão de inconsistência. Como mais populoso estado, São Paulo tem o maior número bruto de casos (1,5 milhão) e de mortes (47 mil) do país.
Doria é presidenciável, e pretende enfrentar Bolsonaro (sem partido) no ano que vem. Ele diz, contudo, que seu investimento na vacina era uma questão óbvia e não política.
O ensaio do Brasil foi bem sucedido por um motivo trágico: a alta circulação do vírus, que já infectou 7,8 milhões e matou quase 200 mil brasileiros. Enquanto Bolsonaro minimizava a pandemia, Doria apostou desde o começo numa abordagem técnica para enfrentá-la.
O grupo brasileiro é considerado mais suscetível à infecção e exposição a altas cargas virais. "Nós desafiamos a vacina de uma forma com que outras vacinas não fizeram. Foi um teste mais difícil", afirmou Covas.
No ensaio turco (7.000 voluntários, eficácia preliminar de 91,25%) e na Indonésia (1.625 indivíduos, sem estimativa pública de eficácia), havia uma composição semelhante à da população em geral.
"Existe essas preocupação [com diferenças], por isso a Sinovac é que fará o pedido de registro definitivo", afirmou Covas.
Há estudos de fase 3 do imunizante sendo conduzidos também no Chile (3.000 voluntários) e Bangladesh (4.200 pessoas).
Na China, a vacina é uma das três aprovadas para uso emergencial desde julho, sendo que 700 mil pessoas já receberam a Coronavac no país, e os indonésios aprovaram a aplicação a partir do dia 13.
A equalização dos resultados gerou forte tensão dentro do governo paulista e na sua relação com a Sinovac. Em reuniões que começavam à noite por causa do fuso de 11 horas para Pequim, autoridades paulistas discutiram o caso nas últimas três semanas.
Ao fim, a farmacêutica topou liberar os dados só do estudo brasileiro, o que coloca em dúvida a tática de registro na China. Por ora, o Butantan aposta no pedido de uso emergencial, que atende aos planos estaduais de priorizar grupos vulneráveis.
Segundo pessoas com conhecimento das conversas, a expectativa é de que o pedido definitivo na China ocorra já na semana que vem, o que deverá facilitar o processo no Brasil.
Os chineses, por sua vez, querem um número consolidado por razões políticas, já que vão competir com os badalados imunizantes ocidentais de nova geração, como o da americano-alemã Pfizer/BioNTech (95% de eficácia) e o da americana Moderna (94,5%).
A Coronavac tem como vantagem usar uma tecnologia tradicional, em que o vírus inativado é usado para estimular a resposta imune, é mais fácil de armazenar e custa menos que essas rivais.
A dose negociada com São Paulo sai a US$ 10,3 (quase R$ 55 hoje), metade do preço da Pfizer. A da AstraZeneca/Universidade de Oxford, cuja compra foi anunciada pelo governo federal, tem preço de custo (US$ 3,16, quase R$ 17), mas seu recebimento ainda é incerto.
Bolsonaro, que minimiza a pandemia e joga suspeitas sobre vacinas sempre que pode, agora tem defendido a aquisição de um imunizante de forma rápida. Seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, disse na quarta (6) contar com 100 milhões de doses da Coronavac no ano que vem.
Isso irá se chocar com a intenção de Doria de manter seu plano estadual de imunização, lançado no mês passado. A saída está sendo negociada, e deve envolver a possibilidade de trabalhos conjuntos.
O motivo, óbvio, é o fato de que São Paulo fez um grande investimento cedo na vacina chinesa, e não pretende ver Bolsonaro propagandear os resultados ainda que o presidente já tinha dito que nunca compraria a Coronavac.
Na programação do estado, que espera ter 46 milhões de doses da Coronavac, a ideia é vacinar 9 milhões de paulistas em três meses, a partir de 25 de janeiro, com o registro emergencial da Anvisa aprovado.
Os dias de animosidade extrema entre governo e o órgão, que chegou a suspender os testes da Coronavac sem aviso prévio ou necessidade clara, já que averiguava um suicídio de voluntário, ficaram para trás.
Covas teve uma série de reuniões preparatórias na quarta com a agência. Integrantes da área de saúde federal e estadual afirmam que a tendência será pela aprovação, até porque Bolsonaro já não pode arcar com mais uma acusação de interferência política no urgente tema da vacina.
Outras questões ainda deverão ser respondidas. Segundo publicou a Folha de S.Paulo, o Centro de Contingência do Coronavac abriu uma discussão se seria possível estender ao máximo a aplicação das primeiras doses da vacina, adiando a segunda e assim ampliando a base de protegidos numa primeira onda de imunização.
Países europeus adotaram a tática, até porque correm contra a falta de vacinas para duas doses e a emergência da cepas mutante mais contagiosa do novo coronavírus.
Em princípio, o Butantan não considera a hipótese, até porque seu registro emergencial foi feito com base no estudo com duas doses e 14 dias de intervalo.
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