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Diferença entre resultados de pesquisa e de eleição não implica fraude

Diferença entre resultados de pesquisa e de eleição não implica fraude

Embora o resultado da eleição não tenha confirmado os índices de uma pesquisa feita para a Prefeitura de Porto Alegre em 14 de novembro, a consulta confirmou os dois nomes que já vinham liderando as pesquisas anteriores. Além disso, a desistência de um dos candidatos na semana da eleição pode ter provocado mudanças nas intenções de voto

Publicado em 26 de novembro de 2020 às 12:02

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Projeto Comprova: Diferença entre resultados de pesquisa e de eleição não implica fraude
ENGANOSO | Diferença entre resultados de pesquisa e de eleição não implica fraude. (Reprodução | Projeto Comprova)

Conteúdo verificado: Tuíte sugere que pesquisa eleitoral em Porto Alegre é falsa porque percentuais estimados foram diferentes dos resultados das urnas.

É enganoso o tuíte do ex-deputado Roberto Jefferson (PTB) sugerindo ser falsa pesquisa eleitoral em Porto Alegre ao comparar o percentual apontado pelo estudo com o resultado das urnas. O atual presidente do PTB escreve ainda, na rede social, que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”, mas a análise prévia sobre intenção de votos é válida e registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), passando por todos os ritos legais.

O resultado da votação ficou realmente fora da margem de erro do levantamento feito pelo Ibope e divulgado em 14 de novembro, um dia antes do pleito. No entanto, segundo especialistas consultados para esta verificação, essa variação é sempre uma possibilidade e não prova que houve erro, tampouco intenção de fraude.

Além disso, o cenário projetado pelo Ibope desde 5 de outubro, data da primeira pesquisa tornada pública, se confirmou: decisão no segundo turno entre Manuela D’Ávila (PCdoB) e Sebastião Melo (MDB). Este último apresentava intenção de votos crescente nos últimos levantamentos do Instituto.

A renúncia de um candidato poucos dias antes da votação é outro fator que pode ter alterado o cenário. Bem como a questão de Porto Alegre ter a maior taxa de abstenção entre municípios com mais de 200 mil eleitores — um a cada três votantes não compareceu às urnas.

Apesar de não serem comuns, discrepâncias assim podem ocorrer. Não apenas em outras cidades, mas em outros países. É o caso da eleição de 2016 nos Estados Unidos.

Jefferson também menciona o DataFolha, mas o instituto não realiza pesquisas na capital gaúcha. Pelo Twitter, ele afirmou que “uma pesquisa assim, na véspera, não pode ser considerada séria”. Também disse que os membros do Comprova, “em vez de se preocuparem em comprovar a pesquisa, atacam quem critica”. Só depois respondeu ao contato direto da reportagem, acrescentando que a pesquisa não pode ser considerada séria: “não por ser divulgada na véspera, mas por produzir números tão discrepantes“.

Posteriormente, o tuíte que originou esta verificação foi deletado.

As informações foram verificadas pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos de imprensa do Brasil para combater desinformações e conteúdos enganosos na internet. Participaram das etapas de checagem e de avaliação da verificação jornalistas de Poder 360, Gaúcha ZH, A Gazeta, Jornal Correio, Estadão, Folha de S.Paulo, Rádio Band News FM, Coletivo Niara, Jornal do Commercio, NSC Comunicação, Coletivo Bereia, piauí e UOL.

COMO VERIFICAMOS?

A reportagem comparou percentuais citados no tuíte com o indicado na pesquisa do Ibope e os resultados do 1º turno do site do TSE. Também verificamos as informações da pesquisa no site do Tribunal para atestar a veracidade do levantamento.

O Ibope foi questionado sobre a discrepância entre o resultado da pesquisa e o percentual observado nas votação em si. O Comprova também consultou Marcelo Tokarski, sócio-diretor do FSB Pesquisas, e Paulo Peres, professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Os dois especialistas explicaram a dinâmica de pesquisas eleitorais e os fatores específicos do cenário de Porto Alegre que podem justificar porque a pesquisa divulgada na véspera das eleições não refletiu com precisão a escolha dos eleitores.

A reportagem buscou outros exemplos de diferença entre pesquisas de intenção de votos e os resultados reais para determinar se o fenômeno pode ser considerado incomum ou indicativo de fraude.

Por fim, também fizemos contato com o autor da postagem.

VERIFICAÇÃO

Credibilidade da pesquisa

Roberto Jefferson usou seu perfil no Twitter em 17 de novembro, dois dias após a votação em primeiro turno, escrevendo que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”. Porém, não há provas de que a pesquisa a qual ele se refere seja falsa. O ex-deputado menciona Ibope e DataFolha, no entanto, somente o primeiro fez estudos sobre intenção de votos na capital gaúcha.

Em resposta ao Comprova, o Datafolha destacou que “não fez pesquisas eleitorais em Porto Alegre este ano.”

Já o Ibope retornou ao nosso contato por e-mail justificando a diferença entre a previsão e o resultado final com o argumento de que “eleições municipais, especificamente, são bastante dinâmicas, pois lidam com assuntos que impactam diretamente o eleitor e ele deixa para decidir seu voto na última hora”.

O instituto também alegou que trabalha dentro de trâmites legais para garantir idoneidade. Em posicionamento enviado ao Comprova, afirmou que “a empresa tem suas normas certificadas e cumpre rigorosamente os códigos de autorregulação e ética da Esomar (associação mundial de profissionais de pesquisa)”.

Em consulta ao registro de pesquisas eleitorais no site do TSE, pode-se acessar os dados da análise sobre intenção de votos em Porto Alegre — registrada sob o código RS-02998/2020 — e conferir o questionário aplicado, metodologia e outros detalhes.

TSE informou que não divulga os resultados das pesquisas em seu portal, apenas informações metodológicas.

Os números

As porcentagens apontadas no tuíte de Roberto Jefferson são verdadeiras, tanto as que fazem referência à pesquisa quanto à apuração que levou ao segundo turno.

“Pesquisas do Ibope e do DataFolha no sábado mostravam Manuela D’Ávila com 40% e Sebastião Melo com 25%. Aí sai o resultado e dá Melo com 31% e Manuela com 29%. Onde foram parar ”os votos descritos por Ibope e DataFolha um dia antes?”, escreveu o ex-deputado.

Ele não menciona, contudo, que as três pesquisas divulgadas pelo Ibope (em 5 e 29 de outubro, e em 14 de novembro, respectivamente) sempre apontaram Manuela D’Ávila e Sebastião Melo como principais concorrentes ao segundo turno. Esse cenário aparece tanto nas avaliações que consideram votos totais (usam o total de menções aos candidatos e também brancos, nulos e os indecisos) e votos válidos (corresponde à proporção de votos do candidato sobre o total de votos, excluídos os votos brancos, nulos e indecisos).

Projeção para a disputa pela Prefeitura de Porto Alegre (RS)
Projeção para a disputa pela Prefeitura de Porto Alegre (RS). (Reprodução | Projeto Comprova)

Jefferson lançou dúvida sobre a pesquisa com as intenções de votos válidos. Nesse ponto, Paulo Peres, professor de Ciência Política da UFRGS faz uma observação: “A outra pesquisa, com todas as informações (a referente aos votos totais), dava Manuela com 35%. Não ficou muito fora da margem de erro, portanto.”

O Ibope considera como margem de erro três pontos percentuais para mais ou para menos sobre os resultados encontrados no total da amostra. Neste caso, realmente houve discrepância de dois pontos percentuais em relação ao resultado do pleito para Manuela D’Ávila e de seis pontos percentuais para Sebastião Melo.

O instituto alega que a diferença pode ter ocorrido porque pesquisas mostram “a movimentação das intenções de voto e, não raro, os candidatos podem subir ou descer na reta final da eleição. Para fazer uma comparação direta com os resultados das urnas seria necessário uma pesquisa de boca de urna, que não foi realizada na cidade.”

Paulo Peres indica razões que podem ter levado à disparidade: “Tais falhas podem envolver problemas operacionais e conjunturais, sem ter nenhuma relação com manipulações ou desonestidade por parte dos institutos de pesquisa. Uma coisa é dizer que houve erros nas projeções, outra coisa é supor que tais erros tenham sido intencionais para favorecer candidaturas, e outra, ainda, é supor que esses erros, sejam intencionais ou não, causaram, de maneira isolada, a eleição de alguém.”

O sócio-diretor da FSB Pesquisas, Marcelo Tokarski, concorda. Ele considera que, quando os resultados ultrapassam a margem de erro, “houve uma discrepância”. Mas acrescenta: “não necessariamente porque houve uma discrepância, significa que houve erro na pesquisa. Ainda mais hoje, com as redes sociais. A população muda muito rapidamente de opinião, e uma eleição municipal mobiliza menos que uma nacional”.

A disparidade entre projeção de uma pesquisa e o resultado das urnas já ocorreu, inclusive, nos Estados Unidos. Em 2016, a democrata Hillary Clinton era apontada como favorita em praticamente todos os levantamentos de intenção de voto e nas projeções feitas por institutos e pela imprensa. Porém, quem venceu a corrida para assumir a Casa Branca foi o republicano Donald Trump.

Em Vila Velha (ES), neste ano, porcentagem apontada por pesquisa também não bateu com a quantidade de votos no pleito. O primeiro colocado na eleição foi Arnaldinho Borgo (Podemos), com 36%, seguido de Max Filho (PSDB) com 22,9%. No estudo de intenção de votos Borgo aparecia na terceira colocação, com 20%, e Max liderava com 30% — empatado com Neucimar Fraga (PSD).

Possíveis justificativas

Neste caso da capital gaúcha, dois fatores são apontados como preponderantes para que os números da pesquisa pré-eleição sejam diferentes dos confirmados pela urna: a desistência do candidato do PTB (mesmo partido de Roberto Jefferson) à prefeitura e o alto índice de abstenção.

O petebista José Fortunati, que já foi prefeito de Porto Alegre, fez sua renúncia oficial em 11 de novembro, a quarta-feira que antecedeu o domingo de eleições. Após sair da disputa pela prefeitura, ele anunciou apoio a Sebastião Melo.

“Certamente, a saída de Fortunati da competição, em especial, às vésperas da eleição, provocou um rearranjo no quadro eleitoral. Melo foi favorecido, como mostraram os resultados do primeiro turno. Em primeiro lugar, Melo se descolou do bloco de centro-direita, que estava embolado na corrida pela segunda vaga ao segundo turno”, avalia o professor Paulo Peres.

Tokarski observa que Sebastião Melo já vinha ganhando espaço nas últimas pesquisas e que a escalada do candidato do MDB “não é surpreendente”. Ele acrescenta que, caso houvesse tempo para outra pesquisa antes do pleito, a tendência é que a migração de votos fosse melhor assimilada e que os percentuais ficassem mais próximos aos das urnas.

Em sua resposta, o Ibope lembra que Fortunati deixou a disputa um dia antes do início da última pesquisa e que “seu eleitorado teve pouco tempo para rever sua intenção de voto”. O instituto enfatiza também que “27% dos entrevistados afirmavam que ainda podiam mudar de voto”.

Marcelo Tokarski recorda ainda que é comum que os votos sejam decididos tardiamente, sem que as pesquisas possam mensurar as escolhas de último momento. Em 2018, 20% dos eleitores decidiram o voto para deputado estadual e federal nas últimas 24 horas. “A pesquisa é a fotografia de um momento. Para fazer um filme você tem que fazer várias”, observa o pesquisador. “Só pesquisas diárias poderiam refletir com mais precisão a opinião do eleitorado”.

Porto Alegre também apresentou outro fator atípico no 1º turno: mais de 1/3 dos eleitores de Porto Alegre não compareceram às urnas no domingo (15). É a maior taxa de abstenção entre as cidades com mais de 200 mil votantes. Segundo reportagem de GZH, a pandemia e a descrença na política seriam as razões para que mais de 358 mil eleitores não fossem às urnas (33% da população votante).

Os dois especialistas consultados pelo Comprova acreditam que o alto índice de abstenções pode ter influenciado o resultado. O Ibope afirmou que “não é possível compreender o impacto do perfil do eleitor que deixou de comparecer às urnas, em função da pandemia, nos índices dos candidatos”.

“Você tem algum indicativo de informações sobre renda pelas zonas eleitorais. Mas não há como saber as abstenções por sexo ou etnia”, pontua o sócio-diretor do FSB. “Se mais mulheres deixaram de votar, podemos imaginar, por exemplo, que uma candidata mulher seria mais prejudicada”.

Tokarski observa ainda que é difícil prever o nível de abstenção no Brasil: “Nos Estados Unidos, os institutos trabalham com o que chamam de likely voter. Aqui no Brasil, o voto é obrigatório, embora tenha abstenção média de 16%”.

Peres ressalta que, apesar da diferença dos percentuais além da margem de erro, a pesquisa do Ibope projetou corretamente o cenário do segundo turno: “O que sempre esteve claro, desde o início da campanha, era que Manuela teria uma vaga. Inclusive, as pesquisas mostraram isso em todas as suas ondas de coleta de dados. As pesquisas também mostraram, corretamente, que havia uma disputa acirrada pelo segundo lugar, até a saída de Fortunati. Manuela recebeu uma proporção de votos menor do que o previsto, e Melo ficou à sua frente. No caso de Manuela, sua votação ficou próxima à margem de erro da última pesquisa do Ibope. No caso de Melo, a diferença foi maior. Mas, esse pequeno erro não alterou a projeção principal, ou seja, Manuela e Melo foram ao segundo turno“.

Roberto Jefferson

O advogado Roberto Jefferson é o atual presidente do PTB, sigla da qual faz parte desde o começo dos anos 1980 (antes, integrou PMDB e PP). Exerceu seis mandatos como deputado federal pelo Rio de Janeiro. Só deixou a vaga na Câmara, ocupada desde 1983, em 2005, quando foi cassado no episódio do Mensalão, no qual foi delator.

Ao tuitar sobre a verificação – antes de responder diretamente à equipe —, Jefferson disse que o Comprova não atestou a veracidade da pesquisa e sugeriu que a margem de erro foi desconsiderada. As declarações são anteriores à publicação desta reportagem.

O presidente do PTB só retornou ao contato do Comprova no fim da tarde de 20 de novembro, por meio de assessoria de imprensa, sem responder à maioria das perguntas da reportagem.

Em maio, Roberto Jefferson foi alvo de mandados de busca e apreensão referentes a inquérito de fake news conduzido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Roberto Jefferson também é pai da deputada federal Cristiane Brasil (PTB), que figurou em checagem recente do Comprova que relaciona, sem provas, suposto vazamento de dados administrativos do Tribunal Superior Eleitoral que poderiam transformar as justificativas dos eleitores ausentes de seus domicílios eleitorais em votos válidos. O conteúdo foi classificado como falso.

POR QUE INVESTIGAMOS?

O Projeto Comprova está em sua terceira fase, em que verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às eleições municipais, às políticas públicas do governo federal e à pandemia.

Ao comparar uma pesquisa devidamente registrada e dentro dos procedimentos legais com o resultado da votação e sugerir que “algo tem que ser feito contra pesquisas fake”, Roberto Jefferson estimula desconfiança na democracia brasileira.

Ao levantar dúvidas sem apresentar provas, ele dá seguimento à agenda do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de duvidar do resultado das urnas.

Até 20 de novembro, o tuíte com conteúdo verificado aqui tinha mais de 2,7 interações (entre curtidas, comentários e republicações). Posteriormente, a postagem foi deletada.

O Comprova já averiguou outros conteúdos que colocam em xeque o processo eleitoral, como o que atestou que o ataque de hackers no sistema do TSE não viola a segurança da eleição (produzido em parceria com a agência Aos Fatos), o que mostra que a apuração é aberta a qualquer cidadão, o que mostra ser falso que votos recebidos por candidata a vereadora no Tocantins tenham reduzido durante apuração e o indicando que a Votação estável ao longo da apuração não configura fraude em São Paulo.

Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos; que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano; ou que é retirado de seu contexto original e usado em outro, de modo que seu significado sofra alterações.

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