O dono da rede de lojas Havan, Luciano Hang, disse nesta quarta-feira (20) em uma rede social que a inclusão de gêneros alimentícios como arroz, feijão, macarrão e salsicha enlatada no portfólio de produtos comercializados em suas lojas está "dentro da lei".
Conforme a Folha de S.Paulo mostrou, a rede de lojas, conhecida por vender itens de utilidade para o lar, passou a incluir alimentos básicos em suas prateleiras e briga na Justiça para ser considerada atividade essencial durante a pandemia do novo coronavírus -que resultou no fechamento do comércio não essencial.
A afirmação de Hang foi resposta a uma postagem do youtuber Felipe Neto no Twitter. "É isso mesmo que você está lendo. O desgraçado [Hang] decidiu tentar driblar a quarentena colocando arroz e feijão nas lojas", escreveu o influenciador.
"Driblar? Rapaz sou ruim que só no futebol! kkk Não estou dibrando nada, tudo que estou fazendo está dentro da lei", disse Hang.
A Folha de S.Paulo enviou na segunda (18) questionamentos à Havan sobre o assunto, mas a empresa informou que o seu departamento jurídico não iria se manifestar.
A revelação de que a rede de lojas do empresário, aliado do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), passou a comercializar alimentos levou o assunto aos trending topics do Twitter nesta quarta-feira.
A nova linha de produtos é adotada no momento em que o Bolsonaro conclama empresários a "jogar pesado" contra as medidas de restrição decretadas por prefeitos e governadores.
A estratégia da empresa para manter as operações inclui, além da colocação de alimentos nas gôndolas, ações judiciais e protestos de funcionários nas portas de prefeituras.
A reportagem apurou com funcionários da Havan que alimentos como arroz e feijão passaram a figurar nas prateleiras da loja há cerca de duas semanas, já em meio à pandemia e à determinação do fechamento de serviços não essenciais.
O estoque disponível nas lojas, contudo, é sempre baixo. Na unidade de Ribeirão Preto, ao lado do setor de produtos de acampamento, havia nas prateleiras, na segunda, 20 pacotes de feijão, 18 de arroz, 12 garrafas de óleo, 21 latas de milho verde, 17 latas de ervilha, 43 latas de sardinha, 12 embalagens de molho de tomate e cinco latas de salsicha.
O arroz era vendido a R$ 18,59 (pacote de cinco quilos), enquanto o quilo de feijão custava R$ 9,59. Havia, também, macarrão (parafuso e espaguete), e itens de limpeza e higiene, como detergente e papel higiênico. No período em que a reportagem esteve na loja, não foram procurados pelos consumidores que ali estavam.
Estes produtos também não estão disponíveis para venda no site da Havan. Os únicos alimentos vendidos na loja virtual são chocolates e cápsulas de café.
A venda de alimentos da cesta básica reforça um argumento que a Havan tem levado a diversos tribunais pelo país: o de que é um hipermercado e não uma loja de departamentos. E, por isso, deve ser considerado serviço essencial.
Ao todo, das 143 lojas da rede, apenas 16 estão fechadas. A maioria das lojas abertas está em Santa Catarina e Paraná, estados que flexibilizaram a abertura de determinados setores do comércio, mas com horário reduzido. As lojas fechadas estão em São Paulo, Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Pará e Acre.
Em pelo menos duas cidades do interior de São Paulo, Araçatuba e Lorena, a empresa conseguiu uma liminar na Justiça e reabriu as portas a despeito dos decretos que determinaram o fechamento do comércio.
Em suas decisões, os magistrados argumentaram que a loja da Havan poderia ser considerada um hipermercado e, portanto, seria um serviço essencial em meio à pandemia.
A rede alegou o mesmo em cidades como Rio Branco (AC) e Vitória da Conquista (BA), mas teve o pleito de reabertura rejeitados nas esferas judicial e administrativa.
Na cidade baiana, a direção da empresa ignorou o decreto municipal de fechamento do comércio e reabriu a loja na última quarta-feira (13).
De acordo com o secretário municipal de Administração e gestor do comitê de crise da pandemia, Kairan Rocha, a prefeitura já havia recusado um pedido administrativo da Havan para reabrir sua loja na cidade.
Equipes da prefeitura verificaram que a Havan não possui os itens característicos de um supermercado e, por isso, decidiu interditar a unidade.
Em Rio Branco, a unidade foi fechada no dia 1º de maio pela Vigilância Sanitária após denúncias de que operava normalmente.
A Havan foi à Justiça pedir a reabertura, mas o Tribunal de Justiça do Acre barrou, alegando que o funcionamento da loja tinha potencial para contribuir para acelerar o contágio comunitário da Covid-19.
Em Ribeirão Preto, a Havan está funcionando com horário reduzido e restrição de pessoas. Segundo um funcionário, a loja operava com limite de 40 consumidores, mas a reportagem contabilizou mais de 50. Ao sair, outras 20 aguardavam numa fila pela permissão para entrarem.
Segundo a prefeitura, consta no alvará de funcionamento da Havan a permissão para venda de gêneros alimentícios e de higiene pessoal, o que significa que o seu funcionamento está amparado por decreto federal, desde que obedeça a critérios como a disponibilização de álcool em gel e o uso de máscaras.
Em Parauapebas, no Pará, onde a loja tem funcionado em horário restrito e também incluiu itens da cesta básica em suas prateleiras, o Ministério Público Federal questionou operação da unidade alegando que esta atua na venda de produtos não essenciais.
A pressão pela reabertura de lojas da Havan tem sido acompanhada de protestos de funcionários. Mobilizações foram registradas, na última semana, em diferentes cidades do país, como Petrolina (PE), Vitória da Conquista (BA), Marília, Botucatu e Franca (SP).
Mesmo em cidades que distam milhares de quilômetros uma da outra, o padrão da manifestação é sempre o mesmo: os funcionários vestem as mesmas camisas, com a mesmas mensagens, e entoam até os mesmos gritos de guerra.
Em Franca, um grupo com cerca de 30 pessoas protestou na segunda diante da prefeitura, pedindo a reabertura do comércio.
A administração liberou o funcionamento de atividades nos sistemas delivery e drive thru, mas atos têm sido realizados pedindo a liberação total das atividades na cidade, que tem três mortes e 74 casos da Covid-19.
Uma das funcionárias que estavam no ato disse que protestos do tipo estão sendo feitos por empregados da Havan em todo o país, com apoio da empresa.
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