As eleições municipais de novembro podem dar um passo importante na direção daquilo que estudiosos de sistemas políticos consideram a chave para uma democracia mais saudável.
O pleito de 2018 já foi decisivo para que o eleitor assumisse papel importante na fiscalização das campanhas, denunciando irregularidades praticadas por candidatos à Presidência, ao Senado, aos governos de estado e à Câmara.
Naquele ano, a legislação sobre publicidade na internet ganhou corpo, com a determinação, pelo TSE, de que houvesse um padrão visual para identificação de anúncios, e redes como o Facebook passaram a destacar ferramentas de denúncia contra irregularidades em campanhas.
Em 2020, esse monitoramento, combinado às atividades da Justiça Eleitoral, pode dar novo caminho ao jogo eleitoral, especialmente por causa do número de candidatos e em razão da pandemia do coronavírus, que deve tirar palanques da rua e jogá-los com força no universo virtual.
O pleito que elegeu Jair Bolsonaro presidente teve em disputa 581 cargos (contando Senado, Câmara e Executivo). Agora esse contingente de cadeiras dá um salto para cerca de 60 mil, considerando prefeitos e vereadores em todo o país. Em 2016, registraram-se 496 mil candidaturas para esses cargos.
Para Ariel Kogan, diretor do Instituto Tecnologia e Equidade e que pesquisa como a tecnologia afeta a sociedade e a política do país, a eleição deste ano será marcada por crescente volume de informações e pela velocidade com que esses dados vão trafegar no mundo virtual.
A nova natureza da fiscalização pode ser fundamental para estabelecer o equilíbrio contra um ambiente tóxico que deve refletir a polarização do debate político. "Quanto mais responsabilidade você coloca na mão do eleitor, quanto mais ele se envolve na preservação de um ambiente saudável de campanhas, mais maturidade você conquista na democracia", diz Kogan.
As ferramentas que o eleitor terá para participar da fiscalização são basicamente as seguintes: existe um aplicativo no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Pardal, que permite, para eleitores cadastrados, denunciar o que consideram irregularidades em uma campanha. As redes sociais, sob pressão da própria Justiça, criaram ferramentas diversas para o eleitor monitorar o que recebe no computador ou telefone.
Em 2018, o Pardal contabilizou 48.671 denúncias de irregularidades feitas por eleitores. A expectativa é que esse número cresça substancialmente neste pleito, tendo em vista que será a terceira eleição com uso do aplicativo e com campanhas ainda mais dependentes das ferramentas virtuais por causa da pandemia da Covid-19.
Outra rede de informação que pode dar ao eleitor instrumentos para escolher um candidato é o Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, no site do TSE.
Segundo a advogada Denise Goulart Schlickmann, secretária-geral adjunta da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, o sistema traz informações atualizadas sobre quem está financiando a campanha de determinado candidato, "o que depois terá uma interferência direta na gestão daquele candidato caso ele ganhe", diz ela.
Já o Tribunal de Contas da União (TCU) criou um plataforma para ceder certidões de licitante inidôneo, contas julgadas irregulares para fins eleitorais e não eleitorais e inabilitados para função pública. Também será possível consultar a situação de pessoa jurídica na administração pública federal. A solicitação da certidão no WhatsApp é pelo número 61 3527-2000.
Há também um novo projeto do instituto para desenvolvimento de jornalismo (Projor) em parceria com o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), que mira os municípios em dificuldade fiscal.
Para o promotor eleitoral Rodrigo Lópes Zilio, autor de livros como "Crimes Eleitorais", uma resolução do TSE do ano passado deve reduzir o potencial de ação de juízes em relação ao chamado "poder de polícia".
Juízes eleitorais podem, sem que sejam acionados por terceiros ou pelo Ministério Público, determinar a retirada de propagandas que tragam alguma irregularidade na forma.
A resolução 23.610 determina que, a partir desta eleição, o juiz deixe de pautar suas decisões levando em consideração o conteúdo do que foi veiculado. Esse é mais um dado que empurra a responsabilidade de fiscalizar os pleitos para o cidadão comum.
Segundo a lei, o juiz "somente poderá determinar a imediata retirada de conteúdo na internet que, em sua forma ou meio de veiculação, esteja em desacordo com o disposto nesta resolução". Além disso, "caso a irregularidade constatada na internet se refira ao teor da propaganda, não será admitido o exercício do poder de polícia".
Um exemplo que pode levar um juiz a derrubar uma propaganda em rede social (e esta é uma prática que qualquer um pode denunciar ao Facebook e ao Instagram, bem como à Justiça Eleitoral): impulsionamento de conteúdo em propaganda política no período de campanha só pode ser feito por candidatos e partidos, nunca por pessoas físicas alheias à campanha.
Outro detalhe para ficar atento: a propaganda política na internet deve obrigatoriamente vir acompanhada de aviso de que se trata de campanha eleitoral.
Também existe a obrigação de informar o CPF ou CNPJ de quem está financiando ou promovendo aquele impulsionamento. Todo anúncio que não tenha esses dois dados deve ser retirado do ar, ou pela plataforma ou por recomendação da Justiça.
O poder de polícia dos juízes eleitorais, porém, não admite penalidades (multa por exemplo), o que pode ser insuficiente para pressionar uma campanha a se corrigir.
A mesma resolução de 2019 do TSE diz que, "no exercício do poder de polícia, é vedado ao magistrado aplicar sanções pecuniárias, instaurar de ofício a representação por propaganda irregular ou adotar medidas coercitivas tipicamente jurisdicionais". Cabe ao ofendido por conteúdo acionar a Justiça ou o Ministério Público sobre a irregularidade, para abertura de processo.
A remoção por conteúdos - e não pela forma de publicação ou impulsionamento fora do padrão - só pode ser feita na Justiça por meio de representação. Ou seja, que um candidato recorra à Justiça ou que o próprio Ministério Público abra um processo.
Às voltas com a tramitação de um projeto de lei sobre fake news, congressistas brasileiros também dão andamento a um monitoramento relacionado ao tema.
Eles já moveram pelo menos 479 ações na Justiça pedindo remoção de conteúdo em veículos ou redes sociais. O número se concentra em 233 políticos, dos 594 eleitos para a Câmara dos Deputados e o Senado.
Entre os 513 deputados federais, 196 são autores de 354 ações judiciais para retirar conteúdos. São 293 os pedidos que alegam difamação e, em 87% deles, o réu é um blog, um veículo de comunicação ou uma rede social, como Facebook, Twitter e WhatsApp.
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