A escalada das mortes causadas pela Covid-19 aumentou a apreensão de moradores de áreas carentes das principais cidades do país e tem estimulado iniciativas independentes do poder público para obtenção de alimentos, de acordo com uma enquete com líderes comunitários de dez regiões.
O avanço do coronavírus também tem provocado insatisfação crescente com a resposta das autoridades responsáveis pelo enfrentamento da pandemia, conforme os relatos das lideranças, colhidos por pesquisadores da Universidade de São Paulo e do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
A enquete ouviu 79 lideranças das regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Manaus e do Distrito Federal, além de três cidades do interior, Campinas (SP), Joinville (SC) e Maringá (PR). Os depoimentos foram colhidos entre os dias 25 de maio de 5 de junho.
A falta de comida e outros efeitos da crise econômica, como a falta de emprego e renda, são as principais preocupações da população desde o início de maio, quando os pesquisadores fizeram sua primeira enquete com os líderes comunitários, mas a rápida propagação do vírus trouxe novos problemas.
A velocidade do contágio da população, citada como uma preocupação por apenas 6% das lideranças no início de maio, agora foi mencionada por 30%. O aumento das mortes por Covid-19, que não havia sido apontado como um problema na primeira enquete, foi citado por 16% dos entrevistados desta vez.
"A percepção de que a doença está se espalhando sem controle e provocando mais mortes está aumentando a insatisfação da população com as respostas oferecidas pelas várias esferas de governo à pandemia", afirma a socióloga Priscila Vieira, pesquisadora do Cebrap e uma das responsáveis pela enquete.
Problemas para conseguir o auxílio emergencial pago pelo governo federal a trabalhadores informais e de baixa renda foram apontados por 29% dos líderes comunitários, percentual semelhante ao do início de maio, quando ainda havia filas nas agências da Caixa Econômica Federal para obter o dinheiro.
Os relatos sugerem que os principais problemas no início eram as dificuldades encontradas por muitas pessoas para se cadastrar e receber a ajuda. Nas últimas semanas, há preocupação crescente com os limites do programa, que impedem muitas pessoas que perderam renda de ter acesso ao benefício.
A insuficiência das cestas básicas distribuídas por prefeituras e governos estaduais continua sendo uma das maiores preocupações da população, segundo 38% das lideranças. Isso tem levado a iniciativas das próprias comunidades para buscar parcerias na sociedade para conseguir alimentos e distribuí-los.
Associações de bairro e outras organizações locais foram apontadas como parceiras por 66% dos entrevistados. Igrejas e associações religiosas foram citadas por 15%. Somente 8% das lideranças mencionaram o envolvimento de empresas com as iniciativas implementadas nas áreas em que atuam.
Moradores que colaboraram como voluntários para a distribuição de alimentos e outras atividades foram citados por 41% dos participantes da enquete. "Muitas pessoas que não participavam das organizações que atuam nessas comunidades se mostrou disposta a ajudar na pandemia", afirma Vieira.
Além de distribuir comida e produtos essenciais para evitar infecções pelo coronavírus, como material para limpeza e higiene pessoal, essas iniciativas também têm sido importantes para disseminar informações sobre a doença e recomendações dos médicos para preveni-la, segundo os pesquisadores.
Os líderes comunitários citaram a produção de panfletos com orientações, mensagens difundidas por carros com alto falantes e vídeos e áudios transmitidos por telefone celular. "O alcance dessas ações é limitado, mas elas preenchem lacunas deixadas pelas ações governamentais", diz Vieira.
Os entrevistados também mencionaram parcerias com psicólogos e centros de atendimento psicológico para oferecer atendimento à população, inclusive a distância. Segundo a enquete, medo, ansiedade, depressão e outros problemas psicológicos foram apontados como preocupação por 18% das lideranças.
O grupo responsável pela enquete faz parte da Rede de Pesquisa Solidária, iniciativa que reúne dezenas de pesquisadores de instituições públicas e privadas. A rede tem produzido boletins semanais com os resultados de seus estudos, que estão disponíveis no site da iniciativa.
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