Levantamento do Laboratório Forense Digital do Atlantic Council em parceria com o Facebook aponta ligação direta de Tércio Arnaud Tomaz, assessor especial do presidente Jair Bolsonaro, com um esquema de contas falsas nas redes sociais banidas pelo Facebook nesta quarta-feira (8).
Ele é apontado como responsável por parte dos ataques a opositores de Bolsonaro, como ao ex-ministro Sergio Moro na sua saída do governo e a integrantes de outros Poderes, e por difundir desinformação em temas como a Covid-19.
Além de Tércio, cinco ex e atuais assessores de legisladores bolsonaristas, entre eles um funcionário do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), foram identificados como conectados à operação de desinformação no Facebook e no Instagram.
O levantamento teve acesso aos nomes e identidades das pessoas que registraram as contas falsas. Muitos dos posts eram realizados no horário de expediente.
Segundo o relatório, eles usavam contas duplicadas e falsas para escapar de punições, criavam personagens fictícios fingindo ser repórteres, e administravam páginas simulando ser veículos de mídia.
Também usavam perfis falsos que postavam em grupos não relacionados a política, como se fossem pessoas comuns criticando opositores de Bolsonaro e promovendo o presidente, de acordo com a empresa.
Mais recentemente, as contas atacaram o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso e estavam disseminando a visão de que a epidemia de Covid-19 não era uma ameaça séria.
"Os dados mostram uma rede conectada a Bolsonaro e aliados dele, usando funcionários do governo e de deputados, dedicada a manipular informação e criar narrativas, com ataques a opositores", diz Luiza
Bandeira, pesquisadora do Digital Forensic Research Lab do Atlantic Council e uma das autoras do levantamento.
Tércio trabalhou no gabinete do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) e hoje ocupa o cargo de assessor especial da Presidência da República. É apontado como líder do chamado "gabinete do ódio", estrutura do Palácio do Planalto que seria usada para mensagens de difamação.
A existência do gabinete foi revelada pela Folha de S. Paulo no dia 19 de setembro do ano passado. O jornal mostrou que o bunker ideológico está instalado numa sala no terceiro andar do Palácio do Planalto, a poucos passos do gabinete presidencial.
A conta no Instagram @bolsonaronewsss, que é anônima, foi registrada por Tércio, segundo os pesquisadores, que tiveram acesso aos dados do Facebook na parceria com a plataforma.
Ela tinha 492 mil seguidores e mais de 11 mil posts antes de ser derrubada. Uma página no Facebook chamada Bolsonaro News compartilhava o mesmo conteúdo.
Segundo o levantamento, Tércio e outros usavam suas contas nas redes sociais para atacar rivais, moldar a narrativa e emplacar uma versão que favorecesse Bolsonaro, sem identificar sua ligação com o governo ou deputados.
Por exemplo, um dia após a saída de Moro do governo, a conta Bolsonaronewsss postou um meme mostrando o ex-ministro apunhalando Bolsonaro pelas costas, com a legenda "o traidor silencioso", e ligando o ex-juiz ao STF e à Rede Globo.
Em uma postagem do dia em que o ministro do STF Luiz Fux delimitou, por meio de liminar, a interpretação da Constituição sobre a atuação das Forças Armadas, fixando que elas não são um poder
moderador, a conta Bolsonaronewsss publicou imagem de Bolsonaro com a frase: "Uma nação que confia em seus direitos (STF), em vez de confiar em seus soldados, engana-se a si mesma e prepara sua própria queda".
"O envolvimento dos assessores na operação pode indicar um potencial uso de recursos públicos, já que muitos dos posts eram publicados durante o horário de expediente", diz o relatório.
Outro que é apontado pelo levantamento como "um dos principais operadores" da rede de desinformação é um assessor do deputado Eduardo Bolsonaro, Paulo Eduardo Lopes, conhecido como Paulo Chuchu. Ele é o líder do Aliança do Brasil em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, secretário parlamentar de Eduardo e recebe salário de R$ 7.800.
Paulo Chuchu registrou um site chamado Brazilian Post, que teve suas páginas no Facebook e Instagram removidas. Os sites promoviam a Aliança pelo Brasil, partido que Bolsonaro tenta criar, e atacavam rivais dos bolsonaristas e a mídia.
Luiza Bandeira afirma que, em outros países onde o Atlantic Council faz pesquisas, não é comum ter integrantes do governo ou assessores de legisladores diretamente envolvidos em redes de desinformação.
Leonardo Rodrigues de Barros Neto, conhecido como Leonardo Bolsoneas, criou as páginas "Bolsoneas" no Facebook e Instagram, também banidas pela plataforma.
Até abril de 2020, ele era assessor da deputada estadual Alana Passos, do PSL do Rio. Vanessa Navarro, namorada de Leonardo, trabalha no gabinete do deputado Anderson Moraes na Assembleia Legislativa do Rio.
Bolsonaro já enviou vídeos para o site Bolsoneas elogiando Leonardo e cumprimentou Vanessa pelo aniversário dela. A página no Twitter do Bolsoneas também é investigada no inquérito do STF sobre fake news.
Segundo o levantamento, Leonardo Bolsoneas e Vanessa Navarro estavam ligados a pelo menos 13 contas que usavam variações de seus nomes. Elas eram usadas para postar conteúdo pró-Bolsonaro em grupos.
Outro operador do esquema, segundo o levantamento, era ligado ao deputado estadual Coronel Nishikawa (PSL-SP). Um de seus funcionários, Johnathan William Benetti, usaria contas falsas para disseminar conteúdo a favor de Bolsonaro e Nishikawa.
Procurado, o Planalto ainda não se pronunciou.
A deputada Alana Passos afirmou que não foi notificada pelo Facebook sobre qualquer irregularidade ou violação de regras nas suas contas. "Quanto a perfis de pessoas que trabalharam no meu gabinete, não posso responder pelo conteúdo publicado. Nenhum funcionário teve a rede bloqueada por qualquer suposta irregularidade."
O PSL negou vínculo com contas de derrubadas.
"A respeito da informação que trata da suspensão de contas do Facebook de alguns políticos no Brasil, não é verdadeira a informação de que sejam contas relacionadas a assessores do PSL, e sim de assessores parlamentares dos respectivos gabinetes, sob responsabilidade direta de cada parlamentar, não havendo qualquer relação com o partido."
"O partido esclarece que os políticos citados, na prática, já se afastaram do PSL há alguns meses com a intenção de criar um outro partido, inclusive, tendo muitos deles sido suspensos por infidelidade partidária. Ainda, tem sido o próprio PSL um dos principais alvos de fake news proferidos por este grupo".
O proprietário do perfil Bolsoenéas, Leonardo Rodrigues, afirmou que não descumpriu nenhuma regra do Facebook e que sempre deixou claro que seu perfil tratava de um personagem. Ele também negou controlar contas falsas.
"Eu não tenho nenhum vínculo com a família Bolsonaro. Inclusive, estou desempregado. O dinheiro que tem é de trabalho anterior. O vi duas vezes em eventos públicos. Flávio outras duas vezes e só vi o Carlos de longe. O Carlos nunca respondeu nem um inbox meu", afirmou Leonardo que diz não ter feito ataques ou publicado notícias falsas em suas redes.
O deputado Coronel Nishikawa afirmou que foi pego de surpresa sobre a ação do Facebook. Ele disse ainda que questionado o seu funcionário negou ter tido contas apagadas ou suspensas.
"Pauto meu mandato com lisura e honestidade, jamais compactuaria com tais práticas de disseminação de ódio ou fake news, até porque fui vítima dessas práticas e sei o quanto isso é danoso. Fico à disposição para qualquer esclarecimento adicional e continuo servindo a população do meu estado de São Paulo referente ao mandato de Deputado Estadual que me foi confiado."
Carlos e Tercio não retornaram às tentativas de contato por email e telefone.
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