A personal trainer Nathália Queiroz continuou repassando a maior parte de seu salário ao pai, Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), mesmo quando empregada no antigo gabinete do presidente Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados.
Dados da quebra de sigilo bancário de Nathália autorizada pela Justiça mostram que ela transferiu R$ 150.539,41 para a conta do policial militar aposentado de janeiro de 2017 a setembro de 2018, período em que esteve lotada no gabinete de Bolsonaro. O valor representa 77% do que a personal trainer recebeu da Câmara dos Deputados.
A dinâmica dos repasses é a mesma descrita pelo Ministério Público do Rio de Janeiro em relação à suposta "rachadinha" no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa fluminense.
Promotores identificaram que Nathalia repassou ao menos 82% de seus vencimentos para o pai no período em que esteve lotada na Assembleia do Rio, de dezembro de 2007 a dezembro de 2016. As transferências ou depósitos ocorriam sempre em até uma semana após o recebimento do salário.
Dinâmica semelhante se deu na Câmara dos Deputados. Segundo a reportagem apurou, quase a totalidade dos repasses ocorreu entre os dias 21 e 24 de cada mês, data em que os servidores costumam receber seus salários.
A defesa de Queiroz afirmou, em nota, que os repasses seguiam a lógica de "centralização das despesas familiares na figura do pai". Também procurada pela reportagem, a Presidência da República afirmou que não comentaria o caso.
Amigo do presidente há mais de 30 anos, Queiroz é apontado pelo MP-RJ como o operador financeiro do esquema da "rachadinha", prática que consiste na devolução de salário de assessores ao parlamentar. Os crimes possivelmente cometidos por Flávio e Queiroz são peculato, lavagem de dinheiro, ocultação de patrimônio e organização criminosa.
De acordo com a Promotoria, o esquema contava com o uso de funcionários fantasmas, que repassavam seus vencimentos ao PM aposentado. Os recursos eram usados, segundo as investigações, para pagar despesas pessoais do senador.
Como revelou o jornal Folha de S.Paulo em dezembro de 2018, Nathalia atuou como personal trainer no mesmo período em que trabalhou para Bolsonaro, de dezembro de 2016 a outubro de 2018.
Residente no Rio de Janeiro, as redes sociais dela giravam em torno de sua atuação como professora de educação física nas academias cariocas e na praia. Havia registros, inclusive, de aulas com famosos, como com os atores Bruno Gagliasso, Bruna Marquezine e Giovanna Lancellotti.
De acordo com o MP-RJ, os repasses de Nathália representaram 30% dos R$ 2 milhões arrecadados de 2007 a 2018 na suposta "rachadinha" com origem identificada. Incluindo os valores da Câmara, o peso dos repasses da personal trainer entre as transferências com origem identificada sobe para mais de um terço (35,4%).
Os investigadores, porém, só analisaram as transferências da filha de Queiroz feitas no período em que ela esteve nomeada no gabinete de Flávio -o presidente não pode ser investigado pela Promotoria fluminense.
A análise dos repasses feitos quando ela esteve no gabinete do presidente é possível porque a quebra de sigilo abrangeu todos os investigados de janeiro de 2007 a dezembro de 2018.
No ano passado, o jornal O Globo já havia revelado que relatório do Coaf (órgão federal de inteligência financeira) mostrava quatro transferências de Nathália para o pai de junho a novembro de 2018. Os dados do documento, contudo, não permitiam a vinculação de datas entre os repasses e o salário pago na Câmara, além de se referir apenas a parte do período dela lotada no gabinete do presidente.
Além de Nathalia, são suspeitas de participação no esquema a mulher de Queiroz, Márcia Aguiar, e outra filha, Evelyn. Somada, a família do ex-assessor de Flávio representa 58% da movimentação com origem conhecida e considerada criminosa pelo MP-RJ.
Há a suspeita de que o valor movimentado no esquema seja maior do que os R$ 2 milhões com origem identificada. Investigadores consideram a possibilidade de que outros ex-assessores faziam seus repasses em espécie para Queiroz, sem depósito em conta, inviabilizando sua identificação como parte do esquema. A hipótese decorre do fato de alguns assessores terem sacado a maior parte de seus salários.
O PM aposentado também sacou outros R$ 900 mil no período de 12 anos. Os promotores afirmam que parte desse valor também pode se referir a depósitos de assessores cuja identificação não foi possível.
Todo o dinheiro vivo do esquema, segundo o MP-RJ, pode ter sido usado para pagar despesas pessoais de Flávio Bolsonaro. O senador quitou boletos escolares e de plano de saúde com recursos em espécie ao longo de cinco anos. Os investigadores conseguiram identificar que Queiroz foi o responsável pelo pagamento em ao menos uma oportunidade, em outubro de 2018.
Em entrevista ao jornal O Globo, o senador reconheceu que seu ex-assessor pagava em algumas ocasiões suas contas pessoais, mas com seu dinheiro e de origem lícita. O MP-RJ, porém, não identificou saques compatíveis com o pagamentos dos boletos nas contas bancárias do filho do presidente.
Este não é o primeiro episódio em que Bolsonaro é vinculado ao esquema da suposta "rachadinha" do filho na Assembleia.
A primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu 27 cheques de Queiroz e sua mulher, Márcia, que somam R$ 89 mil. Os repasses ocorreram em dois períodos: o primeiro de janeiro de 2011 a abril de 2013, e o segundo em 2016.
O valor supera os R$ 24 mil identificados no relatório do Coaf, pivô da investigação contra Flávio, bem como os R$ 40 mil descritos pelo presidente após a revelação do caso.
Queiroz foi preso em junho em Atibaia (interior de São Paulo), em um imóvel do advogado Frederick Wassef, então responsável pelas defesas de Flávio e do presidente.
Em 10 de julho, Queiroz deixou o Complexo Penitenciário de Gericinó, no Rio, para cumprir prisão domiciliar. O presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), João Otávio de Noronha, concedeu o benefício a pedido da defesa.
O advogado Paulo Catta Preta afirmou que "os depósitos realizados por Nathalia em favor de Fabrício Queiroz cumpriam a regra de centralização das despesas familiares na figura do pai, não tendo, pois, nenhuma relação com suposta rachadinha".
A Secretaria de Comunicação do Palácio do Planalto afirmou que não comentaria o caso.
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