A AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para entregar à corte apenas o trecho da reunião em que o presidente Jair Bolsonaro teria ameaçado demitir o então ministro da Justiça, Sergio Moro, caso não trocasse o diretor-geral da Polícia Federal.
Os advogados do ex-juiz da Lava Jato, por sua vez, apresentaram petição ao Supremo em que pedem para o ministro Celso de Mello, relator do caso, manter a determinação de envio integral do registro do encontro.
No recurso, a AGU pede autorização para não encaminhar a íntegra da reunião, mas apenas a parte que tenha relação com as investigações do inquérito que apura as acusações de Moro contra Bolsonaro.
Celso de Mello deve tomar uma decisão sobre o caso nas próximas horas, uma vez que ele deixou a sessão desta quinta-feira (7) do STF mais cedo sob o argumento de que tinha um pedido da AGU para analisar.
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A mudança de estratégia representa um recuo do governo. Na última quarta-feira (6), o órgão que faz a defesa judicial do Executivo no Supremo havia solicitado que pudesse deixar de fornecer a gravação.
O argumento era de que o encontro pode ter tratado de "assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros". Agora, pretendem entregar apenas parte do registro da reunião.
Moro, porém, afirma que destacar trechos "que são ou não importantes para investigação é tarefa que não pode ficar a cargo exclusivo do investigado", uma vez que isso não garantiria a integridade do elemento de prova fornecido.
O fato de terem sido discutidos temas sensíveis não quer dizer que o conteúdo da reunião deva ficar sob sigilo, argumenta o ex-ministro. "Tal circunstância não é suficiente para que o registro do encontro possa ser colocado integralmente a salvo do exame judicial e policial a ser realizado nesta investigação, notadamente em razão de sua importância para o deslinde dos fatos objeto do presente apuratório", diz.
Moro citou o encontro no depoimento à Polícia Federal, no último sábado (2), como prova de que Bolsonaro queria interferir no trabalho da corporação.
O ex-juiz da Lava Jato disse aos investigadores que, na reunião, o presidente também teria manifestado o desejo de trocar o superintendente da PF no Rio de Janeiro, o que se concretizou após a saída de Maurício Valeixo da chefia da Polícia Federal.
O ex-ministro acusou, ainda, o presidente de cobrar o acesso a informações de investigações em curso e a relatórios de inteligência, o que não é permitido pela legislação.
Na última terça-feira (5), Celso de Mello deu 72 horas para o Palácio do Planalto entregar uma cópia dos "registros audiovisuais" da reunião ocorrida em 22 de abril.
O ministro mandou oficiar com urgência o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, o chefe da Secom (Secretaria especial de Comunicação), Fabio Wajngarten, e o chefe da Assessoria Especial do presidente, Célio Júnior.
"As autoridades destinatárias de tais ofícios deverão preservar a integridade do conteúdo de referida gravação ambiental (com sinais de áudio e de vídeo), em ordem a impedir que os elementos nela contidos possam ser alterados, modificados ou, até mesmo, suprimidos, eis que mencionada gravação constitui material probatório destinado a instruir, a pedido do Senhor Procurador-Geral da República, procedimento de natureza criminal", determinou o magistrado.
O receio de Bolsonaro em entregar o conteúdo na íntegra não é só pelo risco de reforçar as acusações feitas por Moro. O presidente também quer evitar que a gravação crie um novo constrangimento do Executivo com o Judiciário e o Legislativo.
Segundo relatos feitos à reportagem, no início do encontro, ministros presentes fizeram críticas tanto ao Supremo quanto ao Congresso. O comentário foi o de que o STF exagerou ao ter aberto, no dia 21, um inquérito para apurar a organização de protesto promovido em Brasília com bandeiras contra a democracia, do qual Bolsonaro participou.
A crítica principal, segundo assessores palacianos, foi feita pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Além disso, de acordo com relatos de presentes, foi feito também um comentário negativo sobre o Congresso, de que ele adota uma postura de enfrentamento contra o Executivo.
No encontro, Bolsonaro cobrou da sua equipe de ministros o acesso a relatórios de inteligência e disse que cabe a ele a palavra final em nomeações de seu próprio governo. A bronca foi relatada à reportagem em caráter reservado por quatro ministros.
A captura de imagens da reunião foi feita pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e armazenada na íntegra pela Secom. Segundo presentes na reunião, o presidente disse que é a prerrogativa dele fazer indicações em qualquer pasta ministerial. E acrescentou que o ministro que se opusesse a obedecê-lo poderia ser substituído.
Bolsonaro também cobrou acesso a relatórios de inteligência, mas ele não fez referência apenas à Polícia Federal. Ele solicitou dados também das Forças Armadas e da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). E ressaltou que, sem ter acesso a informações estratégicas, não tinha condições de gerir o país, sobretudo durante a pandemia do coronavírus.
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