Ao menos 19% das varas da Justiça estadual espalhadas pelo país -1.908 de 10.046- têm um único juiz, segundo levantamento do CNJ (Conselho Nacional da Justiça) divulgado nesta sexta-feira (3). O índice é de 21% das unidades da Justiça Federal -208 de 993.
A existência de apenas um juiz em uma localidade é o principal desafio para a implantação do juiz das garantias, figura criada pelo Congresso Nacional ao aprovar o pacote anticrime de iniciativa do ministro Sergio Moro (Justiça).
O juiz das garantias será responsável por acompanhar os inquéritos, analisando pedidos de quebra de sigilo e de prisão provisória, por exemplo, até o recebimento da denúncia. Esse juiz não poderá atuar na fase posterior, da ação penal. Assim, caberá a um juiz supervisionar a investigação (o juiz das garantias) e a outro julgar o acusado (o juiz do julgamento).
O levantamento do CNJ considera como varas com mais de um juiz aquelas que tiveram ao menos dois magistrados atuando nelas ao longo de 2018.
Se uma vara teve um juiz atuando sozinho no primeiro semestre e outro juiz atuando sozinho no segundo semestre, o levantamento contou essa vara como tendo dois juízes, embora eles não tenham trabalhado concomitantemente.
A inclusão do juiz das garantias no projeto aprovado no Congresso contrariou Moro, que apontou obstáculos para sua implementação. De acordo com Moro, 40% das comarcas têm um único juiz -número que difere do levantamento do CNJ.
Segundo os dados do conselho relativos à Justiça estadual, 59% das comarcas (1.563 de um total de 2.702) têm uma única vara, mas cada vara pode ter mais de um juiz -um titular e um substituto, por exemplo. Nesses casos, os juízes poderiam se revezar -um cuidaria da fase de investigação e outro da fase da ação penal.
"Esse dado é importante porque é bem menor do que estava sendo divulgado", disse nesta sexta o ministro Dias Toffoli, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) e do CNJ.
Toffoli abriu a primeira reunião do grupo de trabalho criado no conselho para regulamentar a implantação das mudanças previstas no pacote anticrime.
O grupo de trabalho, coordenado pelo corregedor nacional da Justiça, ministro Humberto Martins, tem até o dia 15 deste mês para apresentar uma proposta de regulamentação da nova lei. Pelo texto aprovado no Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro, o juiz das garantias deve entrar em vigor no próximo dia 23.
Martins sinalizou que considera o prazo exíguo, mas disse que caberá a Toffoli, como presidente do Supremo, decidir sobre uma eventual prorrogação.
Entidades da magistratura e partidos políticos ajuizaram ações no STF para questionar a constitucionalidade do juiz das garantias. Como há pedidos de liminar (decisão provisória) para suspender a entrada da lei em vigor, Toffoli deverá analisá-los. O presidente está de plantão durante o recesso do Judiciário.
Na reunião desta sexta no CNJ, Toffoli disse que o juiz das garantias não trará novos custos nem aumentará o trabalho do Judiciário. "É uma questão de organização interna da Justiça. É para dar uma maior imparcialidade ao Poder Judiciário, como existe em outros países", afirmou.
O levantamento do CNJ também apontou que sete capitais já têm departamentos de inquéritos, a exemplo do Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais) em São Paulo, onde juízes são responsáveis por acompanhar os processos em fase de investigação.
"Há 40 anos existe o Dipo em São Paulo. Você vai dizer que é inconstitucional isso?", disse Toffoli. Martins concordou. "Essas centrais de inquérito não deixam de ser centrais de juízes de garantias", afirmou.
Além de São Paulo, os outros estados listados pelo CNJ com departamentos de inquéritos nas capitais são Amazonas, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará e Piauí.
O presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), Fernando Mendes, refuta a comparação entre o Dipo de São Paulo e a nova figura do juiz das garantias.
Os juízes do Dipo, observa Mendes, são encarregados de acompanhar as investigações, assim como os juízes das garantias, mas, diferentemente deles, não são impedidos por lei de atuar nas ações penais nem são encarregados de analisar o recebimento de denúncia (que gera a abertura do processo).
Além disso, ainda segundo Mendes, tramita há anos no Supremo uma ação que contesta a constitucionalidade do Dipo de São Paulo, na qual o Ministério Público apontou que são desrespeitados os princípios constitucionais do juiz natural e do acesso à Justiça --porque um suspeito precisa responder a um juiz de uma região diferente da dele.
"Não somos contra o juiz das garantias em si, mas a forma como está sendo feito", disse Mendes, criticando sobretudo o prazo exíguo para sua entrada em vigor.
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