O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou na semana passada a discussão sobre incluir o "abuso de poder religioso" como motivo para a cassação de políticos. Atualmente, o TSE entende que apenas o abuso de poder político e econômico podem resultar na perda do mandato. O debate, levantado pelo ministro Edson Fachin, ainda está em fase inicial, mas já provocou forte reação nas redes sociais e mobilizou aliados do presidente Jair Bolsonaro, que veem uma "caça às bruxas" contra o conservadorismo. O TSE já está na mira do Palácio do Planalto por causa de oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro à Presidência em 2018.
"A imposição de limites às atividades eclesiásticas representa uma medida necessária à proteção da liberdade de voto e da própria legitimidade do processo eleitoral, dada a ascendência incorporada pelos expoentes das igrejas em setores específicos da comunidade", disse Fachin no julgamento de ação que pede a casação de uma vereadora de Luziânia (GO). Pastora da Assembleia de Deus, ela é acusada de usar a sua posição na igreja para promover sua candidatura, influenciando o voto de fiéis.
Relator do caso, Fachin votou contra a cassação da vereadora, por concluir que não foram reunidas provas suficientes no caso concreto para confirmar o "abuso de poder religioso". No entanto, fez uma série de observações em seu voto sobre a necessidade de Estado e religião serem mantidos separados para garantir a livre escolha dos eleitores. Ainda propôs a inclusão do abuso de poder de autoridade religiosa em ações que podem eventualmente levar à cassação de mandato de políticos, de vereadores a presidente da República.
No julgamento iniciado na quinta-feira passada, o ministro Alexandre de Moraes discordou do colega nesse ponto, já que a hipótese de "abuso de poder religioso" não está prevista expressamente em lei. "Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições", observou Moraes, que vai presidir o TSE nas eleições presidenciais de 2022. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho. O Estadão apurou que ele deve liberar o caso para a retomada do julgamento em agosto.
A reação ao entendimento de Fachin foi imediata nas redes sociais bolsonaristas, formada em boa parte por conservadores e evangélicos. "Fachin propôs ao TSE a hipótese de cassação de mandato por 'abuso de poder religioso'. Problema: a lei fala em abuso de poder econômico ou político. Um tribunal não pode, por ativismo, criar a nova hipótese. Mais uma brecha para perseguição ilegal de religiosos e conservadores?", escreveu a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), uma das mais próximas de Bolsonaro, no Twitter.
As críticas também vieram do procurador Ailton Benedito, uma das vozes mais conservadoras do Ministério Público Federal (MPF) e aliado do procurador-geral da República, Augusto Aras. "Fachin propõe que 'abuso de poder religioso' leve à perda de mandato. Porém, como ficariam os abusos de poder partidário, ideológico, filosófico, sindical, associativo, escolar, universitário... com o objetivo de influenciar eleitores?", questionou Benedito.
O advogado Luiz Eduardo Peccinin, especialista em direito eleitoral e autor do livro Discurso religioso na política brasileira: democracia e liberdade religiosa no Estado laico, avaliou que, se a posição de Fachin prevalecer, poderão ser enquadrados como irregular casos de candidatos que contam com apoio ostensivo de líderes religiosos. "A questão é complexa, porque por um lado não pode a lei exigir que um cidadão religioso forme suas convicções políticas separadamente de suas outras crenças pessoais, filosóficas, morais. Por outro, igrejas não podem doar recursos ou usar de sua estrutura e de seus meios de comunicação para beneficiarem candidatos", afirmou. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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