Quem faz o percurso entre os municípios de Itarana e Santa Teresa, na região Serrana do Estado, pode já ter se deparado com 37 cruzes fincadas em um mesmo ponto nas margens do quilômetro 46 da ES 261, no trecho conhecido como Serra do Limoeiro. Corroídas pelo tempo, algumas delas há décadas no local, elas simbolizam pessoas que morreram nas sinuosas curvas da rodovia.
Conhecida pelo alto índice de acidentes, a Serra do Limoeiro, localizada na zona rural itaranense, no Noroeste do Espírito Santo, é uma reclamação constante dos motoristas que trafegam pela região. Segundo as autoridades, a imprudência dos condutores é um dos fatores determinantes para as fatalidades registradas com frequência.
Renilton Scardua
Produtor rural
"É uma região de montanha… Tem que descer em marcha forte. Às vezes, vemos caminhões descerem aqui em terceira ou quarta marcha, com carga. O freio não suporta"
Morador de Itarana, o produtor rural Renilton Scardua guarda na memória muitos acidentes trágicos que aconteceram na Serra do Limoeiro. A primeira lembrança remete ao ano de 1986, quando a rodovia deixou de ser de "chão batido" e foi inaugurado o asfaltamento da estrada.
“Lembro do dia em que estávamos aguardando um carregamento de mourão (estacas grossas de madeira) para fazer uma cerca na propriedade. O rapaz tinha marcado de descarregar às 21h30, mas não apareceu. Esperamos até meia-noite e nada dele [...]. No outro dia, o rapaz que recolhia o leite na fazenda disse que tinha acontecido um acidente. Subimos para a serra (do Limoeiro) e era o caminhão que levaria a carga para a gente”, recordou o produtor rural, que na época tinha apenas oito anos.
“Serra criminosa”
Nascido e criado em Itarana, há mais de dez anos o radialista Luis Ramos faz o registro dos acidentes da região que ele denomina de “serra criminosa”. Após uma experiência no Hospital São Braz, ele, que também é pastor na cidade, teve a ideia de criar um canal de vídeos para mostrar aos representantes públicos e à população os riscos existentes no local.
Luis Ramos
Radialista e pastor
"Eu digo que é uma serra criminosa porque [...] se você perder o freio, não tem para onde jogar o veículo. De um lado é barranco; de outro, ribanceiras altíssimas"
Entre os acidentes registrados pelo radialista, está o de um ônibus da Viação Mutum Preto, que perdeu o controle quando descia a Serra do Limoeiro em dezembro de 2012. Ao todo, 41 ocupantes, incluindo o motorista, ficaram feridos.
O veículo havia saído de Cariacica com um grupo da terceira idade, com destino ao Festival de Concertina de Itaguaçu, como fazia todos os anos. À época, o jornal A Gazeta noticiou o fato.
“Os passageiros embarcaram no ônibus por volta das 7h, na pracinha do bairro Bela Aurora, em Cariacica. Às 9h30, o motorista perdeu o controle da direção quando descia pela Serra do Limoeiro. Para evitar um acidente pior, ele jogou o ônibus para uma estrada de terra, na lateral da rodovia, e colidiu com um barranco, onde há um cafezal. Há informações de que o sistema de freios teria falhado. A frente do ônibus ficou destruída”, registrou a reportagem.
Coordenador da Defesa Civil de Itarana, Charles do Nascimento é um dos responsáveis por monitorar, junto ao Departamento de Estradas de Rodagem (DER-ES), a situação na Serra do Limoeiro. À frente do órgão há cerca de dez anos, ele atuou no resgate de muitas vítimas, assim como acompanhou de perto várias tragédias.
Uma delas, o de um caminhão tanque carregado com mais de 22 mil litros de gasolina comum e 2,4 mil litros de óleo diesel, que perdeu o controle na proximidade da região conhecida como “Curva da Morte”, bateu em uma pedra e explodiu. O caso foi em maio de 2021.
“Na proximidade da ‘Curva da Morte’ tem uma área de escape. Ele [o motorista] não conseguiu entrar nessa área e o caminhão bateu em uma pedra e explodiu. O motorista saiu com queimaduras e foi levado por uma Saveiro para o Hospital de Itarana. Depois, o Notaer (helicóptero) veio buscá-lo e levou para um hospital de Vitória”, relembrou o coordenador da Defesa Civil do município.
Após o acidente, foi necessário instalar um Sistema de Comando de Operações (SCO) na região, visto que parte do combustível que era transportado pela carreta vazou e desceu pela mata que fica próxima a um córrego que deságua no Rio Santa Joana, que abastece Itarana e Itaguaçu. À época, o Corpo de Bombeiros Militar ajudou a monitorar uma possível contaminação da água e a captação precisou ser suspensa preventivamente.
Memorial de impacto
Em memória às vítimas da Serra do Limoeiro, 37 pequenas cruzes foram fincadas às margens do quilômetro 46 da ES 261. A iniciativa partiu de um morador de Itarana e sargento aposentado da Polícia Militar, que, impactado com o alto número de acidentes na região, resolveu, junto da Igreja Católica da cidade, realizar um ato ecumênico em homenagem aos que perderam a vida nas curvas da serra.
Dessa forma, em 2013, quase 500 pessoas saíram do Centro de Itarana e foram, em carreata, até o mirante da serra. Alguns populares terminaram o percurso a pé, carregando uma cruz de madeira. Lá, foram fincadas as 37 cruzes, além de um cruzeiro, onde eram realizadas missas.
Mais do que uma homenagem, as pequenas cruzes têm o objetivo de impactar os motoristas que trafegam pela Serra do Limoeiro. Ao lado delas, foi colocada uma placa de alerta para sinalizar que o trecho possui um alto índice de acidentes. Apesar disso, alguns condutores alegam que a sinalização não é suficiente.
Walison Vieira
Motoboy
"A gente já desce a serra prevenido, porque o risco aqui é muito grande. Acho que deveria ter alguma outra forma de sinalizar, porque a sinalização aqui é pouca"
Outros motoristas dizem que a maioria dos acidentes no local acontece pela imprudência dos condutores.
“Não falta sinalização, são as pessoas que realmente não prestam atenção. A maioria dos acidentes aqui acontece com caminhões pesados, porque as pessoas não usam o freio corretamente, querem descer com peso grande em cima [do caminhão]. O perigo não está na serra, mas sim na imprudência da pessoa”, alegou Jedson Oliveira, que é motorista de ônibus.
Previsão de reforma
Procurado por A Gazeta, o Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES), que administra o sistema rodoviário estadual, informou, em nota, que tem equipes de conservação que monitoram o trecho da ES 261. O órgão acrescentou, ainda, que tem um projeto de reabilitação do trecho, com previsão de início para o segundo semestre de 2024.
Por fim, o DER-ES reforçou a necessidade dos motoristas trafegarem sempre com prudência nas rodovias estaduais.
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