Não são raros os registros de golfinhos nadando próximos às praias do litoral do Espírito Santo: eles já deram o (m)ar da graça em Vila Velha, Marataízes e Piúma, por exemplo. Isso acontece porque esses animais vivem na costa capixaba e, com um pouco de sorte, podem ser avistados em qualquer época do ano.
Considerando todos os rios e oceanos, já foram registradas 92 espécies, das quais 47 também verificadas no Brasil e 15 no Estado. A presença delas depende de inúmeros fatores, desde antropológicos, como pesca e poluição química, até ecológicos, como oferta de alimentos e temperatura da água.
No entanto, o comportamento desses cetáceos tem papel fundamental para eles serem avistados: quanto mais costeiro, mais fácil de ser visto. É o caso do boto-cinza (Sotalia guianensis) e do golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) — que ficou famoso no filme Flipper (1963), refilmado na década de 1990.
Coordenador do Projeto Golfinhos do Brasil, o ambientalista Thiago Ferrari explica que a locomoção do nariz-de-garrafa está muito associada à alimentação e, por isso, esses golfinhos fazem pequenas migrações atrás de cardumes. Já a do boto-cinza é restrita a uma área geográfica menor e tem um habitat mais bem definido.
Thiago Ferrari
Coordenador do Projeto Golfinhos do Brasil
"Por volta das 5 horas, tem um grupo (de gofinhos) que gosta de se alimentar nas Ilhas Itatiaia, em Vila Velha. Há concentrações também nas proximidades do Porto de Tubarão, em Manguinhos (Serra), e nas Três Ilhas, em Guarapari"
O mapeamento dos golfinhos no Espírito Santo, porém, começou de forma experimental apenas em 2014 e só se tornou sistemático quatro anos depois. Em outros locais, pesquisas similares já duram mais de 10 ou 20 anos. Respostas claras sobre esses animais somente são obtidas a longo prazo.
"O trabalho feito permite ter uma ideia de biogeografia (onde estão localizados), composição social (como se comportam e organizam), padrões comportamentais (habitat e alimentação) e dados de abundância e riqueza, no que diz respeito à população e saúde desses indivíduos", explica Thiago.
Segundo o ambientalista, indícios apontam que o golfinho-nariz-de-garrafa seja o mais numeroso na costa capixaba. Por outro lado, o boto-cinza se mostra bastante comum, mas sofre com uma lacuna de conhecimento no Estado, que já chegou a ser abordada na Comissão Internacional das Baleias (CIB).
"A pesquisa é importante pela educação ambiental e para complementar o turismo, que gera emprego e renda de forma sustentável. É a melhor forma de conservação, porque só protegemos o que conhecemos", defende o pesquisador.
DESTAQUE: CINCO ESPÉCIES DE GOLFINHOS PRESENTES NO ES
Além do golfinho-nariz-de-garrafa e do boto-cinza, destacam-se outras três espécies que habitam as águas capixabas: o golfinho-pintado-do-atlântico (Stenella frontalis), o golfinho-de-dentes-rugosos (Steno bredanensis) e a toninha (Pontoporia blainvillei) — o mamífero mais ameaçado do Atlântico.
Em comum, eles têm uma gestação que dura 11 meses, de um filhote por vez. Como qualquer mamífero, os golfinhos possuem um período de amamentação após nascer, permanecendo junto da mãe por cerca de um ano. Em geral, todos se alimentam de peixes e pequenos moluscos, como lulas.
Coordenadora técnica e científica do Projeto Golfinhos do Brasil, a mestre em Oceanografia Ambiental Amanda Giacomo elencou as principais características e curiosidades referentes a cada uma das espécies que vivem no Espírito Santo, onde não há cetáceos exclusivos de água doce. Confira:
Justamente pela situação de ameaça e devido ao empenho realizado para proteger a toninha, que os pesquisadores possuem dados sobre a população, que conta com poucas centenas de exemplares. Concentrados em uma área pequena, qualquer problema antrópico ou ambiental poderia dizimá-los.
"Há basicamente quatro grupos, divididos após um estudo genético. O do Espírito Santo é isolado geograficamente e quase inviável de sobreviver por muito tempo", lamentou Amanda, que informou que a espécie é classificada como criticamente em perigo pelo Ministério do Meio Ambiente.
Golfinhos dão show no litoral do ES
ESTUDO DE GOLFINHOS: MÉTODO DESENVOLVIDO NO ES
Devido à ausência de informações sobre o boto-cinza no Estado, o Projeto Golfinhos do Brasil passou a trabalhar especialmente focado na espécie. Porém, independentemente dela, os estudos sobre os demais cetáceos continuam e, de maneira geral, se utilizam de quatro principais metodologias:
- Bordo tradicional: observação feita a partir de uma embarcação no mar;
- Observação em ponto fixo: destinada aos golfinhos mais costeiros, feita a partir das praias;
- Monitoramento Acústico Passivo (MAP): hidrofone que capta o som de cada espécie, emitido em uma frequência particular, por meio da qual é possível identificar o animal e estimar a quantidade de indivíduos a mais de 30 km de distância;
- Dronemonitoramento: lançamento e varredura feita por drone a partir de uma embarcação no mar.
O destaque vai para o último método, que tem DNA 100% capixaba. Desenvolvido pelo Laboratório de Nectologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), ele foi adaptado para ser feito a partir do mar e pode varrer uma área de até 5 km, coletando imagens com resolução em 4K.
Utilizado no Projeto Golfinhos do Brasil, o método parte de cerca de 15 pontos pré-definidos no mar, em um polígono de pesquisa que compreende da Serra a Guarapari, a uma distância máxima de 20 milhas da costa — ou seja, todo o talude, até a queda da plataforma continental.
Antes, as observações eram feitas diretamente pelo olhar humano, que podia contar, no máximo, com um binóculo. "Não tem comparação. O drone consegue ver de cima. Conseguimos ter certeza da espécie e do que ela está fazendo em poucos minutos", comemora o cocriador do método e professor Agnaldo Silva Martins.
Os primeiros testes começaram em 2018, em um monitoramento sobre os impactos dos rejeitos de minério em Regência, no município de Linhares. Durante esse trabalho, encontrou-se a altura e a velocidade de voo ideais para este tipo de pesquisa. "Já vimos golfinhos se alimentando, caçando e mãe brincando com filhote", conta.
"Decolar de um barco é muito mais complexo. O risco de perder o drone ou de um acidente é muito grande. Não é qualquer piloto que consegue. Fora que temos que achar o animal no mar. Nem sempre damos sorte ou conseguimos chegar até ele. E, às vezes, quando conseguimos, ele mergulha e some", relata o professor.
Em fevereiro de 2021, o método foi publicado em uma revista científica internacional e, no mesmo ano, já estava sendo "muito consultado", segundo Agnaldo, somando centenas de acessos em poucos meses.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.