No dia 19 de julho de 2013, o Palácio Anchieta era alvo de um ataque jamais visto no Espírito Santo. Blocos de concreto, pedras e rojões eram atirados contra a sede do governo. Com pedaços de pau, manifestantes quebravam as janelas do prédio e deixavam um rastro de destruição na escadaria Bárbara Lindenberg, cujas estátuas centenárias vieram ao chão.
A manifestação havia começado de forma pacífica, por volta das 6 horas em frente à Assembleia Legislativa do Estado. Impulsionados por protestos que aconteciam em todo o Brasil, cerca de 300 pessoas pediam o fim da corrupção, a não criminalização de movimentos sociais e o fim do pedágio da Terceira Ponte.
Veja o vídeo sobre protestos e ocupações no Palácio Anchieta:
Mas, ao chegar em frente a sede de governo, o ato ganhou um caráter violento, pegando de surpresa o então governador Renato Casagrande, que minutos antes havia deixado o local.
"Eu tinha me deslocado para a Cúria para conversar com Dom Luiz e os bispos de outras dioceses do Estado. Nesse tempo, a polícia já tinha ocupado internamente o palácio, porque as manifestações foram caminhando para uma violência muito intensa", relatou Casagrande.
Renato Casagrande
Governador do Espírito Santo
"Ninguém imaginou que uma parte daquelas pessoas já fosse chegar ao Palácio atacando. A gente pensou que fosse estabelecer uma comissão de conversa, de diálogo. Já chegaram apedrejando o palácio, de todos os lados, tentando invadir"
Na época, policiais do Batalhão de Missões Especiais (BME) foram acionados para tentar conter os danos. Pelo telefone, o governador mantinha contato com o comandante da Polícia Militar e o secretário de Segurança.
"A gente discutia como operacionalizar o trabalho, até que nível de enfrentamento a gente iria, porque não podíamos machucar as pessoas, mas também não podíamos deixar que elas destruíssem aquele patrimônio", lembrou Casagrande.
Palácio Anchieta foi depredado durante manifestações em 2013
O medo tomava conta dos funcionários dentro do Palácio de quase cinco séculos de história. O prédio foi fundado pelos jesuítas em 25 de julho de 1551. O auxiliar de conservação e limpeza Wedson Leite lembra que teve que se esconder em um dos cômodos por causa da confusão.
"Eles começaram a quebrar os vidros e como a polícia jogou muita coisa, veio fumaça daquelas bombas no rosto da gente. Foi muito difícil", disse.
A mesma sensação teve a chefe do cerimonial do Palácio Anchieta, Dona Hilda Cabas, que também estava no local. "Minha sala nessa época era lá embaixo e as pedras batiam na minha janela. Foi terrível! Você se sente insegura, não sabe o que está acontecendo, foi muito triste mesmo."
Após 10 horas de protesto, os manifestantes foram dispersados. Os estragos, contudo, eram visíveis. Internamente, seis salas foram atingidas no térreo, outras sete no primeiro andar e dois ambientes no segundo piso. Alguns desses ambientes guardavam obras de artes e parte da história do Espírito Santo. Já na parte externa, janelas, portas, vasos e estátuas quebradas.
OCUPAÇÕES
As manifestações não foram exclusivas desse período. Em 2016, durante a administração de Paulo Hartung, o Palácio Anchieta foi ocupado por integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), algo inédito na história do prédio.
Na época, o país estava inflado por protestos contra e a favor do governo da então presidente Dilma Rousseff (PT). No Espírito Santo, o grupo reivindicava melhorias para a educação no campo e denunciava o fechamento de escolas em assentamentos.
Parte dos manifestantes estava acampada há mais de 20 dias na sede da Secretaria de Educação, mas uma ocupação à sede de governo não era esperada. Ao MST, juntaram-se membros da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e grupos feministas, que faziam um ato pelo Dia Internacional da Mulher.
Por 12 horas, cerca de 400 pessoas se espalharam pelos corredores do Palácio Anchieta, tomaram as sacadas com faixas de apoio à Dilma Rousseff e ocuparam o Salão São Tiago. No local, eles chegaram a cozinhar refeições e armar barracas de acampamento.
A gerente de Patrimônio Histórico do Palácio Anchieta, Áurea Lígia Bernardi, lembra que os funcionários ficaram muito assustados com a situação e o grupo tentou até entrar no gabinete do governador.
Áurea Lígia Bernardi
Gerente de Patrimônio Histórico do Palácio Anchieta
"Eles já estavam querendo derrubar a porta. E a minha preocupação era com o acervo que eles iam atacar, com as telas, com os vasos importados"
"Foi um dia muito tenso. Eles foram embora só depois da meia-noite, quando já tinham se esgotado todas as formas de negociação. E a gente já estava exausto", relatou Áurea.
Os manifestantes só liberaram o prédio às 23 horas, após conseguir uma agenda com o governador Paulo Hartung.
Manifestações como essa marcaram o governo de Vitor Buaiz (1995-1998), que também viu a sede de governo ser ocupada por grevistas em outubro de 1996, mesmo que por alguns minutos. Com salários atrasados, servidores públicos reivindicavam melhorias no funcionalismo.
"Eu era de um partido [PT] que tinha uma organização sindical muito forte, e queria que eu pudesse fazer aquilo que era necessário, as reivindicações salariais, mas que o Estado não tinha condição naquele momento", contou Vitor Buaiz.
Em um desses protestos, os manifestantes decidiram ocupar o prédio. Portas e janelas foram quebradas e houve confronto com a polícia, que chegou a dar tiros para o alto tentando conter os sindicalistas, o que não adiantou. A saída dos manifestantes foi negociada com o governo, após dialogar com uma comissão.
Os protestos já vinham se alastrando desde governos anteriores, como de Max Mauro, por exemplo, que esteve à frente do Estado entre 1987 a 1990. Max conta que, com frequência, protestos tomavam a Praça João Clímaco, na lateral do Palácio Anchieta.
Um deles, que pedia o congelamento do preço das passagens, aconteceu em 26 de agosto de 1988, e levou a sede do governo a ficar com portas e janelas fechadas durante todo o dia.
"Era greve em cima de greve por causa da crise, a hiperinflação, o salário defasado dos trabalhadores. As pessoas iam para a porta do Palácio e quebravam vidros, quebravam tudo, era uma confusão danada", relatou.
Por causa disso, Max Mauro chegou a despachar, durante um período, na Residência Oficial da Praia da Costa, em Vila Velha. Apesar de dizer que "sofreu com as greves", o ex-governador afirma que sempre considerou os movimentos legítimos e parte da democracia.
"O terceiro BC [hoje 38º Batalhão da Infantaria], ainda resquício do governo militar, me ligava querendo botar tropa. ‘Não, tropa não. Isso é um direito dos trabalhadores, não pode haver anarquia’, eu falava. A greve é uma coisa legítima."
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SÉRIE: PALÁCIO ANCHIETA 470 ANOS
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