Terezinha de Jesus Oliveira, de 67 anos, uma das mestres da cultura popular reconhecida como patrimônio vivo de Cachoeiro de Itapemirim, nasceu no distrito de Arraial do Café, zona rural da cidade de Alegre, mas saiu de lá há 50 anos com a família. Ela mora no bairro Zumbi, o mais populoso de Cachoeiro, que não somente leva o nome de uma das maiores lideranças quilombolas do Brasil, mas preserva até hoje heranças da cultura negra no Sul do Espírito Santo, com manifestações culturais que vão da capoeira às religiões de matriz africana.
Por 10 anos, o antropólogo Diogo Bonadiman Goltara fez pesquisas de campo no bairro Zumbi, vendo de perto como símbolos da tradição afro-brasileira se perpetuam no local. Segundo ele, a maior parte das histórias converge. “Assim como outros núcleos urbanos no Sul do Espírito Santo, o bairro está entre os lugares que foram aglutinando pessoas negras vindas dos municípios do interior em busca de trabalho, já que não houve nenhum tipo de assistência à população negra após o período escravocrata”, explica.
E a escolha do bairro Zumbi como moradia teve um incentivo. Pesquisas disponíveis no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES) apontam que a região onde o bairro está situado começou a ser povoada na década de 1930 e pertencia a uma fazenda que foi vendida à família do ex-prefeito de Cachoeiro Abel Santana, que geriu a cidade entre os anos de 1963 e 1967. Relatos de moradores antigos apontam que, quando herdou a terra, o ex-prefeito vendeu parte dos lotes na região a preços mais baratos, o que incentivou a migração de moradores do interior para a região.
Junto a essas pessoas foi permanecendo também a herança cultural da população negra, que pode ser vista até hoje pela presença marcante de manifestações religiosas e culturais afro-brasileiras na localidade. Zumbi é o bairro com o maior número de casas religiosas de matriz africana registradas na Prefeitura de Cachoeiro de Cachoeiro de Itapemirim.
Um levantamento do município sobre Povos Tradicionais de Terreiro aponta quatro locais de reunião no bairro, mas pesquisadores asseguram que esse número é bem maior, já que muitos pontos não são registrados. “Seguramente existem mais de 20 terreiros no Zumbi”, afirma o pesquisador e arquiteto Genildo Coelho, membro da Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense.
Zumbi dos Palmares é um dos maiores símbolos da luta contra a escravização do povo negro no Brasil. Ele foi o último e mais relevante líder do Quilombo dos Palmares, o maior e mais longevo quilombo do país, e foi morto em 20 de novembro de 1695.
Há mais de 10 anos, a Associação de Salvaguarda do Patrimônio Imaterial Cachoeirense tentou iniciar discussões para titulação do bairro como um quilombo urbano, mas a discussão não avançou. Genildo, arquiteto e membro da associação, explica que a definição pode ser feita por diversos motivos. "O conceito de quilombo atual não tem só a ver com o processo de formação histórica, mas está relacionado ao fato do lugar ser segregado, composto em grande maioria por pessoas negras, pulsante culturalmente como é o Zumbi, cheio de terreiros de religiões de matriz africana, além de preservar práticas do patrimônio imaterial, como capoeira, bate-flechas, o próprio caxambu [...] São elementos que marcam e que podem identificar esse bairro como um quilombo urbano".
Terezinha de Jesus Oliveira é uma das moradoras que ajudam a preservar essa história. Foi no bairro Zumbi onde criou os quatro filhos e, há mais de 40 anos, lidera o centro de umbanda São Jorge Guerreiro. “Eu vim para Cachoeiro criança ainda e fomos ficando aqui”, conta.
Em 2019, Terezinha foi uma das mestres reconhecidas como Patrimônio Vivo de Cachoeiro de Itapemirim, por meio do decreto nº 28.932, que tinha como objetivo reconhecer pessoas que trabalham pela preservação de aspectos da cultura tradicional ou popular no município.
Apesar do racismo religioso que sofreu ao longo dos anos, com ameaças até de fechamento do local, Terezinha e outros mestres do bairro resistem ao tempo e passam o legado que construíram para as próximas gerações. Hoje ela é seguida pela filha, Sandra Mara de Oliveira, de 39 anos, que leva adiante a tradição da família.
"É uma responsabilidade muito grande, mas nós estamos aqui cumprindo uma missão, para atender quem precisa [...] Já disseram: 'Quando você morrer, eu fecho a porta'. Pode até ser que um dia fechem a porta, mas o centro nunca vão conseguir fechar", finalizou.
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