Há mais de duas décadas, o duplo assassinato dos irmãos Marcos Rodrigues, de 9 anos, e Gabriela Colnago, de 7 anos, que foram concretados na parede pelo próprio pai, ainda mexe com o imaginário dos capixabas. O comerciante Marcos Itiberê Rodrigues de Castro, condenado a meio século de prisão, é responsável por um dos crimes que mais chocaram e brutais já ocorridos no Espírito Santo.
As crianças foram executadas com tiros na cabeça, na madrugada do dia 6 de maio de 2000. Elas foram cobertas com colchões e cimentados na suíte de um apartamento no edifício Homero Massena, no Centro de Vila Velha. Onze dias após o crime, os corpos foram encontrados pelo avô das crianças e pai do condenado, o procurador de justiça Carlos Itiberê Rezende de Castro Caiado.
A repercussão do caso comoveu o Estado e teve repercussão no Brasil. Considerado "sangue frio" por autoridades e familiares, em diversas ocasiões ele repetiu, publicamente, que não se arrependia do que tinha feito – matado os próprios filhos.
De acordo com a Secretaria de Estado da Justiça (Sejus), o criminoso segue recluso na Penitenciária de Segurança Média 1, em Viana. Marcos Itiberê foi condenado a 51 anos de prisão em regime fechado.
A justificativa
Na época do crime, Marcos Itiberê confessou o duplo assassinato por meio de um bilhete e afirmou que matou as crianças dentro do guarda-roupa, enquanto brincavam de esconde-esconde. Gabriela e o irmão tinham ido passar o final de semana com o pai, mas estavam desaparecidos há 10 dias. Ele afirmava aos familiares que elas estavam bem, em um sítio.
Marcos Itiberê Rodrigues de Castro
Em bilhete deixado aos pais dele e encontrado pela polícia
"Mãe, desculpe-me pelo meu ato insano, mas não foi possível um diálogo entre eu e Jânia (mãe das crianças). Levo os meninos comigo, pois eles saíram de dentro de mim, e comigo irão sentar à direita de Deus Pai Todo Poderoso. Amo você. Perdoe-me. Do seu filho, Marcos. P.S.: As crianças estão no closet, debaixo do colchão. Não sofreram"
A Polícia Civil informou naquele momento que, primeiro, Itiberê teria dopado as crianças. O laudo do Departamento Médico Legal (DML) indicou morte por esmagamento de crânio, no caso da menina. Já Marcos Filho teve esmagamento e perfuração de crânio. Os corpos foram encontrados no Dia das Mães.
Outro crime
Durante as investigações, descobriu-se que Marcos era reincidente em assassinato. No 15 de outubro de 1999, em Vila Velha, durante uma briga com a ex-mulher, Jânia Carla Colnago, ele matou, com um tiro no peito, o também ex-marido dela, o comerciante Marco Antônio Pedrini, de 41 anos – que tentou impedir Itiberê de agredi-la.
O filho de Marco Antônio, que não foi identificado, presenciou toda a cena. Aos policiais, ele contou que Jânia e Itiberê já estavam em processo de separação, e que ela estava passando uma temporada na casa do ex-marido. Em dado momento, no entanto, o assassino pulou o muro da residência e a discussão começou. Após atirar, Itiberê fugiu.
Prisão e condenação
Na primeira noite que passou atrás das grades, o comerciante relatou ao advogado que quase foi morto por outros detentos. Para evitar mais agressões, a polícia colocou Itiberê em uma cela com presos considerados "não perigosos". Meses depois, contudo, desmentiu a própria versão diante da imprensa, chegando a levantar a camisa para comprovar o fato.
Após ser condenado a 51 anos de prisão, Itiberê passou por pelo menos três presídios capixabas. Ele cumpria pena em regime fechado na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana, e foi transferido para o Instituto de Reabilitação Social (IRS), em Vila Velha, devido a uma decisão judicial, em 2009.
Em 2017, Marcos foi encaminhado para a penitenciária onde está até hoje. A data provável para o término da pena é 22 de setembro de 2049.
Sofrimento da família
Outra figura central na história dos irmãos é a mãe deles, Jânia Carla Colnago, na época dona de casa. Ela foi uma resistência em meio à dor que assolou toda a família. Por diversas vezes, inclusive, fez protestos em busca de justiça pelos filhos.
A primeira vez que ela e Itibirê se encontraram após o crime, cara a cara, foi dentro da delegacia, no dia 15 de maio de 2000, quando apareceu para depor. Aos prantos, Jânia tentou agredi-lo com um tamanco, mas foi impedida.
Jânia Carla Colnago
Mãe de das crianças
"Assassino! Eu vou te matar! A morte para você é pouco, seu desgraçado, porque você acabou com a minha vida! Eu quero morrer"
No mesmo dia, a mulher fez um protesto em frente à casa do ex-sogro, no bairro Jardim Camburi, em Vitoria. Jânia chegou a pular o portão, tentando entrar no prédio, mas foi impedida por funcionários. Ela afirmava que Carlos Itiberê sabia que o filho era dependente de drogas e tinha problemas psiquiátricos.
Disse ainda que conversou com o procurador pelo telefone, à procura dos filhos, e ele afirmou que as crianças estavam em um sítio. "Aparece, pai de assassino! Cadê você? Você está se escondendo por quê? Você é conivente? [...] Meus filhos estão mortos por sua culpa. Você é um monstro", comentou.
Tentativa de fuga
Preso então há onze anos, o comerciante fugiu da prisão, o IRS, em Vila Velha, no dia 5 de agosto de 2011. Na ocasião, menos de dois dias depois e ferido, ele foi resgatado por um rebocador tentando atravessar, a nado, a Baía de Vitória. Os marinheiros mercantes reconheceram o fugitivo depois terem visto o rosto dele nos jornais e acionaram a polícia.
À época, Itiberê afirmou ao jornal A Gazeta que a fuga foi uma forma de protesto. “Estou sofrendo perseguição. Já cumpri um terço da minha pena realizando trabalho interno. Eu ia me matar. Os produtos que estão na minha mochila eram para isso. A minha intenção não era fugir", declarou.
Devido às circunstâncias em que a fuga ocorreu, a condição carcerária dele foi agravada. Itiberê já tinha atingido o tempo de cumprimento de pena necessário para que a Justiça analisasse a progressão de regime, mas esta foi negada em 2017.
Segundo a decisão, o exame criminológico concluiu que o sentenciado não apresentava condições pessoais suficientes para o avanço prisional, tendo em vista que, de acordo com os laudos juntados ao processo, “o apenado possui personalidade imatura, em que se evidenciam poucas habilidades, sentimento de instabilidade, revelado certo nível de impulsividade, frieza e indiferença pela vida alheia”, diz o documento.
O que diz a defesa
Procurada por A Gazeta em fevereiro deste ano, a então defesa de Itiberê, representada pelo advogado Frederico Pozzati de Souza, afirmou que ele seguia cumprindo a pena em regime fechado, sem previsão de progressão.
"No presídio ele vem, periodicamente, passando por exame criminológico para verificar se está apto para obter o benefício de progressão de regime para o semiaberto. Enquanto isso, ele vem tendo acompanhamento de uma equipe multidisciplinar (da própria unidade prisional, que também atende aos demais presos) que desenvolve as atividades necessárias para o interno", apontou.
Um dia antes da publicação deste texto, a nova defesa do acusado, representada pelo advogado Ildo Souza, afirmou que não poderia dar mais detalhes sobre o processo a pedido da família de Itiberê.
A reportagem também tentou entrar em contato com Jânia Colnago, mas ela não foi localizada. O espaço está aberto para a manifestação da parte.
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