Uma mulher de fé, corajosa e dedicada ao ser humano. Vivia com o mínimo, falava vários idiomas e sabia conviver com o diferente. Essas são algumas das características de Cleusa Carolina Rody Coelho, a irmã que pode se tornar a primeira santa capixaba. Em defesa de povos indígenas, ela foi assassinada em 28 de abril de 1985, às margens do Rio Paciá, na Prelazia de Lábrea, no Amazonas. No próximo dia 25, irmã Cleusa será homenageada pelo papa Francisco, em Roma, no Sínodo da Amazônia.
Natural de Cachoeiro de Itapemirim, Cleusa nasceu em uma família humilde. Era filha de um ferroviário e de uma dona de casa. Muito inteligente, por dois anos seguidos foi eleita a melhor aluna da escola. Aprendeu a falar inglês, espanhol, alemão, o que contribuiu para ajudar muitas pessoas que chegavam doentes ao Espírito Santo, pois era voluntária em hospitais e fazia a tradução, no caso de estrangeiros.
A reportagem de A GAZETA conversou com pessoas que conviveram com a irmã Cleusa e outras que estudam a história dessa capixaba que dedicou a vida aos mais pobres, doentes, índios e presidiários.
Trinta e quatro anos depois da morte dela, temas defendidos pela irmã, como tolerância religiosa, Amazônia, direito dos índios e solidariedade são tão atuais. A seguir, selecionamos curiosidades sobre a vida da que pode ser a nossa primeira santa pela Igreja Católica. Também utilizamos informações do documentário Irmã Cleusa - Mártir da Causa Indígena.
João Francelino Batista, Aldeia Copaíba
Trecho de documentário sobre a vida da irmã Cleusa
"Ela foi que nem Cristo, morreu por nós. Mas eu creio que ela não morreu em vão. Ela morreu por nós todos."
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RECUPERAÇÃO DO SER HUMANO
Segundo a irmã Rita Cola, que é diretora do Centro Educacional Agostiniano e morou com a irmã Cleusa, ela tentava "resgatar muitos meninos que, às vezes, eram jogados em presídios, lá em Lábrea, sem ninguém para olhar por eles, dando-lhes condições de recuperação". "Não no sentido de proteção de erros, mas no sentido de demarcar uma justiça para eles. Em uma ocasião ela trouxe um jovem envolvido com droga, para que fosse acolhido e protegido em um ambiente adequado para superar o problema e se corrigiu. As mediações dela eram sempre para salvar a vida, nunca para condenar ou destituir a vida".
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INTELIGÊNCIA
A inteligência da irmã Cleusa chamava a atenção. Ela estudou no Colégio Estadual Muniz Freire – Liceu, em Cachoeiro de Itapemirim, local que recebeu a medalha de ouro por ser a melhor aluna, por dois anos seguidos. Por ter sido considerada a melhor aluna de toda escola no curso de Magistério, recebeu do governo do Estado, como prêmio, o direito de exercer o trabalho de professora na escola que escolhesse, sem necessitar entrar em concurso de ingresso e remoção. Cleusa, nesse exato momento, escolheu deixar tudo e ingressar na vida religiosa. "Ela preferiu ir para o Convento. Assustou todo mundo (risos)", lembra a irmã Rita Cola.
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QUALIDADES
"Ela tinha a capacidade de ouvir, de se solidarizar e um jeito muito humano de tratar as situações que apareciam. Com ela, o problema não aumentava, ele diminuía. Jeito de saber conviver com o diferente. Ela tinha uma relação muito bonita com pessoas de outras religiões. Ela tinha esse espírito ecumênico muito grande. Ela era capaz de ver o transcendente nas diferentes denominações", destaca a irmã Rita.
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MISSÃO
No dia 04 de fevereiro de 1952, ingressou na Congregação das Missionárias Agostinianas Recoletas, na primeira casa da congregação localizada na Ilha das Flores, no Rio de Janeiro. Recebeu o hábito religioso no dia 02 de outubro de 1952 e adotou o nome religioso de Sor Maria Ângelis Coelho de São José. Emitiu seus primeiros votos religiosos em 03 de outubro de 1953. Esteve em missão nos seguintes locais: Lábrea e Manaus, no Amazonas; Colatina e Vitória, no Espírito Santo.
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DIRETORA DE ESCOLA
De 1970 a 1974, irmã Cleusa foi diretora do Centro Educacional Agostiniano, em Vitória. "Além de diretora, ela era professora de Inglês, Língua Portuguesa. Sabia muito espanhol e alemão. Ela fez Línguas na Fafi. Quando terminou o curso foi homenageada por ser uma brilhante aluna, mas sem perder a simplicidade herdada de sua família. Era muito inteligente", lembra a Irmã Rita.
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POLIGLOTA
Por falar diferentes línguas, Cleusa ajudou muitas pessoas que chegavam doentes à Capital pelo Porto de Vitória e eram atendidas em hospitais no Centro de Vitória. "Por causa da questão da língua, os médicos não entendiam o que as pessoas estavam dizendo, e ela traduzia. Salvou pessoas, nesse sentido", conta a irmã Rita. Depois que a capixaba foi assassinada, um japonês a procurou, pois não sabia que ela tinha sido morta. "Foi no dia de Natal. A gente ficou emocionada com essa visita, pois ele queria agradecer, pessoalmente, por ter sido amparado dentro do hospital por alguém que entendia o que ele estava sentido e passava para os médicos", diz.
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MORTE
A irmã vivia em uma região de conflito entre índios, comerciantes e demais interesses. Após a morte da família de um índio amigo da irmã, ela foi até a aldeia para que não acontecesse uma vingança. No caminho de volta, encontrou um índio, que seria o autor das outras mortes. Vendo o homem, disse ao canoeiro que a acompanhava: “Caia na água, meu filho, que você tem filhos para criar!”. Ele obedeceu imediatamente. Ouviram-se vozes, disparos e, minutos mais tarde, silêncio. A partir dali, o corpo dela foi encontrado dias depois. "Fraturas múltiplas de costelas, traumatismo craniano, fratura da coluna vertebral e amputação traumática do membro superior direito em 1/3 médio do antebraço, presença de corpos estranhos metálicos (chumbo) na parede torácica anterior e na região lombar. Por isso, a análise conclui: a causa da morte, provavelmente, foi por traumatismo craniano, fratura da coluna vertebral e feridas torácicas produzidas por arma de fogo", diz trecho do livro Cleusa Carolina Rody Coelho - Sangue Derramado, de Rosalina Menegheti.
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LEMBRANÇAS
A irmã Josefina Casagrande, que colabora no processo de beatificação da capixaba, estava em Lábrea na ocasião. "Conheci quando eu era jovem, quando me enviaram para Lábrea pela segunda vez, fui feliz porque iria morar com ela... Mas foram poucos dias, porque logo ela foi assassinada. Mas não entrei em desespero. Algo dentro de mim dizia que aquela morte daria frutos. A morte dela fortaleceu a esperança do povo. A área indígena foi reconhecida e demarcada. Os povos indígenas se organizam para lutar por seus direitos. O testemunho dela fortalece a fé de muitas pessoas. A partir do testemunho dela, há mais união entre os povos indígenas e ribeirinhos da região de Lábrea. Admiro a coragem, a decisão dela, a consciência da missão que ela tinha, de defender a vida, tão ameaçada! Era uma pessoa de Deus. Ela tinha um foco: o reino de Deus. E para tornar esse reino presente, ela lutava pelos direitos das pessoas, porque onde há injustiças, desrespeito para com as criaturas, o reino não está."
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BRAÇO
Após a morte da irmã Cleusa, os ossos do seu braço direito, decepado na hora do crime, estão, desde o dia 02 de junho de 1991, depositados na Catedral Metropolitana de Vitória.
HISTÓRICO DO PROCESSO DE CANONIZAÇÃO
- 1985 – 28 de agosto – Irmã Cleusa é assassinada no rio Paciá, Prelazia de Lábrea
- 1990 – A Superiora Geral Madre Rosa Lopez pede para abrir o processo de canonização.
- 1991- 08 de fevereiro - A Santa Sé autoriza abrir o processo
- 1991 -2 de junho – O processo diocesano é aberto na Catedral de Vitória, ES
- 1993 - 25 de abril – Encerra-se o processo diocesano na Catedral de Vitória
- - Tempo de estudo e esclarecimentos.
- 2016 - Retomada do processo para adequá-lo às novas orientações da Santa Sé - Roma
- 2019 – Durante o Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia, em Roma, no dia 25, Irmã Cleusa será homenageada como alguém que entregou a vida pelos povos indígenas.
- Para ser santa, a irmã Cleusa precisa ter um milagre comprovado pela Igreja Católica ou ser considerada mártir.
RELATO DA FAMÍLIA
Ana Lúcia Rody Coelho, irmã caçula de Cleusa
Trecho de documentário sobre a vida da irmã Cleusa
"Ela falava daquele povo (de Lábrea), do trabalho dela lá com os hansenianos, os presidiários. A vida dela era isso aí."
O CAMINHO PARA SER SANTO
Antigamente, somente o Papa podia promover uma causa de canonização, mas, hoje em dia, os bispos têm autoridade para isso. Portanto, em qualquer diocese do mundo pode-se iniciar uma causa de canonização. Para cada causa é escolhido pelo bispo um postulador, espécie de advogado, que tem a tarefa de investigar detalhadamente a vida do candidato para conhecer sua fama de santidade. Quando a causa é iniciada, o candidato recebe o título de Servo de Deus. O primeiro processo é o das virtudes ou martírio. Este é o passo mais demorado porque o postulador deve investigar minuciosamente a vida do Servo de Deus. Em se tratando de um mártir, devem ser estudadas as circunstâncias que envolveram sua morte para comprovar se houve realmente o martírio. Ao terminar este processo, a pessoa é considerada Venerável. O segundo processo é o milagre da beatificação. Para se tornar beato é necessário comprovar um milagre ocorrido por sua intercessão. Ao fim do processo a pessoa é considerada beata ou bem-aventurada. O terceiro e último processo é o milagre para a canonização (no caso dos mártires, não é necessária a comprovação de milagre). Este tem que ter ocorrido após a beatificação. Comprovado este milagre o beato é canonizado e passa a ser proclamado santo.
Fonte: Arquidiocese de Vitória
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Agradecimentos: irmã Josefina Casagrande, que colabora no processo de beatificação da irmã Cleusa; Paula Albani, bibliotecária do processo de beatificação da irmã e irmã Rita Cola.
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