Você sabia que a maior tartaruga marinha do mundo usa parte do litoral do Espírito Santo como berço? A cada dois anos, no período entre setembro e março, a tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea) chega à foz do Rio Doce, no município de Linhares, para se reproduzir e colocar dezenas de ovos na areia das praias.
No Brasil, o território capixaba é o único ponto regular de desova da espécie. Somente em alguns anos, há registros de ninhos no delta do Rio Parnaíba, na divisa entre o Maranhão e o Piauí. A quantidade de filhotes nascidos no Nordeste, porém, é sempre muito menor, de acordo com o monitoramento do Projeto Tamar.
Também conhecida como tartaruga-gigante, o apelido não é em vão: elas podem chegar até 1,90 metro de comprimento e pesar cerca de meia tonelada (500 kg). Entre o final do ano passado e o início deste, 17 fêmeas foram contabilizadas na costa do Estado – o que representa uma pequena melhora.
Há pelo menos uma década, elas são classificadas como "criticamente em perigo" no país. Esta é a última categoria do Ministério do Meio-Ambiente antes da extinção propriamente dita. Ou seja, qualquer ação antrópica ou evento natural pode fazer com que elas desapareçam do nosso oceano.
"Em outros lugares do mundo, elas já foram extintas. No Pacífico, restam poucas. Na região do Caribe, na América Central, a redução tem sido muito grande. Estudos preliminares apontam que a população da tartaruga-de-couro diminuiu cerca de 50% em dez anos", revela o pesquisador Alexsandro Santana dos Santos.
Coordenador do sistema de informações do Projeto Tamar, ele alerta que a única concentração que segue alta fica em Gabão, na África, com cerca de 5 mil fêmeas. "O grande impacto é a pesca de arrasto, mas aqui no Espírito Santo, as mais afetadas são as tartarugas verde, oliva e cabeçuda", afirma.
No entanto, antes da fase adulta, as espécies sofrem com a predação animal dos ninhos por raposas e a fotopoluição causada pela iluminação das praias, que desorienta os filhotes e faz com que eles andem em sentidos diferentes, sem alcançarem o mar. Nascendo o sol, as tartaruguinhas podem morrer desidratadas.
TARTARUGAS NADAM MUITO (MUITO MESMO)
Apesar dos inúmeros estudos, os pesquisadores ainda não têm respostas para todas as perguntas. Por que as tartarugas-de-couro vão até a foz do Rio Doce para se reproduzir? Por onde ficam até completarem três ou quatro anos de idade? Não se sabe. Porém, é certo que elas são excelentes nadadoras.
Aliás, essa é a espécie que mais nada: são de 10 mil a 15 mil quilômetros por período de desova. Ou seja, a cada dois anos. Para ter ideia, essa distância seria suficiente para, saindo de Vitória, chegar até a Austrália, do outro lado do mundo. Ou então, fazer o contorno na América do Sul, ir até Santiago, no Chile – e voltar.
Alexsandro Santana dos Santos
Pesquisador e coordenador do sistema de informações do Projeto Tamar
"Já teve uma fêmea marcada no Espírito Santo que encalhou na Namíbia (África) "
Atualmente, o Projeto Tamar acompanha cinco tartarugas-gigantes marcadas no Espírito Santo. "Por meio dos transmissores, vimos que três foram para a foz do Rio da Prata, entre Argentina e Uruguai. As outras duas saíram para o meio do Oceano Atlântico: uma começou a voltar e parou próximo ao Rio de Janeiro; e outra ficou entre o Brasil e a África", revela Alexansdro.
Outra curiosidade é que as tartarugas do Hemisfério Norte não atravessam para o Hemisfério Sul e vice-versa. "As do Norte vão até as águas geladas do Canadá, cruzam o oceano até a Europa e voltam. Outras espécies têm fases costeiras, mas as tartarugas-de-couro não. Elas migram muito", conta o pesquisador.
Por esta razão, a espécie é a única que não consegue ser mantida em cativeiro. "Por causa desse comportamento, ela fica batendo no aquário e acaba morrendo. Quando encalha, o protocolo dos pesquisadores é dar um shot de medicamentos, ver se tem algum machucado e soltar em mar aberto", explica.
TEMPERATURA DO ES PRODUZ TARTARUGAS MACHOS
Embora os cientistas não saibam explicar por que no Brasil as tartarugas-de-couro se reproduzem praticamente apenas no Espírito Santo, sabe-se que a temperatura da areia é um fator determinante para o sucesso da reprodução. Os filhotes não nascem em locais muito quentes e nem muito frios – e não é só isso.
"Nas tartarugas, o que determina o sexo é a temperatura em que os ovos são incubados: temperaturas altas produzem fêmeas e temperaturas mais frias produzem machos, como é o caso por aqui. O Estado tem um papel muito importante de equilibrar os gêneros da população", explica Alexsandro.
E se depender do berçário capixaba, vem muito macho por aí. Nesta temporada de desova, que está chegando ao fim, o Projeto Tamar já contabilizou 127 ninhos de tartaruga-de-couro. A maior quantidade desde a virada de 2016-2017 e quase o dobro do último período de desova, entre 2019 e 2020.
"Essas oscilações são normais em tartarugas marinhas, tem anos melhores e anos piores. Provavelmente, quando o número de ninhos é menor, os animais tiveram um ano ruim de alimentação, não juntaram tanta energia para fazer a travessia e o ovo. É um processo natural", esclarece o pesquisador.
Por falar em comida, apesar de todo o tamanho da tartaruga-de-couro, ela se alimenta apenas de animais de corpo gelatinoso, como águas vivas e caravelas. "O bico delas é em forma de 'W'. Essas duas pontas servem para capturar esses animais. Elas não conseguem digerir peixes ou quebrar cascas de caracol e ostras, como outras espécies", detalha Alexsandro.
SÃO DÓCEIS, MAS TENHA CUIDADO E RESPEITO
Diante de tanta natação e do comportamento migratório, é raro encontrar uma tartaruga-gigante na praia, sem ser no momento da desova. No mar, elas também tendem a não interagir com os seres humanos e até fugir pelo oceano. Ainda assim, é importante ressaltar: nunca toque nelas.
"Se você capturar, elas podem ter um movimento de defesa e tentar bicar, mas esses registros são muito raros. Elas são animais dóceis. Porém, não se deve pegar qualquer animal silvestre. A interação pode suscitar doenças de ambos os lados, podemos transmitir ou nos infectar com micro-organismos", alerta.
A tartaruga-de-couro ou tartaruga-gigante
Caso você encontre um animal marinho encalhado na areia – no caso das tartarugas, que não esteja realizando a desova – procure a ajuda dos órgãos competentes. No Espírito Santo, entre em contato com o CTA Meio Ambiente, que faz o serviço de resgate. O telefone é 0800 039 5005.
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