Nos momentos de angústia, as pessoas costumam recorrer à fé para os pedidos de socorro. E um episódio ocorrido há mais de 200 anos ficou gravado na história da devoção à Nossa Senhora da Penha. O Espírito Santo passava por uma forte estiagem, com inúmeros impactos da prolongada seca, e, por isso, fiéis decidiram, em 1769, realizar uma procissão de Vila Velha a Vitória com o objetivo de trazer chuvas ao Estado.
No século XIX, a então Capitania do Espírito Santo foi castigada por uma seca de quase dois anos. O episódio, retratado no livro "A História Popular do Convento da Penha", de Guilherme Santos Neves, é definido com um dos piores períodos de estiagem que o Estado já tinha passado.
Durante aquela época, segundo o autor, a comida estava escassa e as pessoas passavam fome. Lavradores e criadores de animais também já estavam desesperados, sem saber o que fazer. O governo local chegou a pedir a intervenção do imperador Dom Pedro II para ajudar a solucionar o problema.
O único local que aparentemente não sofria com os efeitos da seca era o Convento da Penha. De acordo com escritor, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Estado (IHGES) e subsecretário de Cultura de Vila Velha, Manoel Góes, os moradores ficaram intrigados com o fato da área de mata ao redor do santuário continuar verde, enquanto todo o resto do Estado sofria por conta da falta da chuva.
Por isso, devotos e autoridades decidiram levar a imagem de Nossa Senhora da Penha para uma procissão para que ela pudesse abençoar o Estado do Espírito Santo e trazer chuva. Foi a primeira vez em que a imagem original saiu do Convento. Até os dias atuais, durante as romarias, circulam apenas réplicas.
"Vários historiadores registraram de forma documental que ocorreu essa seca na época. Eles sempre destacaram que o Convento se manteve vistoso, com seus quase 50 hectares de Mata Atlântica. Os devotos decidiram fazer a procissão, pegaram a imagem de Nossa Senhora, que ficava no santuário, realizaram a romaria", conta Góes.
A procissão teve início no santuário e seguiu em direção ao Forte São João, antigo Clube Saldanha da Gama, em Vitória. A imagem da Santa desceu pela Ladeira da Penitência — antigo acesso ao Convento – e entrou em uma embarcação onde hoje fica a 38° Batalhão de Infantaria do Exército Brasileiro, na Prainha. Conforme descreveu Santos Neves, o barco que levava a imagem foi todo enfeitado e ainda contou com o cortejo de muitas embarcações.
Após desembarcar em Vitória, a imagem da Santa foi recebida por "autoridades eclesiásticas, civis e militares, irmandades e confrarias, sacerdotes e habitantes da vila" e começou a percorrer diferentes ruas até chegar à Igreja de São Francisco, hoje Convento de São Francisco, no Centro. Naquele momento, o milagre teria acontecido. Em um dos trechos da obra, o autor afirma que, enquanto a imagem de Nossa Senhora da Penha entrava na igreja, nuvens começaram a se formar no céu, indicando que a seca havia, enfim, acabado.
Guilherme Santos Neves
Escritor
"Imediatamente que o trono de Nossa Senhora penetrou neste templo, a negrura das nuvens fez do dia noite, e daí a poucos instantes a chuva caía em cataratas parecendo querer de uma só vez fartar os viventes, as plantas e a terra!"
NAS PAREDES DO CONVENTO
Atualmente, quem visita o Convento da Penha pode conferir de perto uma retratação do episódio. Pintada por Benedito Calixto em 1926, a obra "O Milagre da Seca" está exposta na capela do santuário. O quadro mostra a chegada da imagem da Santa em Vitória.
"Esse quadro representa muito bem a fé cristã e os devotos do nosso Estado porque Nossa Senhora da Penha acode e acolhe nos dificuldades. Ela também representa a força do Convento da Penha para os capixabas, tanto no século XVIII, quanto atualmente'', defendeu Góes.
Em 2015, quando o Espírito Santo passava por novo período de estiagem, frei Paulo Cesar Ferreira da Silva abençoou a obra de Calixto. "Oração é um refúgio que funciona em qualquer época, basta ter fé. O importante é a união para que o pedido seja atendido”, finalizou.
MAIS CAPIXAPÉDIAS
Correção
18 de outubro de 2022 às 13:37
O nome do frei que aparece na imagem abençoando o quadro foi corrigido. O correto é Paulo Cesar Ferreira da Silva.
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