Em 1988, um almoço realizado entre as quatro paredes do Salão Negro, palco de banquetes oferecidos no Palácio Anchieta, tensionou os conflitos políticos entre o governador Max Mauro e o vice-governador Carlos Alberto Cunha, ambos filiados ao MDB.
Na época, Max e o vice já não viviam os melhores momentos no Executivo, com divergências dentro do próprio partido. O governador, contudo, precisou viajar para fora do país para resolver problemas do Estado e deixou o governo interinamente nas mãos de Cunha, protagonista do episódio que foi crucial para o rompimento entre eles.
"Assim que eu viajei, ele chamou o pessoal do MDB, que na época estava contra mim, Camata [Gerson], Zé Moraes, e reuniu eles em um almoço no Palácio, fazendo críticas contra mim. Eu achei aquilo um desrespeito enorme", lembrou Max, que governou o Espírito Santo entre 1987 e 1990.
Max Mauro
Ex-governador do Espírito Santo
"Eu soube por um jornalista que me ligou, na época. Na mesma hora, peguei o avião e adiantei minha viagem de volta ao Espírito Santo. E, aí, nós rompemos."
Funcionários do Palácio Anchieta contam que, após esse episódio, o governador Max Mauro dividiu com uma porta o espaço da vice-governadoria, reservado à Carlos Alberto Cunha. Eles tratavam apenas de assuntos de extrema importância e o convívio não era amistoso. A relação mudou com o tempo.
"Depois a gente fez as pazes, voltamos a ser amigos. Mas por muito tempo me senti traído", disse Max.
Confira o vídeo com os depoimentos dos governadores que passaram pelo Palácio Anchieta:
Assim como Max Mauro, quem um dia já sentou na cadeira de governador guarda inúmeras memórias do Palácio Anchieta. Somente no período republicano, foram mais de 50 chefes do Executivo estadual no prédio de quase cinco séculos de história, fundado em 25 de julho de 1551.
À frente do cargo, eles viveram momentos importantes, tiveram que tomar decisões cruciais para o Estado – algumas que nunca ultrapassaram os portões do Palácio – e receberam visitas vindas até de fora do país.
"Eu recebi aqui representantes do Japão, da Itália para começar a conversar sobre a siderurgia. Recebi Erling Lorentzen [empresário norueguês que foi o fundador da Aracruz Celulose], que veio conversar sobre a modificação do projeto da Aracruz, que era para exportar chips de madeira para fazer celulose e pediu auxílio do governo", lembrou Arthur Gerhardt, que governou o Estado entre 1971 e 1975.
Personalidades nacionais como o educador e filósofo Paulo Freire, além de governadores de outros Estados, ministros e presidentes também estiveram no Palácio para visitas. Todos eles foram recebidos para almoços ou cafés, que incluíam a famosa moqueca capixaba ou outras comidas típicas do Espírito Santo, como conta Vitor Buaiz, que governou o Espírito Santo entre 1995 e 1998.
Vitor Buaiz
Ex-governador do Espírito Santo
"Na minha época, em vez de café, era preferível o chá. Quando era almoço, as meninas da cozinha faziam uma moqueca capixaba, quando era só um lanchinho era um mingau de tapioca"
Uma das visitas que Buaiz se recorda de ter recebido foi a do ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes, que esteve no Palácio Anchieta para articular conversas de renegociação de dívidas dos Estados com o governo federal.
"O governo federal começou negociando com os grandes Estados, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. E os pequenos Estados se sentiram prejudicados. Então, eu fiz um convite para os governadores, principalmente do Nordeste, para uma conversa. E, aí, Miguel Arraes veio, uma figura importante que faz parte da política brasileira."
MOMENTOS DE TENSÃO
Mas o clima não era amistoso em todas as visitas. Algumas foram motivadas por episódios polêmicos, como quando o ex-governador Max Mauro decidiu interditar a Vale e a Companhia Siderúrgica de Tubarão (CST), em 1990.
"Eu tinha feito um acordo com as empresas por causa da poluição, que a população reclamava demais do pó de minério, do cheiro de enxofre. Estava tudo certo para assinar, mas aí, incentivados até por alguns deputados capixabas de Brasília, as empresas não assinaram. Eu fui lá e interditei", relembrou.
"No dia seguinte, o ministro Ozires Silva [ministro da Infraestrutura durante o governo de Fernando Collor] apareceu lá no Palácio. Saiu de Brasília e, sem me avisar, foi lá com representantes da Vale e da CST para me convencer a voltar atrás. Eu disse que não ia. Conversa vai, conversa vem, ele pediu licença e se reuniu em um cantinho com as empresas. E, aí, voltaram dizendo que iam aceitar minhas exigências. Eu assumi o compromisso e desinterditei."
CÔMODOS GUARDAM MOMENTOS MARCANTES
Entre os mais de 130 cômodos do Palácio Anchieta, quem governou o Estado guarda alguns como preferidos. Seja por momentos marcantes que ficaram reservados a alguns espaços ou pela sensação que estar nesses locais desperta.
No caso do atual governador, Renato Casagrande, o Salão do Piano tem destaque. "É o lugar que eu acho mais charmoso, mais simpático, mais agradável de a gente estar, de trabalhar", afirmou.
Já o Salão Nobre, utilizado para almoços e jantares importantes, é citado por Arthur Gerhardt como um cômodo que lhe remete boas recordações. Foi naquele espaço que ele recebeu os filhos do ex-governador Jerônimo Monteiro, para cerimônia de criação da comenda que carrega o nome do pai, a mais alta concedida a um cidadão capixaba.
"Veio a família toda e nós nos confraternizamos e jantamos no Palácio. Aquilo foi uma satisfação enorme", contou.
MOMENTOS DIFÍCEIS
Apesar da grandiosidade do Palácio Anchieta e de todo poder que ele abriga, o prédio também provoca momentos de angústia e solidão.
Renato Casagrande
Governador do Espírito Santo
"De vez em quando, a solidão bate, porque você vê toda a repercussão das decisões que você tem que tomar e, às vezes, elas precisam ser duras"
Nessas horas, Casagrande conta que recorre à fé, em um momento bem pessoal que costuma ter nos aposentos do governador – ambiente restrito do chefe do Executivo.
As orações, segundo ele, se tornaram ainda mais frequentes diante da pandemia de Covid-19, que já matou mais de 11 mil pessoas no Espírito Santo, e também em 2013, quando, durante o primeiro mandato no Palácio Anchieta, ele viu o Estado ficar debaixo d'água.
"A gente acordava, estava chovendo, ia dormir, estava chovendo, a chuva não dava trégua. E por mais que a gente desse apoio financeiro para reconstruir o Estado, as vidas perdidas não se recuperavam mais. Nós perdemos mais de 20 pessoas naquela época. Dentro desse Palácio, foram dias de muita preocupação, de muita ansiedade, de muita angústia", lembrou.
"Às vezes, eu me deslocava para a suíte que eu tenho de apoio e ficava lá um pouquinho orando para poder dar força para a gente poder continuar o trabalho e não passar nenhum desânimo para a equipe, nem para quem está sendo representado por nós."
Governadores que passaram pelo Palácio Anchieta
BOAS LEMBRANÇAS
Por mais que os momentos difíceis sejam os que mais marcam a trajetória dos governadores no Palácio Anchieta, as boas lembranças também têm lugar na memória de quem passou por lá.
Para Vitor Buaiz, que desde pequeno observava a movimentação na sede de governo, ter tido a oportunidade de sentar na cadeira de governador foi algo histórico.
"Eu morei na rua Pedro Palácios, que é a rua do Palácio, e cresci vendo as solenidades, as posses. Ali, parecia um lugar que ninguém podia entrar, só personalidades, o governador, seus secretários. Então, quando cheguei lá, a emoção foi muito grande", lembrou Vitor Buaiz.
Arthur Gerhardt
Ex-governador do Espírito Santo
"Eu tive muitos momentos felizes no Palácio. Primeiro que eu fiz muitos amigos, inclusive capixabas que estavam no governo federal. E quando eles vinham ao Estado, era uma satisfação muito grande"
"O Palácio Anchieta é um patrimônio histórico, arquitetônico e cultural. A história do Espírito Santo passa por dentro do palácio. E isso precisa ser contado para as pessoas e preservado", finalizou Buaiz.
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