No dia 19 de setembro, Guarapari sopra as velinhas e comemora mais um ano de emancipação política ou, caso prefira, faz mais um aniversário. Nessas décadas de existência, o município coleciona histórias, "causos" e fatos que fazem da Cidade Saúde um pedacinho de terra – e mar – bastante conhecido, não apenas no Espírito Santo, como fora dele – não é mesmo, mineiros?
Os mais jovens certamente já ouviram a seguinte frase: "Guarapari, Búzios, minha arte", eternizada pelo então adolescente "Felipe Smith" ao ser atendido por uma equipe de socorristas e que viralizou na internet.
A quantidade de situações icônicas parece ser proporcional ao número de belas praias que banham o município e tem de tudo um pouco: avião que pousou sem querer na cidade, cemitério que serviu de inspiração para novela, craque do futebol se enterrando nas areias monazíticas... e por aí vai.
Para relembrar algumas passagens marcantes que, de uma forma ou outra, ajudaram a fazer de Guarapari o que ela se tornou, listamos dez histórias emblemáticas ocorridas ao longo dos anos.
PRAZER, GUARAPARI
Nada mais justo do que falar de Guarapari começando por... Guarapari! O nome de "batismo", assim como o de várias cidades capixabas, tem origem indígena. Mas para entender melhor o porquê de ser Guarapari é preciso desmembrá-lo em duas partes: "guara" e pari".
A primeira parte trata-se do Guará (Eudocimus ruber), uma ave de plumagem avermelhada, que tem essa coloração por causa da alimentação predominantemente feita à base do caranguejo chama-maré (Uca maracoani), que, por sua vez, possui carotenoides – um pigmento capaz de tingir as penas do bicho, segundo o biólogo Fabrício Eller, especializado em aves. Pena que o animal já não é mais visto na cidade.
Já "pari", de acordo com o historiador Fernando Achiamé, seria uma espécie de armadilha feita pelos índios nativos para a caça do Guará. A ave servia de alimento para eles, além de fornecer a plumagem avermelhada que era utilizada na confecção dos cocares.
O nome da cidade, aliás, no passado era já bem parecido com o atual. No século XIX, a nomenclatura era Guaraparim. Na data da emancipação, em 19 de setembro de 1891, foi retirado o "m" e Guarapari passou a ser, de fato, uma cidade do Espírito Santo.
"GUARAPARI, GUARAPARISSS"
Oficialmente emancipado, o município conquistou a fama de cidade praieira pelo Brasil, transformando-se em destino certo para muitos turistas, especialmente os vizinhos de Minas Gerais. Entretanto, se ele perdeu o "m" em 1891, ganhou um "s" no final de 2014 e virou "Guaraparis".
A adaptação foi uma resposta, em forma de paródia, à proposta do então prefeito, Orly Gomes, que manifestou o desejo de ver pela cidade turistas com dinheiro, o que deixou a "turma da farofa" chateada. No final daquele ano, ele quis limitar o número de pessoas acomodadas nas casas alugadas.
"Os turistas de veraneio vêm com tudo no carro ou ônibus, trazem botijão de gás e até macarrão. Precisamos de pessoas que venham com dinheiro para gastar e, assim, justificar os investimentos na cidade", declarou. Obviamente, a fala soou mal e não se concretizou. A polêmica, entretanto, virou música e trouxe um pouquinho do luxo de Paris para o balneário.
CRAQUE ENTERRADO NA AREIA
E por falar em praia... em 1963, Guarapari já era famosa por conta das propriedades "milagrosas" da areia monazítica. Por recomendação do então treinador de futebol João Saldanha e com a liberação do Botafogo, ninguém menos que o bicampeão mundial (1958 e 1962) Garrincha chegou à cidade para se tratar das crônicas dores que o acompanharam por toda a carreira – o gênio das pernas tortas sofria de valgismo, popularmente conhecido como "joelhos para dentro".
Buscando alternativas para amenizar as dores e acreditando nos poderes medicinais da terapia alternativa, o craque permaneceu por sete dias no município, onde diariamente cobria os joelhos com areia, na Praia da Areia Preta, na qual existia a maior incidência do mineral monazita. De manhã e à tarde, o jogador repetia o procedimento, somando duas horas diárias do procedimento. É por causa dessa fama da "areia milagrosa", aliás, que Guarapari passou a ser conhecida como Cidade Saúde.
A notícia da presença de Garrincha no balneário rapidamente se espalhou entre a população, foi amplamente reportada, e uma legião de fãs, não apenas botafoguenses, o acompanhava nas repetidas sessões. Mesmo tratando-se com muitas das alternativas possíveis na época, ele seguiu com as dores, entrou em declínio físico após a Copa de 1966 e se aposentou em 1972.
PASSADO LUXUOSO
Vivendo o auge da carreira e casado com a cantora Elza Soares, Garrincha e a esposa se hospedaram em um local que era símbolo de luxo, sofisticação e jogatina: o suntuoso Radium Hotel. Inaugurado dez anos antes do casal chegar em Guarapari, rapidamente o espaço foi transformado em um dos pontos mais chiques da cidade e do Estado.
Entre as décadas de 1950 e 1960, o hotel vivenciou o auge e sempre foi procurado por personalidades do meio artístico por ter suítes confortáveis e de alto padrão. Esse cenário se manteve por muitos anos, mas com o Golpe Militar de 1964 veio a proibição dos jogos de azar, que eram um dos pilares do Radium.
Oficialmente, em 1990, o empreendimento faliu, e dois anos depois foi lacrado pelos Bombeiros devido à precariedade da estrutura. Em breve, o espaço que já foi palco de noites luxuosas será transformado, pelo Governo Estadual, em uma escola técnica, ainda sem data para ser inaugurada.
OPS, NÃO É AQUI
É possível chegar a Guarapari por água, terra e ar – ainda que atualmente não existam voos regulares para o balneário. Recentemente, uma cia aérea até voltou a operar uma rota sazonal entre Belo Horizonte (MG) e o balneário, mas a iniciativa só durou cerca de dois meses, entre o fim de 2020 e o começo de 2021.
Entre os anos de 1995 e 2002, a TAM (atual Latam) realizava voos regulares entre o Aeroporto da Pampulha (MG) e Guarapari, em aeronaves do modelo Fokker F-50, um turboélice. Porém, no dia 9 de julho de 1998, um Fokker-100 da mesma companhia pousou sem querer na Cidade Saúde, com 108 passageiros a bordo.
A maior parte dos viajantes era formada por engenheiros que participariam da licitação da então Vale do Rio Doce. Todos seguiriam para Vitória, mas por uma confusão do comandante Tozzi, o avião fez um pouso visual e simplesmente desceu na pista de apenas 940 metros homologados de Guarapari, quando deveria ter pousado na pista antiga do Aeroporto Eurico de Aguiar Salles, na Capital, que contém 1.750m – quase o dobro da pista guarapariense.
Obviamente, o pouso em outro aeroporto gerou confusão e apreensão nos passageiros e familiares que esperavam pelo desembarque em Vitória. Após um impasse e algumas pessoas optando em seguir o trecho final de táxi, o avião decolou e, em cerca de 15 minutos, enfim, chegou ao destino.
PRAZER, FELIPE SMITH
Quem também viajou, mas não de avião, neste universo de histórias que fazem de Guarapari uma cidade única, foi Lucca Penedo, mais conhecido como "Felipe Smith". Apenas pelo nome é provável que não se lembre, mas uma busca rápida na internet leva logo a registros. Até o streamer Casimiro Miguel já reagiu (e riu) com este vídeo lendário:
Em 14 de novembro de 2014, Lucca tinha 16 anos e saiu de casa para ir em uma festa de trapp, só que, após consumir um quadradinho de "doce" (termo utilizado para LSD), ele teve uma "onda" muito intensa desencadeada pela droga sintética e precisou ser socorrido.
No antigo Hospital São Lucas, em Vitória, ele acordou e, ainda confuso, começou a proferir frases aleatórias. Se identificando como Felipe Smith, o garoto acabou marcado pelo trecho "Guarapari, Búzios, minha arte". O vídeo dele tornou-se um dos grandes virais da internet brasileira.
O rapaz lida bem com a história e já falou sobre a própria experiência em programas de rádio e internet. Atualmente, Lucca é tatuador e se divide entre Minas Gerais e Espírito Santo, de acordo com o próprio perfil nas redes sociais.
NETUNO, CADÊ VOCÊ?
Se Felipe Smith voltou a Guarapari não sabemos, porém o que sumiu de lá foi a estátua de Netuno. Mesmo sendo o "deus dos oceanos" para os romanos, a proteção mitológica não impediu que o monumento fixado na Praia do Netuno (antiga Prainha de Muquiçaba) fosse levado.
Esse sumiço aconteceu entre a noite de 26 de abril de 2021 e a manhã do dia seguinte, quando moradores e frequentadores da Praia do Netuno deram falta da estátua. O monumento ficava em uma área pública, mas teria sido instalada por um morador de um condomínio local, segundo o município.
Na época, uma equipe de Prefeitura de Guarapari foi informada por funcionários do condomínio que muitas pessoas estavam buscando o local para tirar fotos com a estátua e algumas delas acabavam se machucando nas pedras. Por esse motivo é que ela teria sido retirada.
HISTÓRIA DE PESCADOR, MAS À VERA
Mas, nem só de Netuno vive o mar de Guarapari. Na verdade, as águas que banham este belo cantinho capixaba estão entre as principais áreas mundiais para a pesca oceânica em alto-mar. O litoral da cidade é um dos mais procurados por pescadores em busca de grandes peixes – e pode colocar grande nisso, tá?!
Atum, Dourado, Meca, Barracuda e outras espécies são encontradas, mas uma delas é especial: o Marlim-Azul. Em 1992, Paulo Roberto Amorim embarcou de Vitória para Guarapari, onde tinha uma casa. No deslocamento entre as cidades, um peixe bateu com violência na linha do pescador: era um marlim-azul, mas não qualquer um.
Após uma batalha de horas, veio o feito que se mantém intacto três décadas depois. Paulo Roberto pescou aquele que ostenta o recorde mundial de maior marlim-azul já pescado. O tamanho? Um exemplar de incríveis 636 kg com 4,62 m de comprimento e outros 2,48 m de diâmetro.
Perplexo com o que havia feito, o pescador passou um rádio para o Iate Clube de Vitória, de onde havia saído, e em vez da ida para Guarapari, retornou ao local de partida. Foram necessários 28 homens para retirar o peixe gigante do barco.
Nos registros oficiais da International Game Fish Association (Associação Internacional de Peixes de Caça, em tradução livre do inglês), o recorde foi creditado a Vitória. No entanto, Guarapari se identifica tanto com a espécie que uma estátua do Marlim-Azul foi colocada na Praia do Morro e se transformou em um dos cartões postais do município.
INSPIRAÇÃO DE NOVELA
Saindo das águas e indo em direção à Guarapari Velha, chegamos ao Cemitério São João Batista, na Praia das Virtudes. O local é o cemitério mais antigo da cidade. O outro é o São Tobias, construído em 1970, que é o maior do município e onde mais ocorrem os sepultamentos atualmente.
Entretanto, é pela história que o Cemitério São João Batista se destaca. Já ouviu falar na novela "O Bem-Amado", exibida na década de 1970? Pois bem, ela foi inspirada em um "causo" local. Dirigida por Régis Cardoso, ela é uma adaptação da peça O Bem-Amado e Os Mistérios do Amor e da Morte, escrita por Dias Gomes em 1962.
A história gira em torno de Odorico Paraguaçu (Paulo Gracindo), um político populista e corrupto, prefeito do fictício município de Sucupira, no litoral da Bahia. Ele se elege prometendo inaugurar um cemitério em uma cidade em que ninguém morria – e é aí que entra a inspiração em Guarapari.
O Cemitério São João Batista foi construído em 1906 e esperou por dez anos por um defunto que o inaugurasse. Segundo a crendice popular, Dias Gomes, ao saber da história local, visitou a cidade e construiu o enredo que foi transformado em folhetim diário pela TV Globo.
O Cemitério São João Batista só foi inaugurado quando Guarapari "pegou emprestado" um corpo de uma andarilha que havia falecido em Anchieta, cidade vizinha que na época ainda se chamava Beneventes, para sepultar já em 1916. A medida do prefeito, na ficção e vida real, acabou em falação e suspeita de que o local havia sido construído para desviar dinheiro público.
E NA PRAIA DO ERMITÃO...
Por último, mas não menos impactante e importante, está o caso que fez Guarapari permanecer no noticiário por dias. Um casal de jovens decidiu ir à Praia do Ermitão para uma despedida, mas, durante a madrugada, o rapaz teve a barriga aberta. Iniciam-se, então, várias versões e narrativas para o ocorrido. Tráfico internacional de órgãos, "apagão" após uso de drogas, "cirurgia" na areia, ataque ao casal e muitas outras.
O caso em si ocorreu entre os dias 15 e 16 de janeiro de 2022, porém só foi amplamente divulgado cerca de duas semanas depois, quando a história era, até então, praticamente desconhecida. A partir daí, entretanto, passou a ser um dos temas mais comentados do Twitter no período.
Após muitas especulações, o ocorrido na Praia do Ermitão virou caso de polícia, com a então namorada do rapaz indiciada. Em abril, a conclusão da investigação da Polícia Civil foi de que a jovem foi a autora dos ferimentos no companheiro. Após o indiciamento, ela foi denunciada pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) como autora da agressão.
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