Em 1951, um padre alemão, recém-ordenado na Igreja Católica, chegava ao Espírito Santo com a missão de servir uma comunidade de pessoas diagnosticadas com hanseníase. No local, ele administraria, até o dia da sua morte, os sacramentos na Colônia de Itanhenga, em Cariacica, inaugurada em 1937 para isolar pacientes com a doença.
Matias Hahn ou padre Matias, como era chamado, celebrou missas, casamentos entre internos e batizados na colônia. Atuou também como fotógrafo, levando fotos que tirava das crianças que viviam no Educandário Alzira Bley — espécie de "orfanato" para abrigar filhos de hansenianos — para as mães que ficavam no Hospital Pedro Fontes.
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Em um local erguido sob a perspectiva da segregação, padre Matias se tornou uma referência em acolhimento. “Era ele quem explicava para as pessoas dali como era a vida, o que podia e o que não podia, dava sugestões, aconselhamento”, relata a médica e pesquisadora Patrícia Deps, que dedicou ao padre um capítulo do livro “O dia em que mudei meu nome”, em que conta a história dos hansenianos.
“Padre Matias foi uma figura de extrema importância para a convivência das pessoas dentro da colônia, para a organização delas, para que elas continuassem a vida religiosa.”
Quem conviveu com o sacerdote, conta que ele morava em uma casa simples, na zona reservada aos doentes. Diferentemente dos outros funcionários que trabalhavam no hospital, ele não tinha medo de se misturar. “Comia a mesma comida dos internos, ia na casa dos doentes”, lembra o deputado estadual Doutor Hércules, que trabalhou como diretor administrativo do hospital Pedro Fontes.
Há relatos, contudo, de que padre Matias se recusou a celebrar o casamento de um ex-interno. “Não queria me casar não, por eu ser preto e minha mulher loira”, relata José Fernandes Pereira, 70 anos, mais conhecido como Zé Pretinho, que chegou à colônia aos 13 anos.
De acordo com ele, o casamento acabou saindo depois da pressão de um dos internos, que era advogado: “Ele fez, mas a contragosto”.
Apesar do relato de Zé Pretinho, a maioria dos internos lembra do padre como uma pessoa que tentava amenizar as dores não físicas de quem vivia na colônia. Parte do dinheiro que o sacerdote recebia da Alemanha, por exemplo, era usada para comprar comida para os pacientes.
“Ele passava nos pavilhões todo dia de manhã para saber se a gente precisava de alguma coisa. Era uma pessoa muito boa”, lembra Anadir Scalzer.
Padre Matias também se preocupava com o lazer das crianças no educandário, como lembra Heraldo Pereira, que cresceu no local e atualmente é presidente da Associação dos Ex-Internos do Preventório Alzira Bley.
Heraldo Pereira
Ex-interno do educandário
"Chegava domingo, ele ia para o educandário celebrar a missa e trazia uma bola para a gente. Falava com aquele sotaque forte: “meninos, meninos” e balançava o sino. Era uma alegria"
Celebrações na Colônia de Itanhenga, em Cariacica
Umberto Galazzi, que também cresceu na colônia, é outro que guarda boas lembranças. Para ele, o padre era como um membro da família. “Ele dava aquela atenção para a gente, sabe. Uma atenção que a gente não tinha ali”, conta.
Padre Matias Hahn faleceu em 28 de abril de 1979, aos 76 anos. A pedido dele, foi sepultado no cemitério da Colônia de Itanhenga.
“O túmulo dele está lá, entre os pacientes. Ele nunca aceitou aquela segregação, achava que o lugar dele era junto com os doentes. Com certeza, está no céu, era um santo”, afirma Doutor Hércules.
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