O que é ser pioneiro? Significa ser o primeiro a explorar ou iniciar algo novo. Pioneiros são aqueles que abrem as portas e inspiram outros a seguirem o mesmo caminho. Utilizando-se deste adjetivo, uma manchete do jornal A Gazeta em julho de 1976 anunciava a morte de André Carloni: "A cidade perde o seu pioneiro". Mas, afinal, quem foi o homem tão importante para a história do Espírito Santo e que dá nome a bairro na Serra?
Apesar de grandes feitos e contribuições em território capixaba, André Carloni nem brasileiro era. Ele nasceu na cidade de Bolonha, na Itália, no dia 28 de janeiro de 1883. Quando tinha sete anos, em 1890, chegou ao Espírito Santo por meio de uma viagem de navio realizada com o pai Zema Carloni, a mãe Mariana Malagutti Carloni e os irmãos Romeu e Aldo.
A família permaneceu alguns dias alojada na Hospedaria dos Imigrantes, em Jaburuna, Vitória, até que apareceu um fazendeiro, procurando por trabalhadores especializados. Entre os contratados estava o pai de André Carloni, que era mecânico e foi com a família para Santa Cruz, na cidade de Aracruz, no Norte capixaba, onde era montada uma usina de açúcar. Ali, trabalhou na montagem do estabelecimento industrial até a inauguração. Depois, voltou para a Capital em busca de um novo emprego.
Em 1892 era construído o Quartel da Polícia Militar, no bairro Moscoso, também em Vitória. Ali, Zema trabalhou na construção de todas as grades das janelas das celas. Em 1894, uma epidemia de febre amarela se espalhou por todo Brasil, chegou ao Espírito Santo e Zema morreu vítima da doença. Com a morte do pai, André Carloni começou a trabalhar no mesmo local como serralheiro para ajudar no sustento da família.
Após o fim das obras do quartel, em 1894, André precisou se aventurar em outros empregos e atuou como lavador de pratos, garçom, capinador de rua, entre outras atividades. Em 1895, com o início da construção do Teatro Melpômene, ele conseguiu serviço como ajudante de pintor. Terminada a construção do teatro em 1896, André continuou se aperfeiçoando nas áreas de pintura e decoração.
Mais tarde, já em 1900, a Maçonaria Monte Líbano inaugurou escolas noturnas de leitura, desenho e música. André se matriculou nas três aulas e ganhou destaque na turma de desenho. Ao descobrir o talento, começou a investir no dom, estudou artes plásticas e aprendeu a projetar construções. Confira alguns dos projetos feitos por Carloni décadas seguintes:
Em 1906, casou-se com Clementina Rossi, tendo três filhos: Hermes, Hélida e Olga. Em 1908, realizou a reforma do antigo Convento do Carmo. O trabalho foi tão bem sucedido que, após isso, Carloni começou a fazer diversas outras obras na cidade. Naquela época, alistou-se como cidadão brasileiro, tirou o título de eleitor e votou pela primeira vez na eleição de Jerônimo de Sousa Monteiro, governador do Espírito Santo. Durante o mandato de Jerônimo, Carloni virou o principal construtor de Vitória.
Como diz a expressão popular, André não parava quieto, nem “quietava o facho”. Ele montou uma empresa destinada a fazer melhoramentos em Vitória. No período em que foi sócio, fez a montagem da linha de bondes da Capital, construiu ainda a linha de bondes de Vila Velha e organizou uma outra firma para transporte aquático de passageiros pela Baía de Vitória.
André Carloni foi o primeiro proprietário de carro do Espírito Santo e, consequentemente, o primeiro motorista. Em 1912, ele trouxe para o Estado um Cadillac 1906, comprado no Rio de Janeiro, de segunda mão. O automóvel se tornou a atração da cidade.
Naquela época, não havia estradas ligando a capital capixaba à então capital da República e, por isso, o veículo teve que vir em um vagão alugado na Estrada de Ferro Leopoldina. Quando chegou a Vitória, porém, encontrou vários obstáculos. O primeiro deles foi a dificuldade de transportá-lo da estação ferroviária, no outro lado da baía, para a cidade. Sem pontes, a solução foi transportar o carro em uma barca.
Ao chegar, outro empecilho. Na cidade não havia estradas por onde o carro pudesse trafegar, havendo, por isso, uma necessidade de se fazer um serviço de terraplanagem. André Carloni, que era um construtor por natureza, dirigiu os trabalhos e, em pouco tempo, o problema foi resolvido.
Depois do impacto causado pelo Cadillac, começaram a aparecer outros carros na ilha. André não se contentou e, em 1916, adquiriu um segundo veículo, da marca Ford. No ano seguinte, começaram a aparecer ainda mais veículos em circulação pelas ruas da capital.
O livro “Os italianos do Estado do Espírito Santo”, de Luiz Serafim Derenzi, se refere a André Carloni como “o que mais se distinguiu entre os milhares de italianos vindos para o Espírito Santo, pela habilidade, dinamismo e talento artístico”.
O autor descreve que o italiano foi um dos mais requisitados homens de construção desde o início do século em Vitória e, além de arquiteto e construtor, foi, durante toda a vida, um desenhista preocupado em registrar aspectos da cidade. Veja abaixo alguns desenhos feitos à mão por Carloni:
“Deus lhe deu a inteligência e ele soube, ambiciosamente, cultivá-la, num prodigioso autodinamismo”, dizia um trecho do livro. E exemplos disso não faltam:
Por tanto empenho e realizações, Carloni foi reconhecido no âmbito estadual e federal. Em 1942, o presidente da República Getúlio Vargas concedeu a ele o título de cidadão brasileiro. Em 1956, foi homenageado pela Câmara Municipal de Vitória com título de cidadão vitoriense. Tornou-se também sócio benemérito do Clube Vitória, do qual foi um dos fundadores.
Em 1964, recebeu na Escola de Belas Artes, hoje Centro de Artes da Universidade Federal do Espírito Santo, um voto de louvor pelos excelentes serviços prestados ao povo capixaba.
Na página do jornal A Gazeta que estampava a notícia da morte de Carloni, havia também uma das últimas declarações dele. "Não tenho tristezas. Minha vida é só alegria! Não tenho inimigos, gosto de todo mundo e todo mundo gosta de mim". Aos 93 anos, já debilitado, André afirmava que não temia a morte.
E esse dia chegou. Em 26 de julho de 1976 morreu o grande pioneiro da cidade de Vitória.
Mas mesmo décadas depois que partiu, ainda é evidente que o legado de André Carloni resiste ao tempo, e as grandes obras realizadas por ele, como a Catedral Metropolitana de Vitória e o Teatro Carlos Gomes, seguirão sendo admiradas por muitas gerações.
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