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Quem foi Jayme dos Santos Neves? Médico dá nome a hospital do ES

Quem foi Jayme dos Santos Neves? Médico dá nome a hospital do ES

Profissional foi fundamental na estruturação da saúde pública capixaba e no combate à tuberculose; veja curiosidades e lembranças de quem conviveu com ele

Publicado em 27 de julho de 2021 às 19:03- Atualizado há 8 meses

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Jayme dos Santos Neves foi um dos mais importantes médicos capixabas. (Carlito Medeiros | Cedoc Jornal A Gazeta)

É difícil que algum capixaba não tenha ouvido falar do Hospital Estadual Doutor Jayme dos Santos Neves, que fica no município da Serra. Referência por anos durante a pandemia do coronavírus e maior hospital público do Espírito Santo, a unidade foi inaugurada em 2013. Mas você sabe quem foi o médico que dá nome à construção?

Jayme dos Santos Neves ganhou destaque no combate a uma doença respiratória muito temida, a tuberculose, transmitida via oral. Além de afetar gravemente o pulmão, causou a morte de milhares de pessoas. Por um bom tempo, não havia tratamento específico nem vacina.

Jayme dos Santos Neves se formou médico aos 23 anos de idade
Jayme dos Santos Neves se formou em Medicina aos 23 anos de idade. (Arquivo Público do Estado do Espírito Santo | Cedoc Jornal A Gazeta)

Natural de Vitória, Jayme nasceu em 24 de agosto de 1909. O título de "doutor" chegou em 1932, quando ele se formou em Medicina na Faculdade Nacional, no Rio de Janeiro. No ano seguinte, ele já estava de volta ao Espírito Santo e dava início a um dos principais feitos: o Sanatório Getúlio Vargas.

Turma de medicina da Faculdade Nacional, no Rio de Janeiro, na qual Jayme dos Santos Neves se formou
Turma de Medicina da Faculdade Nacional, no Rio de Janeiro, na qual Jayme dos Santos Neves se formou. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

Por esse nome, talvez lhe pareça pouco familiar, mas o sanatório deu origem ao atual Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes (Hucam), da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). No longínquo ano de 1930, porém, o criador ainda conversava com o interventor do Estado e tentava obter recursos para fundá-lo.

"A próxima etapa se referia à escolha do terreno. Depois de muito procurar, Dr. Jayme se lembrou que em 1917, em um surto de febre amarela, seu pai isolou toda a família em uma fazenda em Maruípe, região afastada do centro da cidade e ainda pouco urbanizada", revela Maria Zilma Rios, na dissertação de mestrado.

Área de Maruípe na qual seria construído o Sanatório Getúlio Vargas(CPDOC | Fundação Getúlio Vargas (FGV).)

A construção começou em 1938, com um orçamento de 700 contos de réis e um prazo de quatro anos. Oficialmente, o sanatório foi inaugurado em 29 de outubro de 1942, mas só passou a funcionar em 15 de dezembro, com capacidade para 90 pacientes. Os primeiros foram 13 mulheres, com casos terminais de tuberculose.

Naquela época, o município de Vitória vivia uma epidemia da doença e tinha um dos maiores índices de mortalidade do Estado e do país: com 500 óbitos por ano a cada 100 mil habitantes. Apesar disso, dezenas de profissionais se dedicaram a cuidar, por longos períodos, de quem era infectado pelo bacilo de Koch.

3 mortes por 100 mil habitantes
é o que Vitória registrou ao longo do ano de 2020, por causa da tuberculose, segundo a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa)

"Quando fiz a pesquisa, perguntava para cada pessoa: 'Você tinha medo de trabalhar lá?'. Todos me respondiam: 'Não', porque sabiam que lá todos tinham tuberculose e, fora dali, não sabiam. O uso de touca, avental e luva era obrigatório", conta Maria Zilma, que era coordenadora do Centro de Documentação do Hucam à época desta reportagem, originalmente publicada em 2021.

Jayme dos Santos Neves teve atuação importante no combate à tuberculose e ao fumo . (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

O empenho ia muito além do mero horário de expediente, inclusive para Jayme dos Santos Neves, que tinha na própria sala um mapa com as regiões de Vitória no qual usava alfinetes coloridos para mapear a tuberculose: os vermelhos apontavam os casos, os brancos indicavam os curados, e os pretos eram os óbitos.

Jayme dos Santos Neves analisando exames que mostravam a situação dos pulmões dos pacientes. (Cedoc Jornal A Gazeta)

Detalhes como esse estão disponíveis em gravações entre o médico e a bibliotecária Elidia Maria Frazin, funcionária do sanatório. Assim como medalhas, diplomas e diários, essas fitas fazem parte da coleção Jayme dos Santos Neves, doada por ela em dezembro de 2018 ao Arquivo Público do Estado do Espírito Santo (APEES).

"Passei a considerá-lo um estrategista em relação à saúde, como poucos. Era um idealizador, muito à frente de seu tempo. A saúde pública capixaba começa com o Jayme dos Santos Neves e acho que a Elidia enxergava toda essa importância e não deixou se perder no tempo", disse a pesquisadora Maria Zilma.

Jayme dos Santos Neves foi pioneiro no tratamento da tuberculose no Espírito Santo. (Cedoc | Jornal A Gazeta)

Saída de um convento em São Paulo, a aposentada Elidia vivia à época da publicação da reportagem no Centro de Vitória e lembrou da data exata em que conheceu o médico: 14 de novembro de 1957, quando ela bateu na porta do Sanatório Getúlio Vargas, em busca de um emprego. Tinha início um convívio que durou mais de quatro décadas.

Autointitulada "eterna admiradora e apaixonada", a ex-bibliotecária considera Jayme um santo e relembra de um fato emblemático, também retratado por jornais da época. "Um dia, ele pegou um papel cartão, colocou a mão em cima e a contornou. Só que ele já tinha perdido três dedos", conta rindo.

As mãos do Jayme dos Santos Neves, desenhadas por ele próprio
As mãos do Jayme dos Santos Neves, desenhadas por ele próprio. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))
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Pela devoção à causa, Santos Neves padeceu de uma doença conhecida como radiodermite. Para a leitura de abreugrafias*, ele sempre deixou as mãos expostas à radiação, perdeu a parte superior de três dedos e tinha outros comprometidos

Jornal A Gazeta
Na edição impressa de 4 de janeiro de 1991
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*Abreugrafia era um método brasileiro rápido e barato de tirar pequenas chapas radiográficas dos pulmões para facilitar o diagnóstico da tuberculose. O teste, que registra a imagem do tórax em uma tela de raio X, espalhou-se pelo mundo.

Da época em que trabalharam juntos no sanatório, Elidia lembra de um episódio que envolveu um paciente velho e pobre, com caso avançado de tuberculose, cujo nome era João Alves. Graças aos cuidados do Jayme, ele se curou, teve alta e voltou uma semana depois para agradecer, com um saco com cocos.

"Era uma estopa, amarrada com barbante e uma folha de caderno pendurada, com o escrito: 'Ao meu amigo e glorioso médico'. Emocionado com o ato, Jayme abraçou o paciente, fez uma ausculta e elogiou a cara de saúde. Depois, me entregou o bilhete e pediu: 'Por favor, guarde bem guardado. É o meu maior diploma'."

Ser um médico renomado não impedia Jayme dos Santos Neves de ter uma personalidade simples e bem-humorada. (Cedoc | Jornal A Gazeta)

Já idosos, os dois saíam para caminhar pelo campus da Ufes. O tempo era livre, mas o médico não tirava folga. "Ele saiu correndo para socorrer um cara que estava tendo um ataque epilético. Ficou segurando a cabeça dele, para não bater no meio-fio. Não posso descrevê-lo. Foi um sujeito de alma grande", lembra Elidia.

Visionário com reconhecimento internacional

Ainda em 1933, o médico recém-formado também fundou a Liga Espírito-Santense Contra a Tuberculose, se tornando o primeiro tisiologista a combater a doença no Estado. Depois de 50 anos, ele comemorou o aniversário da entidade, que sempre sobreviveu sem qualquer verba pública.

Jayme dos Santos Neves soprou as velhinhas de 50 anos da Liga Espírito-Santense Contra a Tuberculose
Jayme dos Santos Neves na comemoração de 50 anos da Liga Espírito-Santense Contra a Tuberculose. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

Entre as décadas de 1940 e 1950, ele teve uma importância ainda maior. À frente do Departamento de Saúde do Espírito Santo,  estipulou divulgações mensais de dados bioestatísticos estaduais, contribuição dos municípios com 5% da arrecadação e plantões em domingos e feriados no Centro de Saúde da Capital.

Inauguração do 4º Distrito Sanitário. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

O Estado também passou a ser dividido em sete distritos sanitários, que funcionavam como as atuais regiões de saúde. Eles tinham sede em VitóriaCachoeiro de ItapemirimColatinaAlegreSão Mateus, "Itaguassú" e a extinta João Pessoa (hoje, Mimoso do Sul). As duas primeiras tinham "centros modelos" e os demais, postos.

Na diretoria dos Serviços Sanitários do Espírito Santo, diversas unidades de saúde foram espalhadas no território capixaba. Destaque para a Maternidade de Alegre; o Hospital Colônia Adauto Botelho (atual Hospital Estadual de Atenção Clínica), em Cariacica; e o Hospital João dos Santos Neves (nome do pai), em Baixo Guandu.

Hospital Colônia Adauto Botelho, atual Hospital Estadual de Atenção Clínica, que fica em Cariacica. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

Com mais de três décadas, a carreira continuava de vento em popa. Em 1968, ele se tornou consultor da Organização Pan-Americana de Saúde. Depois, entre os anos de 1972 e 1975, atuou como diretor da Divisão Nacional de Tuberculose. Já em 1978, Jayme assumiu a direção do Hospital das Clínicas da Ufes.

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Sob a direção dele, a instituição teve um enorme progresso, quando foram firmados os primeiros convênios com o Governo Federal e o hospital passou a ser considerado uma referência na área médica

Jornal A Gazeta
Na edição impressa de 8 de novembro de 1998
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Mais tarde, nos anos de 1980, o combate ao tabagismo também passou a contar com a forte presença do Dr. Jayme, que chegou a ser vice-presidente da Comissão Nacional de Combate ao Fumo, criada pelo então presidente José Sarney. Uma das metas era proibir anúncios de cigarros no Brasil, como é atualmente.

I Congresso Brasileiro de Pneumologia e Tisiologia, em 1975. Dr. Jayme é o terceiro, da esquerda para a direita. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

No dia 29 de agosto de 1986, comemorou-se o primeiro Dia Nacional de Combate ao Fumo. A expectativa era a aprovação de uma lei pela qual as pessoas ficariam proibidas de fumar em locais fechados, incluindo escolas. "Essa é uma luta antiga dos médicos pneumologistas", afirmou à época, para o Jornal A Gazeta.

Assim, os reconhecimentos foram se acumulando com o passar do tempo: recebeu a medalha de Destaque Nacional de Saúde Pública (1982), o prêmio da Sociedade de Pneumologia e Tisiologia do Rio de Janeiro (1992) e o chamado "Alfredo Jurykowski" pela Academia Nacional de Medicina (ANM).

Jayme dos Santos Neves se empenhou para desestimular o fumo na sociedade capixaba e nacional. (Cedoc | Jornal A Gazeta)

Integrando a "lista de notáveis" do Espírito Santo, ele também foi considerado uma "referência ética da categoria" e foi homenageado em 18 de outubro de 1997, Dia do Médico, pelo Conselho Regional de Medicina (CRM-ES), pela Associação Médica Estadual (Ames) e pelo Sindicado dos Médicos do Estado (Simes).

Na noite de 8 de novembro de 1998, uma sexta-feira, Jayme dos Santos Neves sofreu um infarto e morreu aos 89 anos de idade. Ele foi enterrado na manhã do dia seguinte, no Cemitério de Santo Antônio, em Vitória, com a presença de amigos, familiares e do então governador do Espírito Santo, Vitor Buaiz.

O médico Jayme dos Santos Neves era natural de Vitória e é uma das figuras mais importantes na estruturação da saúde pública capixaba
O médico Jayme dos Santos Neves era natural de Vitória e uma das figuras mais importantes na estruturação da saúde pública capixaba. (Acervo Público do Estado do Espírito Santo (APEES))

Em vida, Jayme dos Santos Neves foi casado com Firmiana Loureiro Santos Neves. Os dois permaneceram juntos até que a morte os separou. Viúva, ela compareceu à inauguração do hospital nomeado em homenagem ao companheiro em 2013. No mesmo ano, ela faleceu, aos 103 anos de idade. Juntos, eles tiveram os filhos Janine e Marcos.

O Jayme além da Medicina

Para além do trabalho como médico e da contribuição para a saúde pública capixaba, Jayme dos Santos Neves ainda encontrou tempo para se dedicar a escrever e teve três livros publicados: "O outro lado da história da Companhia de Jesus" e "Cantáridas, poemas fesceninos" em 1984, e "A Centopéia" em 1989.

Na dissertação de mestrado em Letras na Ufes, Felipe de Oliveira Fiuza ajuda a atender um pouco o lado B do médico, ao descrever do que trata o segundo livro, escrito em parceria com dois amigos. "Basicamente consistia em insultar por meio de poemas, sendo que o principal insulto era tratar da orientação sexual dos satirizados", escreveu.

Livro "A Outra História da Companhia de Jesus", de Jayme dos Santos Neves(Acervo pessoal | Maria Zilma Rios)

A pesquisadora Maria Zilma Rios também revela que a personalidade dele não era tão sisuda como poderia parecer ao primeiro contato. "Ele era uma pessoa extremamente séria, mas que brincava demais. Muito sarcástico e irônico, sacaneava os amigos, incluindo o meu pai. Era brincalhão, extremamente gozador", conta.

Em reconhecimento aos trabalhos literários produzidos, ele fez parte da Academia Espírito-Santense de Letras, sendo empossado na cadeira de número 25, no dia 5 de novembro de 1986. A homenagem aconteceu no auditório da Rede Gazeta, com autoridades estaduais e membros da entidade literária.

Jayme dos Santos Neves: o hospital na Serra

Hospital Dr. Jayme Santos Neves, na Serra
O Hospital Estadual Doutor Jayme dos Santos Neves. (Fernando Madeira)

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