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Crédito: Arte A Gazeta

Rua da Lama, Terceira Ponte: apelidos que pegaram mais que nome oficial

Muitas ruas, avenidas e pontes da Grande Vitória são bem mais conhecidos pelos nomes populares do que pelos de batismo em lei. Em alguns casos mais famosos, tem quem nunca tenha ouvido o nome original

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 03/06/2023 às 08h29

É comum ouvir no Espírito Santo que o capixaba só se guia por pontos de referência, dispensando o endereço completo. Também é normal no Estado indicar um lugar por pontos comerciais que podem até não existir mais. Um exemplo é a famosa Pracinha da Flash Vídeo, como a Praça Philogomiro Lannes, no bairro Jardim da Penha, em Vitória, continua a ser conhecida, mesmo que a locadora que emprestou o nome ao local tenha fechado há quase 10 anos, em 2014.

Da mesma forma, muitas ruas, pontes e áreas da Grande Vitória são mais conhecidas por apelidos, que pegaram mais do que o nome original registrado em lei. Em alguns casos, os nomes oficiais nem são conhecidos dos moradores. Para esta matéria, a reportagem teve que pesquisar um pouco para descobrir o nome de batismo de um deles.

Fato é que, em vez de apontar que um restaurante fica na Avenida Saturnino Rangel Mauro, em Jardim da Penha — que quase ninguém saberia onde fica —, o capixaba vai simplesmente dizer que o local fica na Rua do Canal, essa sim bem conhecida. 

Quem costuma dizer que vai encontrar um amigo na Avenida Anísio Fernandes Coelho? Ficou difícil identificar onde é? E se indicar a Rua da Lama? Mais fácil de se localizar, certo? A rua emblemática, point de jovens universitários há algumas décadas, também fica em Jardim da Penha.

O bairro da Capital, aliás, é pródigo em apelidos. Chama até de Rua do Abacaxi um trecho da Rua Maria Eleonora Pereira — ali na esquina com a Pracinha da Flash Vídeo —, porque um caminhão de venda da fruta está tradicionalmente estacionado ali no local.

E a Rua da Lama é tão famosa que, durante algum tempo, ganhou até uma "filial", a Laminha, esta em Jardim Camburi. Trata-se, oficalmente, de um trecho da Avenida Judith Leão Castello Ribeiro, que fica perto da... Pracinha da Estácio, também um apelido. 

Os exemplos não têm fim: Triângulo das Bermudas, Reta da Penha, Avenida Beira-Mar, Cinco Pontes, Terceira Ponte, Ponte de Camburi, Curva do Saldanha e Norte-Sul. Nenhum desses nomes de pontos bem conhecidos de Vitória é oficial. 

Cidade Presépio, ensaio fotográfico em longa exposição da Cidade de Vitória / Vista da Avenida Beira-Mar, no Centro de Vitória 
Vista da Avenida Beira-Mar, no Centro de Vitória, como é conhecida a Av. Marechal Mascarenhas de Moraes . Crédito: Fernando Madeira

E há alguns exemplos nas cidades vizinhas também. Na Serra, a rotatória próxima ao Hospital Dório Silva, no Parque Residencial Laranjeiras, é conhecida há muito tempo como Rotatória do Ó — apenas em 2022  foi batizada de Rotatória Argeu Alves Costa Neto, em homenagem ao soldado da Polícia Militar que morreu após a viatura em que ele estava cair em um buraco nas obras.

Em Campo Grande, em Cariacica, uma área é chamada entre os moradores de Parque Infantil — embora não tenha nenhum parque por lá. Já em Vila Velha, uma rua é mais conhecida como Rua 24 Horas do que pelo nome oficial, que é Rua Expedicionário Aquino Araújo.

O doutor em Arquitetura e professor da Multivix Genildo Coelho Hautequestt Filho explica que os nomes populares que acabam mais fortes do que os registrados surgem do processo de desenvolvimento urbano da cidade. Acrescenta que, quando o legislador resolve homenagear alguma personalidade dando o nome dela à rua, isso nem sempre é absorvido pela sociedade.

“Ninguém sabe o nome da Terceira Ponte, da Segunda Ponte… O saber popular e a identificação popular se sobrepõe à identificação que os políticos determinam”, ressalta.

Outra característica destacada por ele que é forte no Espírito Santo é a questão de se identificar por pontos de referência, inclusive os que nem existem mais, diferentemente do que ocorre em outras cidades, como em São Paulo.

“A cabeça do capixaba não se organiza pelas vias e pelos nomes, a gente se organiza espacialmente a partir dos pontos de referência. Isso é fácil de explicar, porque em São Paulo o horizonte da cidade é prédio, do outro lado da rua não tenho horizonte. Já a topografia da Grande Vitória tem o litoral e marcos como o Convento da Penha, o Penedo, o Mestre Álvaro, e o Mochuara como pontos de referência. Identificar percursos por pontos de referência é mais fácil para as pessoas”, avalia.

De onde vieram os apelidos

Mas como é que surgiram esses apelidos? O historiador Fernando Achiamé ajuda a explicar alguns deles, mas de saída ele já afirma que, em geral, isso ocorre sempre por algum fato histórico ou circunstância geográfica.

O historiador lembra que a Rua do Canal, por exemplo, é chamada assim porque a rua beira o Rio Santa Maria, em trecho que antigamente era chamado de Canal de Maruípe. O nome oficial, desde 1975, é Avenida Saturnino Rangel Mauro.

Já a Rua da Lama, em Jardim da Penha, começou a ser chamada assim entre os anos 70 e 80, lembra Achiamé. Segundo a prefeitura, Avenida Anísio Fernandes Coelho é o nome oficial da via desde 1967. Aqui, vale uma ressalva: a Rua da Lama é o apelido de apenas um trecho da avenida que corta Jardim da Penha, na região mais próxima à Av. Fernando Ferrari e à Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Para alguns, significa até mais do que isso, como cita Achiamé.

“Essa rua é imensa e, quando a prefeitura estava se preparando para asfaltar, jogou muito barro para nivelar, faltou verba, veio a chuva e ficou só lama. E acabou que o lugar virou um point, pois já havia alguns bares. O nome ficou. E ainda transcende só a rua, passando a corresponder à região do entorno também”, detalha.

E o Triângulo das Bermudas? Como o recanto boêmio na Rua João da Cruz ganhou esse nome? Fernando Achiamé conta que nomear a região de bares com o mesmo nome do local onde desapareciam navios e aviões no Oceano Atlântico era uma referência a "onde os maridos desapareciam". O apelido foi dado pelo escritor Ronaldo Nascimento. “Tínhamos três bares que formavam um triângulo; e por ali eu me perdi”, explicava. Lá está afixada uma placa em sua homenagem, feita por amigos.

Rua da Lama
Rua da Lama, em Jardim da Penha. Trecho atualmente está em obras para a construção de um polo gastronômico. Crédito: Crédito: Fernando Madeira

Achiamé recorda também como foi o desenvolvimento da Avenida Marechal Mascarenhas de Moraes, mais conhecida como Beira-Mar, inaugurada nos anos 1960.

“Me lembro que, quando ela foi inaugurada, ocorreu o primeiro grande engarrafamento de Vitória, pela solenidade no Centro. Ela é mais conhecida como Beira-Mar porque é praticamente uma avenida construída em cima do mar, começando com entrocamento de pedras, depois calçamento e foi de blocos de concreto por muitos anos até ser asfaltada”, conta.

Caso da Ponte da Passagem

Mais um exemplo da preferência dos capixabas pelos apelidos está na Ponte da Passagem, a primeira ligação da ilha com a parte continental de Vitória. A estrutura de hoje é a quarta versão da ponte, que começou com uma “pinguela” em meados de 1800. Naquela época, já era chamada de pinguela da passagem.

Antiga versão da Ponte da Passagem
Antiga versão da Ponte da Passagem. Crédito: Prefeitura de Vitória

É um caso em que o nome popular veio bem antes do oficial. Inaugurada em 2009, a estrutura atual foi a primeira ponte estaiada do Espírito Santo e foi só naquele ano foi denominada Governador Carlos Lindenberg. Mas a força do apelido foi maior, visto que até hoje os moradores se referem a ela pelo nome ao qual era chamada há mais de um século.

"Dom Pedro II foi a cavalo de Vitória para Serra no caminho para visitar Linhares e passou por lá pela Ponte de Passagem", lembra Achiamé. O episódio do encontro do imperador do Brasil com uma moradora do então Morro da Preguiça, vizinho à ponte, está registrado no livro "Viagem de Dom Pedro II ao Espírito Santo", de Levy Rocha. 

Outras pontes da Grande Vitória também são mais conhecidas por seus apelidos do que por seus nomes registrados em lei. Pouca gente lembra que o nome da Terceira Ponte na verdade é Ponte Darcy Castello de Mendonça. Cinco Pontes, no Centro de Vitória, é o termo mais usado para se referir à Ponte Florentino Avidos. 

Obras da ciclovia, mirante e ampliação da Terceira Ponte
Obras da ciclovia, mirante e ampliação da Terceira Ponte. Crédito: Vitor Jubini

A Segunda Ponte também é a forma mais utilizada para falar da estrutura que liga Vitória a Vila Velha e Cariacica. Ela se chama, na verdade, Presidente Costa e Silva. Era também conhecida como Ponte do Príncipe. O trecho estadual, que vai da Avenida Carlos Lindenberg, em Vila Velha, até a alça de acesso à BR 262, em Jardim América, em Cariacica, já foi chamado de Viaduto do Príncipe e, em 2019, foi batizado com o nome de Governador Gerson Camata. 

A lista, como se vê, não teria fim. Você lembra de mais algum caso em que o apelido é mais conhecido do que o nome oficial?

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