Capixaba de São Gabriel da Palha, Noroeste do Espírito Santo, o sócio e diretor Institucional da XP Investimentos, Rafael Furlanetti, 36 anos, é, hoje, uma das mais importantes vozes dentro do mercado financeiro brasileiro. Com forte interlocução em Brasília e junto ao empresariado, aqui e lá fora, a agenda do capixaba é tomada por reuniões, palestras e viagens. O que não falta para ele é informação. "Converso com muita gente o tempo todo. Estou convencido de que as coisas estão melhorando".
Ele falou também sobre a mudança de humor do mercado em relação ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "Me lembro, no começo de janeiro, da primeira reunião que tive com o ministro, com diversos economistas de outras instituições. A primeira coisa que ele fez foi escutar a opinião de cada um. É muito bom quando isso acontece, não precisamos concordar sempre, mas manter o diálogo é fundamental. Foi um gesto de aproximação muito importante".
Furlanetti esteve em Vitória, esta semana, para uma conversa com os participantes do Instituto Líderes do Amanhã.
No começo do ano, o mercado, inclusive medido por pesquisas, estava muito reticente com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Agora, as mesmas pesquisas mostram que essa percepção mudou, os agentes de mercado olham, hoje, majoritariamente com otimismo o trabalho do ministro. O que mudou de lá para cá?
É uma profusão de coisas. Importante fazermos uma retrospectiva dos fatos. Saímos de uma eleição onde os dois candidatos (Lula e o ex-presidente Jair Bolsonaro) não davam clareza de como seria a nova regra fiscal. As duas candidaturas afirmavam que o teto de gastos estava ultrapassado. Qual era a saída? Ninguém falava. No pós-eleição, isso se manteve por algum tempo. Além disso, ficamos algumas semanas sem saber quem seria o novo ministro da Fazenda. O mercado atribui riscos e preços aos ativos, quanto maior a incerteza, menores são os preços. Importante destacar que o cenário externo, de inflação alta, juros subindo e até com quebras de bancos, também contribuiu para esse ruído. Quando começa o governo, em 8 de janeiro, acontece o que aconteceu em Brasília. Isso trouxe mais nuvens. Como seria a relação do governo com o novo Congresso depois do que aconteceu em 8 de janeiro? Ainda no começo do ano saíram, de dentro do próprio governo, desejos de rever questões importantes e já postas como a reforma trabalhista e a privatização da Eletrobras. Ao mesmo tempo, de lá para cá, sentimos que o Haddad ganhou todas as discussões econômicas que aconteceram. Você pode discutir se a regra fiscal deveria ser mais ou menos dura, legítimo, mas o fato é que o Brasil tem uma regra fiscal. Isso não acontece na Turquia e no México, que recentemente estatizou algumas ferrovias. São países que concorrem conosco na atração de capital. O investidor olha para isso. A reforma trabalhista está mantida, assim como a privatização da Eletrobras. Temos uma agenda de reforma tributária, que é muito importante, e temos notado que os debates dentro da economia têm sido de muito bom senso. É preciso fazer um elogio muito grande à equipe do ministro Fernando Haddad: todos escutam, todos recebem, todos dialogam e isso é muito bom. Esse conjunto de coisas fez com que os ruídos diminuíssem e, consequentemente, com que a percepção do mercado sobre o ministro Haddad melhorasse.
O diálogo derrubou o muro...
Exato. Me lembro, no começo de janeiro, da primeira reunião que tive com o ministro, com diversos economistas de outras instituições. A primeira coisa que ele fez foi escutar a opinião de cada um. É muito bom quando isso acontece, não precisamos concordar sempre, mas manter o diálogo é fundamental. Foi um gesto de aproximação muito importante.
O muro foi derrubado, a regra fiscal está aí (falta apenas a confirmação por parte da Câmara dos Deputados), a reforma tributária passou pela Câmara... Qual é a expectativa daqui para frente? Vamos conseguir voltar a crescer?
Sabe quem mais ganhou dinheiro no mercado em 2023? O investidor estrangeiro. Ele se posicionou e apostou na queda de juros muito antes. Muitas vezes, por estarmos aqui, olhamos as coisas com um pouco de paixão, isso atrapalha a análise. O estrangeiro olhou o seguinte: o Brasil é um país emergente, com instituições sólidas, onde existe uma regra fiscal, com boas empresas que estão baratas, o câmbio está depreciado e o juro muito alto. Ali na frente a inflação e o juro mundial vão cair, isso acontecendo, no Brasil vai cair mais, afinal, a taxa subiu mais. O estrangeiro viu isso, investiu e ganhou dinheiro na bolsa, no câmbio e nos juros. O olhar é macro e distanciado. Importante observar que tem um novo mundo se formando, com inteligência artificial, muita tecnologia e aumento de produtividade. Temos de estar atentos e construtivos para isso. Olho com muito bons olhos o que está por vir. A China tem um impacto muito grande na nossa economia. Ela não vai mais crescer 10% ao ano, mas também não vai crescer 2,5%. A China do futuro é uma China urbanizada. Vão entrar nas cidades chinesas, nos próximos anos, um Estados Unidos (mais de 300 milhões de pessoas). Essas pessoas vão consumir mais proteína, tecnologia e vão morar em uma casa. Isso aí é o combo Brasil: alimento e minerais. Outra coisa importante: nessa confusão geopolítica dos últimos anos, o Brasil virou o good guy (cara bom). Não brigou com Estados Unidos, não brigou com China, não brigou com Rússia, não brigou com Europa... Estou otimista, as coisas estão melhorando.
Vamos conseguir voltar a crescer? Há uma década que andamos de lado, nossa renda per capita está encolhendo.
Temos sinais positivos, como disse, mas acho que um crescimento forte e sustentado passa por uma reforma do nosso Estado. Precisamos de uma estrutura pública (todos os poderes e estruturas de União, estados e municípios) mais eficiente e mais enxuta. Para isso, precisamos encarar uma reforma administrativa, isso nos daria muita competitividade. Temos uma regra fiscal, a reforma tributária está caminhando e, em uma terceira frente, precisamos olhar para a eficiência do Estado brasileiro. Ter um país que cresce 1% ao ano é muito ruim para o cidadão. Não conseguimos combater as desigualdades, não conseguimos melhorar a nossa educação... Aliás, todos os países que se destacam no mundo fizeram um grande investimento em educação. Não há outra alternativa, ainda mais em um mundo em constante transformação. Cabe aqui trazer um ponto forte do Espírito Santo, que é a participação do setor produtivo, do cidadão, da sociedade como um todo nos debates públicos. Não podemos eleger um candidato e só lembrar dele novamente daqui a quatro anos. O diálogo propositivo e de fiscalização deve ser constante. A política vive de estímulos, temos que dar o estímulo correto. O ES em Ação (movimento criado no começo dos anos 2000 diante da crise econômica, política e ética do Espírito Santo) criou essa cultura no Estado. Vim aqui para falar com o pessoal do Líderes do Amanhã, que é uma derivação desse movimento, é uma cadeia que se cria. A sociedade pagou caro por não se interessar pela política nesses últimos anos. Vimos que deu errado. Se você não se interessar, alguém irá se interessar. Se continuarmos em uma agenda de eficiência e reformista, acredito que teremos crescimento. Temos uma nação de empreendedores, eles só não querem que o Estado atrapalhe.
Rafael Furlanetti
Sócio da XP
"Cabe aqui trazer um ponto forte do Espírito Santo, que é a participação do setor produtivo, do cidadão, da sociedade como um todo nos debates públicos. Não podemos eleger um candidato e só lembrar dele novamente daqui a quatro anos. "
Qual é o poder da transição energética e do ESG (sigla em inglês para meio ambiente, social e governança) nessa agenda econômica?
Os nossos filhos, antes de comprar qualquer produto, vão analisar o seguinte: isso foi feito onde? Qual a mão de obra usada? Que tipo de energia foi empregada aqui? Essa agenda será puxada pelos clientes. Talvez a nova fábrica da Apple não seja na Índia, onde 90% da energia vem do carvão. O cliente da Apple vai questioná-la sobre isso. Aqui no Brasil é justamente o contrário. Nossa matriz é quase toda composta por energia que vem das hidrelétricas, solar e eólica, ou seja, é limpa. Hoje, se eu estivesse no governo, bateria na porta das grandes empresas globais e diria o seguinte: "tenho 200 milhões de habitantes, minhas instituições funcionam, tenho regra fiscal, estou perto dos Estados Unidos, tenho espaço e tenho energia limpa". Isso é muito poderoso! Repare que todo o esforço que a Europa está fazendo para reduzir as suas emissões de gases de efeito estufa está sendo neutralizado pela indústria indiana. O europeu está de fato fazendo um grande esforço, mas está comprando um aço, lá na Índia, que segue poluindo muito. Ele vai passar a olhar que fabrica poluindo menos. O Brasil pode e deve ser essa alternativa para o mundo. A força que isso pode dar à nossa economia é enorme. Cerca de 90% da matriz chinesa também é carvão. Fazer uma mudança como essa demora décadas, é uma grande oportunidade para o Brasil.
Qual é a sua aposta para a taxa Selic?
Vai cair. Vai ser 0,5 (ponto percentual) ou 0,25 (ponto percentual)? Hoje, o mercado acredita em 0,5. Na XP nós acreditamos que, ao final deste ciclo (fim de 2024), teremos uma Selic de 9,5% ou 9% ao ano. Mas tem um estudo feito pelo Fernando Ferreira, nosso estrategista, que mostra que o mercado sempre erra. Erra para baixo quando os juros estão subindo e para cima quando está caindo. Ou seja, é possível que tenhamos um juro de 8,5% ao ano no final de 2024.
E a sua opinião sobre a reforma tributária que passou pela Câmara dos Deputados?
O conceito é muito bom, que é o conceito do valor adicionado. Isso funciona nas economias mais desenvolvidas do mundo. Dito que o conceito é bom, vamos para a modulação, que é o que vai acontecer depois de passar pelo Senado. É o primeiro passo para sairmos desse manicômio tributário. Agora, se for olhar só para o meu umbigo, para o meu setor, a reforma nunca vai sair. É um trabalho de anos do Bernard Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda), o relator da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), se debruçou tecnicamente sobre o tema, e o senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator no Senado, fará o mesmo. A direção é boa. Como empresário, se eu for pagar uma alíquota maior, mas o Brasil for melhor, eu topo. Todo mundo vai ganhar. Além disso, as pessoas estão olhando para a alíquota de 25% do IVA, mas não estão olhando para o fato de não ser cumulativo. Toda a cadeia vai creditar e debitar... Hoje o nosso sistema é muito injusto, principalmente com os mais pobres. O rumo da reforma está correto.
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