Bastidores e informações exclusivas e relevantes sobre os negócios e a economia do Espírito Santo

"Falar 'não' é libertador", afirma Dafna Blaschkauer

Autora do livro "Power Skills", Dafna trabalhou em companhias com Nike, Apple e Microsoft. Hoje ela é palestrante e fala sobre o desenvolvimento de lideranças

Publicado em 17/05/2023 às 03h50
Dafna Blaschkauer, autora do livro
Dafna Blaschkauer, autora do livro "Power Skills". Crédito: Divulgação

Liderar em uma sociedade cada dia mais líquida e hiperconectada é um desafio cada vez maior. É para falar sobre isso que virá a Vitória Dafna Blaschkauer, autora do livro "Power Skills". Com a experiência de quem atuou em companhias como Nike, Apple e Microsoft, ela dá valiosas dicas de como construir uma jornada vitoriosa. Vai participar do evento Ela Performa, exclusivo para lideranças femininas.

"Ninguém me ensinou como é que eu falo 'não'. Como é que eu estabeleço limites e, ao mesmo tempo, mostro que eu sou responsável, sou comprometido? Um dos nossos maiores receios, principalmente como latinos e como mulheres, é a nossa dificuldade de estabelecer limites, nossa dificuldade de falar 'não'. O 'não' é libertador".

Quais são as habilidades necessárias para que consigamos atingir nosso maior potencial?

Quando a gente fala de habilidade sócio-comportamentais o espectro é muito amplo. Eu simplifiquei em oito. Começo pela disciplina, que é a mãe de todas as power skills (competências técnicas e comportamentais). Através da disciplina a gente desenvolve e aprimora todas as demais habilidades. A minha definição de disciplina é fazer aquilo que você tem que fazer da melhor forma possível no tempo que é devido e, principalmente, quando você não está motivado. O irmão gêmeo da disciplina é o foco, a habilidade de distinguir as poucas coisas essenciais das muitas triviais. É um desafio enorme em um mundo com abundância de informação. Precisamos saber falar 'não' para as distrações, é um dos maiores desafios do nosso mundo moderno. A terceira habilidade é a comunicação. Estou falando da comunicação verbal e da não não verbal. Da linguagem corporal e da habilidade da escrita, muito relevante no mundo do WhatsApp, do Slack e do e-mail. A quarta habilidade é a colaboração. Estamos cada vez mais conectados, globalizados, interdependentes, portanto, a coloração é uma habilidade fundamental para pessoas, empreendedores e organizações atingirem seus objetivos. Importante frisar: é muito fácil a gente colaborar com alguém que a gente se dá bem, mas como é que a gente colabora com alguém que a gente não se dá bem? Isso vai acontecer, por isso precisamos ter essa habilidade. A quinta habilidade é a garra. Aqui no Brasil damos pouca atenção à garra. Falamos muito sobre o talento, tendemos a acreditar e a reforçar o talento porque isso nos exime da nossa responsabilidade de colocar esforço para fazer acontecer. A mentalidade de crescimento é outra habilidade relevante. Normalmente as pessoas acreditam que mentalidade de crescimento é sobre uma vontade de crescer, o que todos queremos. Aqui, na minha definição, é no sentido de como lidar com as adversidades. É sobre performarmos ainda melhor quando estamos diante das adversidades que todos vamos ter ao longo da vida, afinal, ela é feita de altos e baixos. Aí entra a capacidade de entender que é preciso desenvolver a capacidade de não se vitimizar e desenvolver uma alternativa para aquilo ali. Outra habilidade relevante é o pensamento crítico, fundamental para todos, mas ainda mais nas posições de liderança. É a capacidade de fazer as melhores perguntas do que ter as melhores respostas. Venho de uma geração que via o líder como aquele profissional que tinha todas as respostas. Hoje, eu sou a primeira a falar 'não sei'. Precisamos fazer as melhores perguntas para estimularmos as melhores respostas. Aí, na posição de líder, com a caneta na mão, você toma a melhor decisão. A última power skill é a empatia. Eu achava que eu sabia o que era empatia, que se tornou uma buzzword (palavra da moda). Confesso que fiquei com um pouco de preguiça do termo, afinal, sempre que temos uma buzzword normalmente ela fica muito superficializada. Quando me aprofundei sobre o tema e vivenciei coisas que nunca tinha vivenciado, como morar por quatro anos nos Estados Unidos sendo responsável pelas vendas para Ásia, Pacífico e América Latina, e comandando um time composto por coreanos, japoneses, chilenos, brasileiros, australianos, mexicanos... enfim, uma diversidade enorme. Diversidade de pensamento, de gênero, de idade. Ali eu entendi. Conhecia só a primeira camada da empatia, se colocando no lugar do outro sem julgamento. Isso é fácil quando todos concordam. A segunda camada da empatia, é não apenas se colocar no lugar do outro, mas compartilhar dos sentimentos do outro. Quantas vezes a gente interage nas nossas relações pessoais com conversas que o outro chega mais agressivo ou com mais raiva? A nossa tendência natural é agir com a mesma emoção ou agressividade. A gente precisa se colocar à disposição para ajudar. Isso é fundamental em uma posição de liderança.

Algumas habilidades são inatas, outras não. Como desenvolvê-las?

É uma jornada de aprendizado contínuo, elas podem ser treinadas. Aliás, esse foi o meu grande objetivo quando escrevi o livro. As power skills não são uma linha de chegada, afinal, não tem linha de chegada. Cada momento é um momento nas nossas vidas e nas nossas carreiras. É uma jornada constante de aprendizado. Eu não era a mais talentosa na comunicação e na colaboração. Minha bagagem é de atleta de esporte individual (tênis). Meu maior desafio é como colaborar com alguém que eu não gosto? Como é que eu foco quando eu tenho um gestor que tem zero foco? Ninguém me ensinou como é que eu falo 'não'. Como é que eu estabeleço limites e, ao mesmo tempo, mostro que eu sou responsável, sou comprometido? Um dos nossos maiores receios, principalmente como latinos e como mulheres, é a nossa dificuldade de estabelecer limites, nossa dificuldade de falar 'não'. O 'não' é libertador.

Você falou que o 'não' é libertador. Vemos muita gente muito tensa, dependendo de remédios e médicos para conseguir se manter de pé. Como sair dessa espiral?

Excelente questão! A pandemia foi um tapa na cara da sociedade, o modelo que a gente trabalha não funciona. Vimos o fenômeno da grande resignação (movimento de pedidos de demissão em massa por não aceitar os modelos de trabalho), do quiet quitting (fazer o mínimo de trabalho, a demissão silenciosa) e o Burnout (síndrome do esgotamento profissional). Veja o que aconteceu nas Olimpíadas. Os atletas, pela primeira vez, vocalizaram sua ansiedade e depressão. É fundamental combinar o foco, que é saber falar 'não' sem a culpa do 'não'. Nós temos essa dificuldade. Falamos 'sim' sem pensar, temos que sair do piloto automático. Quando estabelecemos os limites, a coisa flui. É melhor dar um 'não' claro do que um 'sim' vago. O 'sim' vago cria expectativas, isso é muito ruim. É possível encontrar alternativas, isso mostra comprometimento e senioridade. Pode reparar, quando os profissinais estabelecem limites, eles são respeitados. Saber falar 'não' e estabelecer limites nos dá bem-estar físico e social. Não é fácil, a jornada não é fácil. Já fiz muitas jornadas de trabalho malucas, aprendi apanhando.    

Você construiu uma carreira de sucesso. O fato de ser mulher ajudou ou atrapalhou?

Quando falamos de gênero, já começamos largando de trás, estamos falando de estereótipos. É o famoso viés de gênero. Quando começo, lá nos anos 2000, falo de um mercado basicamente apenas com homens nas posições de liderança. São vários os estereótipos e preconceitos que precisam ser enfrentados. Outro desafio é a desigualdade de salário, eu enfrentei isso. Ocupei funções em que pares meus, com o mesmo escopo de trabalho e responsabilidades, tinham salários maiores. Além disso, as expectativas culturais, afinal, a mulher tem a jornada profissional e a jornada de casa. Tive de me moldar ao longo da carreira e tive a sorte de ter bons modelos em casa. Minha mãe, que criou seus filhos e empreendeu. Minha avó foi uma sobrevivente do Holocausto. O esporte também me ajudou, com resiliência e autoestima. Outra dificuldade foi não ter redes de apoio, isso é muito importante. Não estou aqui falando de feminismo e nem de hashtag de redes sociais, estou falando de uma rede de mulheres e homens. Não é homem aqui e nem mulher ali. Por fim, não podemos continuar confundindo diversidade com inclusão. Uma coisa é a quantidade de mulheres na sua empresa, a outra é: quantas mulheres estão no comando da empresa? Não impediu minha carreira, mas tudo isso fez parte da minha jornada.

Qual dica ou dicas você dá para as mulheres que estão começando agora?

Autoconhecimento. Quem é você? Estamos na geração da comparação, temos que entender que cada um é um. Comparação deve servir de inspiração. O que eu quero? O que eu gosto? O que preciso melhorar? No que sou bom? Todos queremos o sucesso, mas essa definição muda ao longo da vida. A rede de apoio é fundamental: família, amigos, pares, rede de empreendedoras... Pessoas que já vivenciaram aquela dor, pessoas com afinidade com você, pessoas que gostam de você. Importante ter mentores para te ajudar, para te fazer perguntas e te ajudar a tomar decisões. É difícil. Eu, por exemplo, sou ruim de pedir ajuda, tive de trabalhar, mas é fundamental. As pessoas querem ajudar.   

A Gazeta integra o

Saiba mais
Economia Apple Microsoft

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.