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"O governo Lula não começou bem", afirma Zeina Latif

Zeina Latif é uma das mais respeitadas economistas do Brasil. Hoje, ela trabalha como consultora de diversas empresas, à frente da Gibraltar Consulting

Publicado em 13/05/2023 às 03h50

Zeina Latif é uma das mais conhecidas e respeitadas economistas do país. Faz questão de participar ativamente do debate público. Em conversa com a coluna, afirma que o terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva não começou bem. "Não há surpresa na pauta econômica, que julgo em grande medida equivocada, com ênfase no gasto público e na intervenção estatal. Nas áreas da educação e do meio ambiente, que seria um grande diferencial do atual governo, não vemos avanços. No caso da educação, preocupa o adiamento da implementação do ensino médio".

Apoiadora da reforma tributária, Zeina cobra do governo mais empenho político e afirma que a sociedade brasileira precisa enfrentar o medo que muitos têm da reforma tributária. "Ocorre que há muito desconhecimento dos setores sobre o funcionamento do IVA. Primeiramente, não é possível calcular com segurança o impacto da reforma em cada setor. Se o medo da reforma dominar, manteremos o sistema atual em que ninguém está satisfeito, só os advogados tributaristas".

Zeina Latif estará em Vitória no próximo dia 25 de maio participando do conecta.ceo, organizado pelo hub de inovação Base27. O encontro vai reunir mais de uma centena de proprietários e executivos de empresas de todo o Estado. Tendências macroeconômicas e inovação estarão no centro do debate. "Conheça seu mercado. As tendências mundiais, as mudanças de hábitos dos consumidores e as estratégias de concorrentes. Faça uma gestão financeira conservadora, pois há muitos sobressaltos no Brasil".

As dicas de Zeina certamente irão um pouco além: "Parece claro que, nos últimos tempos, temos falado muito de política e de Brasília".

Zeina Latif é consultora econômica e ex-economista-chefe da XP. Crédito: XP Investimentos/Divulgação
Zeina Latif é consultora econômica e ex-economista-chefe da XP. Crédito: XP Investimentos/Divulgação

Que avaliação a senhora faz desse início de governo Lula? O que está certo e onde precisa corrigir?

Não começou bem. Não há surpresa na pauta econômica, que julgo em grande medida equivocada, com ênfase no gasto público e na intervenção estatal. A exceção é a reforma tributária de criação do IVA, mas não vejo por ora empenho da articulação política, o que preocupa pois se recomenda que reformas de grande envergadura sejam aprovadas em início de mandato, quando o governo tem maior capital político. Deveria ser o foco principal do governo neste momento, mas estão gastando energia em pautas secundárias e até equivocadas, como foi o decreto com retrocessos no marco do saneamento, que acabou sendo em boa medida derrubado no Congresso. Estamos em maio e nada aconteceu. Não há ainda texto da proposta. Vale lembrar que em maio de 2019 a reforma da Previdência já estava na Comissão Especial da Câmara, com aprovação na Comissão de Constituição de Justiça em abril. Nas áreas da educação e do meio ambiente, que seria um grande diferencial do atual governo, não vemos avanços. No caso da educação, preocupa o adiamento da implementação do ensino médio.

O arcabouço fiscal segura ou não a dívida pública no médio e longo prazos?

Não achei adequada a proposta de arcabouço fiscal. É uma regra complexa, de difícil execução e que não provê a necessária previsibilidade das trajetórias das variáveis fiscais, como despesa e dívida pública, ao longo do tempo. Ela estimula o aumento da arrecadação, e não o controle de despesas, o que enfrentará muitas dificuldades para aprovação no Congresso. Finalmente, o desenho apresentado e os objetivos de gerar superávits primários e estabilização da dívida pública como proporção no PIB não são compatíveis entre si, exceto em aumento muito expressivo e improvável da arrecadação. Assim, acredito que teremos um cenário de relaxamento sistemático no compromisso com superávits primários e de dívida pública em ascensão. Isso significa um equilíbrio macroeconômico mais volátil e de pior qualidade, com taxa de juros mais elevada.

Economistas e mercado também foram contaminados pela polarização política ou a análise e tomadas de decisão seguem racionais e distanciadas?

A polarização no país é óbvia e seria ingênuo acreditar que os agentes do mercado ficaram blindados. Mas isso não significa que suas decisões de investimento são afetadas por visões políticas. Além disso, a ideia de alguns de que o mercado é um bloco monolítico e que as ações dos players de mercado são coordenadas é equivocada. Trata-se de um ambiente muito competitivo, e com grande influência de preços de ativos internacionais. Alguém que se deixa levar por paixões políticas provavelmente vai perder dinheiro. Vale citar que os mercados no Brasil sofreram muito na pandemia. Um exemplo disso é o descolamento do dólar em relação às moedas emergentes, como o real, muito mais desvalorizado. Os mercados identificaram os problemas de gestão da pandemia e suas consequências econômicas, inclusive pelo maior impacto fiscal em relação aos demais emergentes. Da mesma forma, deu-se o benefício da dúvida a Lula. Assistiu-se a um bom comportamento de preços de ativos ao longo do ano e no resultado final das eleições. A piora de humor veio depois, com os muitos ruídos causados pelo novo governo.

Zeina Latif

Economista

" A exceção é a reforma tributária de criação do IVA, mas não vejo por ora empenho da articulação política, o que preocupa pois se recomenda que reformas de grande envergadura sejam aprovadas em início de mandato"

Vamos falar um pouco sobre reforma tributária. Serviços, agro e outros segmentos da economia têm medo de uma carga mais pesada. O Bernard Appy (secretário extraordinário da Reforma Tributária) fala que não está sendo considerada nos cálculos a queda dos preços ao longo da cadeia. Enfim, é um debate com argumentos e estudos para todos os lados. Qual é a posição da senhora? Para onde devemos caminhar?

É natural o temor de aumento da carga tributária. Ocorre que há muito desconhecimento dos setores sobre o funcionamento do IVA. Primeiramente, não é possível calcular com segurança o impacto da reforma em cada setor. A complexidade atual é tão grande, que teria de calcular por cada produto, havendo ainda diferenças entre os estados. Por setor já significa grande simplificação. Muitas despesas que hoje não geram crédito tributário passarão a gerar, o que representa ganho importante. Outro fator é que aquelas empresas no Simples, que representam algo como 85% do setor de serviços, não sofrerão mudança alguma. Finalmente, há muitos custos associados ao recolhimento de impostos ou custos de conformidade, que são eliminados ou reduzidos, aliviando as empresas. Se o medo da reforma dominar, manteremos o sistema atual em que ninguém está satisfeito, só os advogados tributaristas. Os ganhos em termos de produtividade poderão ser muito elevados, o que significa maior crescimento da economia e receita das empresas. Casos específicos, como saúde e educação, poderão ter tratamento diferenciado. Mas convém não ampliar as exceções. Ter várias alíquotas seria um equívoco, por gerar má alocação de recursos, injustiças e ineficiências.

Ao longo do processo eleitoral muito se falou das qualidades de Lula como estrategista político, que com ele no governo as relações com o Congresso teriam menos sobressaltos porque ele saberia construir uma maioria por lá. Mas o que estamos vendo é um governo de base frágil. A fraqueza política do Executivo será mais uma questão a entrar no radar?

O presidente Lula é político hábil, mas não tem o mesmo peso do passado. Sua credibilidade foi abalada. Além disso, a divisão da sociedade se reflete também no Congresso, com uma oposição mais organizada. Isso é bom para a democracia. Reforça os freios e contrapesos que limitam excessos do incumbente. Além disso, as ameaças de retrocesso em muitas frentes e a ausência de plano claro e consistente para a economia despertam o pragmatismo de aliados, que não irão apoiar incondicionalmente o governo. A base aliada analisará cada matéria proposta pelo governo individualmente, caso a caso. Certamente a dificuldade de articulação no Congresso já entrou no radar, não só de analistas, mas da política.

Como fazer para voltarmos a crescer? Onde estão as alavancas brasileiras?

Não existe bala de prata e tampouco receita de bolo. O que há é um conjunto de evidências na literatura econômica que apontam alguns fatores que contribuem para um maior crescimento, como educação de massas de qualidade, propriedade privada bem definida, ambiente de negócios saudável e abertura da economia ao exterior. O Brasil falha muito em todas essas frentes e o resultado é que a produtividade do trabalho é apenas 20% daquela do trabalhador norte-americano. Precisamos atacar paulatinamente e em paralelo os fatores que deprimem nossa produtividade. Certamente isso envolve a reavaliação de políticas públicas equivocadas, como as muitas renúncias tributárias que geram má alocação de recursos e injustiças. É necessário cuidar da educação, fortalecer as agências reguladoras, reduzir a insegurança jurídica e abrir a economia. Acredito que uma estratégia de avanços incrementais em várias frentes seria a decisão mais adequada e viável politicamente e teria maiores resultados. Vale também discutir o que não fazer. O intervencionismo estatal seria um equívoco. Precisamos discutir a qualidade do gasto público e não o aumento. Ao mesmo tempo, é necessário desmontar intervenções equivocadas que criam distorções alocativas, como as muitas meias-entradas nas políticas públicas, em que poucos se beneficiam em detrimento de muitos. Parece claro que, nos últimos tempos, temos falado muito de política e de Brasília.

Qual dica a senhora dá para o empreendedor, para quem está tocando o dia a dia de sua empresa? Como enfrentar este cenário?

Conheça seu mercado. As tendências mundiais, as mudanças de hábitos dos consumidores e as estratégias de concorrentes. Faça uma gestão financeira conservadora, pois há muitos sobressaltos no Brasil. Nossa economia é mais volátil comparativamente a outros países. Mas não deixe de inovar, pois manter ou aumentar o market-share demanda agilidade. Não existe mais business as usual (execução normal do negócio). Busque maior diversidade no seu time. Esse é um ativo em um mundo mais complexo. E cuidado com a imagem da empresa em redes sociais. O Brasil é difícil, mas isso não é novidade. Há muitos setores que conseguem se destacar. É essencial estar bem posicionado e ter capacidade de adaptação.

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