Na avaliação do professor Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getúlio Vargas, o maior desafio do próximo presidente da República é a questão fiscal. "Como faremos para, no longo prazo, ter uma situação tranquila, precisa ser o primeiro ponto a ser atacado pelo eleito".
Teixeira enxerga com bons olhos o Teto de Gastos, mas reconhece desgastes e a necessidade de uma flexibilização temporária (bom frisar) por conta do avanço da pobreza. "Em um cenário de pobreza como o que estamos vivendo, teremos de pensar, pelos próximos dois anos, em algo mais flexível, para abarcar os programas sociais".
Também se mostra preocupado com o desemprego e com a baixa qualificação dos profissionais. A volta do crescimento econômico sustentado é fundamental para que o país saia das cordas. O próximo presidente terá bastante trabalho, mas boas oportunidades para vencer os desafios não faltarão.
Qual é o maior desafio do próximo presidente?
São alguns grandes desafios, mas o primeiro deles é resolver a questão fiscal. No governo Michel Temer foi criado o teto de gastos. Há uma controvérsia em cima dele, mas sou favorável, precisamos de um limitador. A questão é que a nossa situação fiscal, caso a gente continue seguindo sem um parâmetro, caminha para, no futuro, termos dificuldades. Um importante um adendo aqui: a pandemia colocou o mundo todo diante do desafio fiscal, os tetos de todos os países acabaram furados por conta da pandemia, afinal, os governos tiveram de colocar muito dinheiro na economia para evitar que desabassem. O que foi feito no auge da pandemia, do ponto de vista econômico, está correto, só que, agora, temos de pensar no daqui para frente. Como faremos para continuar cumprindo os nossos compromissos sem gerar inflação? É muito fácil resolver os compromissos aceitando mais inflação. O mundo todo está enfrentando esse desafio, mas o Brasil não pode se dar ao luxo de encontrar uma solução depois do resto do mundo, precisamos encontrar a solução já. A questão fiscal, como faremos para, no longo prazo, ter uma situação tranquila, precisa ser o primeiro ponto a ser atacado pelo eleito. Ao lado dela tem o problema da empregabilidade. Não é só o problema da falta de empregos, tem também a qualificação. Muitas vezes tem emprego, mas, por conta da falta de qualificação, não tem gente para colocar lá.
Contas públicas e emprego. Dois problemas grandes e que merecem, aqui na nossa entrevista, serem separados. Vamos começar pela questão das contas. Qual é o tamanho do problema e como deve ser a nova âncora fiscal brasileira, dado que o teto de gastos está sendo atacado por todos os lados?
A maneira como o teto foi fixado é inteligente (prevê um limite de aumento de gastos para o governo atrelado ao aumento da inflação medida pelo IPCA do ano anterior), impede que o governante suba os gastos só porque a arrecadação daquele ano subiu. Vamos precisar construir um caminho. Sou um entusiasta do teto, acho que é uma maneira eficiente e inteligente de segurar as contas públicas, mas, claro, temos de ouvir outras propostas. Se surgir algo melhor, ótimo. O fundamental é ter um limite e o motivo é muito simples: no passado, nossos governantes trabalharam, de uma certa forma, sem um teto. Isso criou um endividamento para a nossa sociedade que está no limite da nossa capacidade de pagamento (a dívida do governo chegou a 89% do PIB no auge da pandemia, hoje está abaixo dos 80%). É importante colocar um freio agora para que, lá na frente, tenhamos uma folga. Não é bom chegar ao limite do endividamento, que é o 100% do PIB. Importante lembrar que se a economia crescer, a situação fica melhor, não é necessário cortar o tempo todo. É trabalhar nas duas pontas.
E a pobreza? Muita gente argumenta que o teto precisa ser flexível por conta do empobrecimento da população que, consequentemente, precisa de mais ajuda.
Diante do tamanho do endividamento que nós temos, é preciso um teto bastante rígido, sem flexibilidade. O fato de não ser flexível é ruim, mas, diante do cenário, é necessário. Agora, em um cenário de pobreza como o que estamos vivendo, teremos de pensar, pelos próximos dois anos, em algo mais flexível, para abarcar os programas sociais. A pobreza é uma herança da pandemia, temos de enfrentar e dar os instrumentos para isso. Só que temos de dar previsibilidade. Até quando vai isso? Temos de fazer de modo que não seja para sempre. De novo, o crescimento econômico vai ser fundamental para a conta fechar em bons termos. Temos de dar as condições para isso.
Ricardo Teixeira
Professor FGV
"Tem o problema da empregabilidade. Não é só o problema da falta de empregos, tem também a qualificação. Muitas vezes tem emprego, mas, por conta da falta de qualificação, não tem gente para colocar lá"
A questão da empregabilidade também só será resolvida com a volta do crescimento. O que fazer?
O mundo está passando por dificuldades, mas haverá um esforço enorme para a retomada do crescimento. E isso vai acontecer. Do que o mundo vai precisar quando o crescimento for retomado? Temos de estar preparados para isso. Veja o caso do agronegócio brasileiro, foram décadas de desenvolvimento, quando o mundo precisou, estávamos prontos para entregar. É isso que temos de fazer. Temos o agro, mas também podemos ampliar e modernizar o nosso parque industrial com o objetivo de exportar. Nosso setor metalmecânico (indústria metalúrgica), se modernizado, tem muito para oferecer. Muitos países deixaram isso de lado. É estudar as demandas e fortalecer esses setores via crédito.
E a transição energética e o nosso patrimônio ambiental? Como senhor enxerga essas potencialidades?
Muito potencial nas duas áreas. Na parte ambiental eu vejo, hoje, dificuldades principalmente com o pequeno proprietário. Ele não consegue enxergar vantagens em preservar, o dinheiro não chega de maneira satisfatória. Acho que o Brasil tem todas as condições de sentar à mesa de negociações para atrair recursos de fora por estar preservando suas florestas. Trata-se de uma questão mundial, não apenas brasileira. Essa pode ser uma das alternativas para remunerar principalmente os pequenos produtores. Hoje temos essa dificuldade. Na parte da transição energética, acho que o Brasil já está em um bom caminho e o mundo enxerga aqui ótimas possibilidades. É algo que vai crescer e nos ajudar bastante, sem dúvida.
Muito se fala no debate eleitoral na possibilidade de virarmos Argentina, Venezuela... Tem algum fundo de realidade?
Não vejo riscos. Pelos menos não no curto prazo. Acho que tanto situação quanto oposição, cada uma à sua maneira, tomarão as medidas para colocarem o país distante de um risco fiscal. Só é importante analisarmos porque esses países chegaram à situação que se encontram hoje. Estão nessa porque foram várias decisões erradas ao longo do tempo. O país tem muitas oportunidades, não acho que deixarão passar todas. O importante é que os melhores governos são os equilibrados, que não vão nem muito para um lado e nem muito para o outro. Mesmo com alternância de poder, com alternância de ideias, o importante é estar no caminho do equilíbrio. O radicalismo sempre traz distorções.
Como o senhor está enxergando o ano de 2023?
Temos algumas interrogações aqui dentro e lá fora. Vejo o mundo, a China inclusive, se esforçando muito para voltar à rota do crescimento. O ano deve começar devagar, mas acho que pode surpreender com o passar dos meses. O Brasil tem todas as condições de ser um dos primeiros países a voltar para os trilhos do crescimento. Mas o presidente eleito tem que começar a trabalhar cedo e dar sinalizações positivas. Fazendo isso, teremos consistência de crescimento, o que não temos agora. Hoje, temos uma boa notícia aqui e outra acolá. Fazendo o que precisa ser feito, teremos boas notícias em sequência, não tenho dúvidas sobre isso. Temos condições de estarmos bem preparados do ponto de vista governamental e também empresarial, e isso é muito importante. Nosso empresário é extremamente empreendedor e criativo, normalmente o que falta para ele é financiamento. Crédito de qualidade é fundamental para estarmos na dianteira dessa retomada.
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