Jorge Pinheiro Machado, 61 anos, fez carreira no mercado financeiro e, há pouco mais de dez anos, percebeu que havia um movimento interessante dentro da chamada economia verde. Decidiu ir para a área e hoje preside o R20 (Regions of Climate Action), organização criada por Arnold Schwarzenegger, no Brasil.
Ele esteve em Vitória na semana passada, participando do seminário Sustentabilidade Capixaba. Durante o evento, o R20 assinou dois acordos de estudo de viabilidade com a Cesan: um para aumento da eficiência energética e outro para a utilização do lodo que sobra nas estações de esgoto para a fabricação de hidrogênio. O trabalho do R20, que está se espalhando pelo planeta, é justamente este, tirar do papel projetos sustentáveis.
Pinheiro Machado se aproximou muito do governador Renato Casagrande nos últimos tempos por conta do Consórcio Brasil Verde, formado por 21 estados e que tem o objetivo de construir programas de mudanças climáticas e planos de neutralidade de carbono sem depender do governo federal. Casagrande é o presidente e o R20 assessora a entidade.
O senhor é um empresário e investidor que abraçou a causa da economia verde. Por quê?
Tenho de ser sincero que, lá atrás, quando eu comecei, entendia isso como um nicho novo de atuação profissional. Algo que me desafiava. Só que, com o passar do tempo, fui entendendo que o que era um nicho estava virando uma bola de neve, atraindo cada vez mais gente, apoiadores e empresários atuando nessa área. A ciência já disse o que temos de fazer, o planeta está aquecendo, as consequências, da maneira como está, serão desastrosas, é preciso barrar essa trajetória. O ponto agora é como fazer isso. Defendo que precisamos de estabelecer um processo, afinal, não se vira um transatlântico dando um cavalo de pau. Precisamos ter uma condução mais firme nesse sentido e alguma coisas interessantes estão acontecendo. Veja a questão do painel solar, o custo disso baixou fortemente nos últimos anos, assim como no caso da eólica e com as baterias. A tecnologia ajuda muito. Quanto mais escala você tem, mais baixo vai ficando o valor.
É nessa hora de fazer as conexões que entra o R20, instituição que o senhor comanda aqui no Brasil? O que é o R20?
O conceito do R20 é perpetuar o modelo que o ex-governador Arnold Schwarzenegger fez na Califórnia. É criar links entre a indústria da tecnologia verde, os agentes financiadores e os demais entes subnacionais. O Ban Ki-moon, então Secretário-Geral da ONU, sugeriu que se oficializasse isso dentro de uma nova rede, aí, em 2011, nasce a Regions of Climate Action. O objetivo é integrar as tecnologias verdes e os agentes financiadores às necessidades dos agentes subnacionais. Estados e municípios não precisam aguardar o governo federal agir. Nos Estados Unidos, mesmo nas gestões (George W.) Bush e (Donald) Trump, a Califórnia avançou sob o aspecto ambiental e hoje é a região mais avançada do mundo nessa questão da economia verde. Estou falando de lei ambiental, qualidade do ar, qualidade da água, painéis solares, modelagem de crédito de carbono, enfim, está tudo ali desenhado. Com a vantagem de que republicanos e democratas se revezam no poder, mas as políticas continuam. É algo de Estado, não de governo ou de algum líder.
"Ação" está no nome do R20. Está clara a intenção de sair do debate e partir para a ação. Quais são os projetos mais destacados no Brasil e aqui no Espírito Santo?
Temos um projeto com a Eletrobras em uma tentativa de modernização das hidrelétricas. Estamos ajudando a colocar de pé um fundo que vai investir exclusivamente em tecnologia verde e azul, chamado Fundo Brasil Verde e Azul, que será lançado em pouco tempo. Aqui no Espírito Santo nós estamos tocando dois projetos: a ampliação da eficiência energética da empresa de saneamento do Estado, a Cesan, e estudando a possibilidade de produzirmos hidrogênio a partir do lodo, subproduto das estações de tratamento de esgoto da Cesan. Esses são alguns dos principais. Vemos o Brasil como o maior potencial para a economia verde no mundo. O R20 está tentando estar em vários setores, deixar o modelo, e deixar que a própria sociedade escale com isso.
Qual é a alternativa sustentável, para a floresta e para a economia, na Amazônia?
Há alguns debates interessantes. Muito se fala em receber para manter a floresta em pé. Se a gente conseguir, é bom, mas algumas personalidades internacionais questionam o seguinte: 'você quer que eu pague para você cumprir a lei do seu país?'. Eles sabem que aqui não pode desmatamento ilegal, das regras de preservação e todo o resto. Difícil explicar que, mesmo não podendo, o desmatamento ilegal está aí. Acho que a solução passa pelo desenvolvimento da bioeconomia (modelo de produção em larga escala baseado no uso de recursos biológicos, que ofereça soluções para a sustentabilidade dos sistemas produtivos). O fato é que temos 25 milhões de pessoas morando lá, elas precisam de saneamento, saúde, educação e de renda, portanto, a bioeconomia pode ser a solução para o desenvolvimento sustentável de toda aquela região. Estou falando de reflorestamento de áreas degradadas para fins econômicos. Em Paragominas, no Pará, isso aconteceu. É possível gerar renda a partir da floresta em pé, mas tem de dar as condições. Quem está no vermelho, quem está com fome, não vai olhar para o verde. É importante darmos o básico para que isso comece a decolar.
Jorge Pinheiro Machado
Presidente do R20 no Brasil
" Defendo que precisamos de estabelecer um processo, afinal, não se vira um transatlântico dando um cavalo de pau. Precisamos ter uma condução mais firme nesse sentido e alguma coisas interessantes estão acontecendo."
Quando a gente participa de fóruns sobre clima ou economia verde, quase sempre as soluções parecem fazer total sentido do ponto de vista econômico e também da nossa sobrevivência, mas, na prática, são ações que muitas vezes demoram ou simplesmente não saem do discurso. O próprio governador Renato Casagrande, que é presidente do Consórcio Brasil Verde, reconheceu isso em discurso recente. Isso também fica claro nas conferências do clima organizadas anualmente pela ONU. Qual é a real dificuldade?
Tenho uma opinião peculiar sobre isso. Há um conceito de querer transformar a Índia na Bélgica da noite para o dia. Aí, para fazer isso, é preciso adotar o melhor modelo. Só que para adotar o melhor modelo existente, é preciso fazer o diagnóstico. Depois do diagnóstico, você precisa ir para o planejamento... Só aí você já consumiu boa parte dos recursos e nada foi para o projeto lá na ponta. Não estou dizendo para fazer de qualquer jeito, mas preciso de consultoria para ela me dizer o óbvio? Não. Posso usar o bom senso e fazer a coisa andar. É um processo que chamo de walking and learning - andando e aprendendo. Claro, tudo dentro de um processo que me permita fazer correções rapidamente. Tecnificar demais, na minha visão, é o grande mal, atrasa demais. O dinheiro fica no meio e não vai para a ponta.
A transição energética é mesmo uma grande oportunidade para o Brasil?
Sim, via hidrogênio. Temos uma energia mais barata, limpa e mais perto da Europa, que é quem mais está demandando. O mais interessante é que oferecendo para a Europa, o Brasil viabiliza plantas de produção que fornecerão energia também para o consumo interno, para a indústria nacional, o que é fundamental.
O empresário que não compreender o movimento que está acontecendo está colocando a perenidade de seu negócio em risco?
Totalmente. Cada vez mais ele terá dificuldade para acessar capital para financiar o seu negócio. Se não implantar os requisitos básicos da agenda ESG (meio ambiente, social e governança), os juros ficarão mais altos. Há também a possibilidade de a instituição financeira simplesmente não disponibilizar o recurso. Começa por aí. Além disso, o próprio consumidor do seu produto, o seu cliente, começa a exigir sustentabilidade na sua cadeia de produção. Se o empresário não compreender o movimento que estamos vivendo, corre o risco de virar um sapo na panela (diz a lenda que, se jogarmos um sapo numa panela, enchê-la com água da lagoa e, aos poucos, formos aquecendo a panela, o sapo ficará sem reação, só que, sem perceber que a água está fervendo aos poucos, ele acaba morrendo).
O Brasil está bem posicionado no debate sobre as questões climáticas, que cada vez mais terão peso na cena mundial, ou segue cometendo equívocos?
Tudo é uma questão de credibilidade. Na COP de Paris (em dezembro de 2015), estávamos lá sentados dando lições nos Estados Unidos. Só que, depois disso, perdemos a credibilidade. A nova administração federal abriu as portas se comprometendo com as questões sociais e ambientais, o que é um avanço. Mas hoje temos dois problemas. Há uma montanha de dinheiro anunciado para doação nessas áreas. Ok, mas temos capacidade para estruturar projetos, implementar e monitorar? Essa é a grande questão nossa e também dos doadores. A outra coisa é que temos, de fato, um enorme potencial na economia verde, com capacidade para acabar com as mazelas do país, só que faltam, no mundo todo não é só aqui, projetos que equilibrem o social, o econômico e o ambiental. Tem muito dinheiro disponível, mas faltam ideias que param de pé. Não estamos preparados ainda para estruturar projetos em escala. Não estamos mais isolados do mundo, mas temos de ter a capacidade de estruturar os projetos, implementar e mostrar resultados, sob pena de perdermos credibilidade pelo excesso.
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