Antonio Batista da Silva Júnior, presidente da Fundação do Dom Cabral, uma das mais relevantes escolas de negócios do Brasil, conhece como poucos as empresas do Brasil. A organização que ele preside presta serviços, há décadas, para empresas, empresários e executivos de todo o país. O executivo fala sobre os desafios atuais da liderança e sobre os novos papéis assumidos pelas empresas.
Nessa troca de ideias com a coluna, ele dá alguns alertas relevantes. "A criatividade não se dá na rotina, a inovação não se dá na rotina, a pessoa precisa de espaço mental para poder criar, precisa de um espaço de tempo para poder criar... É importante o ócio criativo, só que, muitas vezes, o tempo do ócio não é no tempo da produção, do resultado e da performance que a empresa espera".
O executivo esteve em Vitória participando das comemorações dos 25 anos de parceria entre a Fundação Dom Cabral e a DVF aqui no Espírito Santo.
Como liderar em um momento de tantas e tão velozes mudanças tecnológicas e comportamentais?
De fato estamos vivendo em um mundo de muitas mudanças e que acontecem de maneira muito rápida em todos os campos. No capitalismo - que é o melhor sistema e que nos trouxe até aqui com grandes avanços econômicos e de bem-estar para a humanidade - notadamente há vencedores e perdedores. Isso acaba jogando uma pressão muito forte sobre o papel das empresas, afinal, são uma reserva de competência que a sociedade tem. Diante disso, as empresas estão precisando se reinventar, incorporando pautas que antigamente não eram típicas delas, eram pautas de governo. Me refiro à discussão do clima, da sustentabilidade, da inclusão social... É um novo papel de uma empresa que precisa ser legitimada pela sociedade para sobreviver. No século passado, a empresa era meramente um agente de produção econômica, hoje, é um agente de bem-estar social. Claro, precisa dar lucro, o lucro é importante, mas ela é muito mais do que isso. Precisa gerar riqueza para os acionistas, mas também para os públicos que estão no seu entorno. Portanto, liderar ficou mais complexo. O líder, hoje, precisa ser muito mais um agente do progresso do que um escravo da performance e do resultado. Ele precisa ter altas aspirações, elevar a barra de aspiração da empresa, olhar o longo prazo, trazer as pessoas para o jogo e energizá-las na direção dos resultados desejados. É um desafio novo, complexo e que exige mais dele o papel de grande mobilizador.
Está mais difícil do que foi no passado?
É um ponto interessante. Não acho que o mundo está mudando mais ou menos do que sempre mudou. As mudanças sempre estiveram aí e sempre foram velozes. Eu escutava essa mesma conversa nos anos 80 (risos). O que mudou foi a natureza da mudança, o tipo. Hoje, a mudança é em direção de uma sociedade mais inclusiva, afinal, é inaceitável vivermos nesse apartheid social que o Brasil em particular vive. Tem a questão da tecnologia, que deu mesmo uma acelerada, mas nada muito diferente do que a gente já viveu. A diferença fundamental é que os muros da empresa caíram, ela está assumindo papéis que não eram dela. É uma migração de entregas para a sociedade que, no passado, ficavam apenas com o governo.
Quais os cuidados a empresa deve tomar na hora de explicitar a sua personalidade?
São quatro aspectos importantes. Qual é a estratégia, a visão de longo prazo? Ela precisa ter um alto propósito que queira atingir e isso precisa estar claro entre os colaboradores. É colocar o Norte e estabelecer a estratégia para chegar lá. Em segundo lugar, os processos precisam ser eficientes. Processos de inovação, de custos... É o bilhete para você entrar no jogo. Minimamente você precisa ter qualidade, eficiência e produtividade. O terceiro ponto é desenvolver as pessoas e a cultura. A empresa que não desenvolve pessoas está fadada a morrer. A empresa é do tamanho da cabeça do seu time, se seu time tiver a cabeça pequena, a sua empresa não vai crescer. Educar precisa ser algo constante. O quarto aspecto passa por estabelecer uma boa governança. Falo, por exemplo, de processos sucessórios, que pegam muito nas empresas familiares. São quatro os pilares que a empresa precisa dominar: estratégia, processos, equipe e governança.
Antonio Batista da Silva Júnior
Presidente da Dom Cabral
" Não acho que o mundo está mudando mais ou menos do que sempre mudou. As mudanças sempre estiveram aí e sempre foram velozes. Eu escutava essa mesma conversa nos anos 80 (risos)"
As palavras "inovação" e "transformação" estão na boca de todos os empresários e executivos. Como estabelecer esse processo sem 'afogar' as equipes?
É um fator que precisa ser cuidado. A criatividade não se dá na rotina, a inovação não se dá na rotina, a pessoa precisa de espaço mental para poder criar, precisa de um espaço de tempo para poder criar... É importante o ócio criativo, só que, muitas vezes, o tempo do ócio não é no tempo da produção, do resultado e da performance que a empresa espera. Tem que dar tempo, criar espaços de reflexão sem necessariamente estar vinculados a metas, enfim, estimular o aparecimento das ideias ouvindo o contraditório e as opiniões. Pode parecer caótico no começo, mas isso vira o jogo se a empresa souber gerenciar esse manancial de ideias que vão surgir e que lá na frente se transformarão em inovação.
É processo o tempo todo...
Exato. Todo esse processo pode e precisa ser gerenciado. Não é sufocando, a criatividade vem do espaço livre. Imaginação não é algo mecânico, ela é espontânea.
No meio de todo esse turbilhão de inovação e transformação digital, o que as empresas estão deixando de crucial para trás?
Vejo muito, não em todas, claro, as empresas olhando muito para a concorrência. Quando você olha demasiadamente para o outro, você tende a copiar o outro. O que fica faltando? A sua originalidade, o seu diferencial, o seu modelo. Preocupe-se menos com o seu concorrente e preocupe-se mais com você mesmo, com o que você faz de bom, com o que você faz respeitando a sua vocação, as suas competências. As competências que você tem, só você tem. Se a sua empresa é vencedora, é porque você tem boas competências. Invista nisso, não tente imitar o outro. Acho que está sobrando imitação e faltando originalidade dentro das empresas.
Outro desafio dos nossos tempos é a renovação do conhecimento. Como se manter atualizado?
A cada cinco anos o conhecimento se renova. Isso é um fato. O volume de informações e de conhecimento gerado é estonteante e não dá tempo de acompanhar tudo. O que você aprende em cursos e na faculdade caduca alguns anos à frente. O executivo precisa ter a coragem de desaprender e aprender novamente. Tem de ter a coragem de abdicar de posições pré-concebidas e abrir-se para o novo. A saída é a educação permanente. Só o conhecimento salva.
Como o senhor está enxergando o momento econômico do Brasil? Qual é o cenário?
O Brasil sempre tem condições. É um país rico, rico de recursos, de muitos talentos, ou seja, tem plenas condições de ter um crescimento sustentado, coisa que não conseguimos ter nos últimos 40 anos. O Brasil tem uma crônica incapacidade de sair da armadilha da renda média. Precisamos de educação para avançarmos na produtividade, além de algumas outras pautas relevantes. A questão da transição climática, o Brasil pode liderar isso no mundo, e a inclusão social. É um crime termos a disparidade social que continuamos a ter. Não podemos, no século XXI, conviver com isso. O Estado brasileiro precisa entregar resultados e eficiência, independente de esquerda ou direita. Precisamos de reformas, todas são urgentes, necessárias e bem-vindas. A gente se acostumou com reformas que chegam atrasadas e com perda de potência. Como atrasam, acabam sofrendo mais pressão contrária dos grupos de interesse. Sem elas, que precisam ser constantes, não avançaremos. Temos, por ora, que terminar a tributária e andar com a administrativa, mas me refiro também à educação, à política, à previdência... As reformas não podem parar nunca, é uma atualização constante.
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