Inteligência artificial, aprendizado das máquinas (machine learning), internet das coisas, 5G... Todos esses termos passaram a fazer parte das nossas vidas nos últimos anos. É a famosa transformação digital. Na sociedade como um todo - dentro de casa, nas relações de consumo, nas relações interpessoais e dentro da empresas - o impacto é forte, veio para ficar e, mais, se aprofundar.
No serviço público, como quase sempre, a coisa anda mais devagar. A mudança de mentalidade para tornar a máquina pública mais moderna e acompanhar os novos anseios da sociedade já tem alguns bons exemplos, mas ainda vive na base de espasmos. Cada vez mais a sociedade está pressionando União, estados, municípios, Legislativo e Judiciário por mais, melhores e menos custosas entregas. A iniciativa privada está provando que é possível.
Na última quarta-feira (31), o ES em Ação organizou um seminário para debater o assunto. Um dos participantes era Breno Coelho, diretor de Relacionamento da Gove Digital, empresa de São Paulo especializada em criar soluções para melhorar a eficiência dos serviços prestados por governos, especialmente prefeituras. Trata-se de uma govtech, no jargão das startups. "Eficiência é a melhor definição. É possível entregar mais qualidade com menos recursos, financeiros e também humanos".
A Gove Digital já recebeu o reconhecimento de instituições como o MIT (Massachusetts Institute of Technology), e investimentos vindos do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e grandes fundos de investimento.
A transformação digital do poder público é o caminho mais curto para uma "reforma administrativa"?
A gente já vê essa transformação digital nos mais diversos setores. Qual foi a última vez que você foi ao banco? Isso torna o cidadão mais exigente, afinal, ele está vendo isso acontecer em todos os lugares. Se eu posso ter algo de maneira mais fácil, ágil, acessível e com qualidade, que é o que está acontecendo em todas as outras áreas, eu também vou querer isso no setor público. É óbvio que o cidadão já demanda isso. Sociedade pede pela transformação digital do serviço público. Se pegarmos o histórico, observamos que o processo de digitalização do setor público, no começo, foi simplesmente transferir a burocracia analógica, que estava no papel, para dentro de um computador. Isso não é transformação digital. Transformação digital é pensar todos os processos, o valor que você entrega, com o cidadão no centro do processo, ouvindo dele as demandas. Daí você conseguirá fazer uma reformulação na maneira de fazer, que certamente será muito mais digital. O cidadão quer algo mais eficiente, esse algo certamente será mais barato para o poder público, afinal, demandará muito menos gente, guichês... enfim. Vejo que a tecnologia é sim uma maneira de deixar os serviços muito mais eficientes e mais baratos para o Estado, portanto, poderíamos sim comparar com uma reforma administrativa. Só temos que deixar claro que não é um simples "tirar do papel", tem de ser uma transformação na forma de fazer, como já vimos em outras áreas.
Não se trata apenas de uma economia de recursos, mas de entregar mais e melhor, não é isso?
Eficiência é a melhor definição. É possível entregar mais qualidade com menos recursos, financeiros e também humanos.
Vamos ser mais práticos. O que pode melhorar de fato na entrega para o cidadão?
Importante isso. Assim como muita gente entende que transformação digital é digitalizar papel, e isso está errado, também é um equívoco acreditar que transformação digital é apenas melhorar os processos internos do serviço público. Melhorar processos internos é bom, mas o cidadão precisa ser atingido diretamente, é isso que ele deseja. Ele quer tirar um documento com facilidade, agilidade, por meio de um aplicativo, sem precisar se deslocar, enfrentar filas, imprimir documentos, assinar um monte de guias e tudo mais. Muitas vezes o cidadão está devendo alguma coisa para a prefeitura, mas ele nunca foi nem lembrado sobre, ele é cobrado depois de muito tempo. É algo que está completamente fora da realidade atual, assim como agendamento de consultas e tantas outras situações. Claro que temos bons exemplos, mas a média segue muito ruim. Outra coisa que não podemos esquecer é a questão da inclusão. Quando falamos de transformação digital, tendemos a levar tudo para o digital, mas temos de lembrar das pessoas que não têm acesso. Portanto, no meio disso tudo, tenho de proporcionar o acesso à internet ou proporcionar meios alternativos de acesso ao serviço. A transformação digital é para incluir.
Breno Coelho
Diretor da Gove Digital
" Se eu posso ter algo de maneira mais fácil, ágil, acessível e com qualidade, que é o que está acontecendo em todas as outras áreas, eu também vou querer isso no setor público "
Já temos bons exemplos que podem ser citados?
Sim. Hoje, se você não pagar uma conta de telefone, rapidamente receberá um SMS da operadora te lembrando do débito. Isso é estreitar o relacionamento. Várias prefeituras já estão fazendo a mesma coisa com seus contribuintes, não apenas lembrando de débitos, mas também sobre benefícios. O WhatsApp está na mão de todo mundo, é uma ótima ferramenta de aproximação. Até o envio de dados e eventuais documentos pode ser feito por aí. É uma mudança de pensamento, muitas ferramentas já estão aí.
Como ficariam os cartórios?
Já temos alguns avanços, mas o atraso ainda é grande. Poxa, ainda reconhecemos firma... Pelo sistema do governo federal já temos reconhecimento facial. Por que ainda preciso ir ao cartório reconhecer firma e pagar uma taxa? A situação dos cartórios é um caso clássico do atraso que ainda toma conta do nosso cenário dentro dos serviços de utilidade pública.
Por que é tão difícil fazer a transformação dentro do serviço público?
Tem que ter apoio político, uma agenda que priorize isso. E eu também acho que temos um problema de comunicação, é difícil entender o que é transformação digital, precisamos falar mais sobre isso. Tem gente que acha que é melhorar processos internos, tem quem ache que é passar do papel para o digital, tem até os que pensam em câmeras de segurança... É algo que vai muito além. Temos de ouvir o cidadão, disponibilizar serviços na versão mobile, infraestrutura, formação em tecnologia para os servidores, ter e saber usar as informações já disponíveis e por aí vai. É um conjunto de iniciativas, não é uma coisa só. É mudar a forma de pensar. Os municípios são muitos, mas as entregas são muito parecidas, o que temos hoje de tecnologia permite uma união na inteligência de entrega, que não era possível há alguns anos. Municípios não são competidores, trocar informações e se juntar é um caminho. Não precisamos reinventar a roda, já tem muita coisa disponível no governo federal, nos Estados e também nas empresas. O fim da transformação digital é um melhor serviço de saúde, um melhor serviço de educação, facilitar a vida do contribuinte, ou seja, é um ótimo meio para entregar melhores serviços para a sociedade.
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