Querido paciente,
Lamento o que está sentindo, sei que não veio até meu consultório tomar um café e conversar sobre o clima. Posso imaginar que esteja contrariado com sua situação e cansado de contar novamente sua história. E que sua pasta de exames não reflete exatamente o que sente.
Entendo que sua rotina já mudou bastante desde o início dos sintomas e que você já deixou de fazer muito do que gostava. Percebo que seu convívio social está reduzido e que eventualmente você se acha “a pessoa chata” daquele grupo. Seus horários são diferentes, lugares barulhentos e muito iluminados não te atraem mais, que troca qualquer evento por uma cadeira confortável e a comida daquele restaurante que todos amam te faz muito mal.
Você toma estimulantes para acordar, não tem mais apetite, precisa de uma ajudinha para o funcionamento intestinal, passa o dia sonolento e sem concentração, esquece o horário dos remédios (que nem sempre cessam sua dor), perde a paciência facilmente, não tem mais libido e não dorme sem comprimidos. Conviver com dor crônica não é fácil.
Sua equipe de cuidados em saúde sugere que faca exercícios, você revira os olhos e diz que com essa dor não será possível. Você depositou toda a sua confiança em um único profissional da saúde com a crença e a esperança de que ele resolveria sua queixa. Ou então, você já passou por todos os consultórios da cidade, já tentou várias condutas, já buscou muitos “gurus”. Seus amigos já receitaram plantas milagrosas, você já apelou para as simpatias.
E então, sorridente te recebo na porta e me intriga saber como posso te ajudar. Você me diz que não aguenta mais sentir dor e quer que eu faça alguma coisa. Você terceiriza a mim um dos seus bens mais preciosos, sua saúde. Meu caro paciente, eu poderia te oferecer tanto! Apesar disso, tentarei agir somente no que você precisa. Como sua fisioterapeuta, não oferecerei um número mágico de consultas, nem mesmo técnicas que prometem curas milagrosas. E o que você precisa? No fundo, você mesmo sabe.
Para facilitar esse processo, quero muito te conhecer, mas você se conhece?
- Quando começou sua queixa de dor?
- Como estava sua vida nesta época?
- Você sabe o que fazer para não entrar em crise de dor?
- Você sabe o não fazer para não entrar em crises de dor?
- Sabe o que fazer para sair de uma crise, se eventualmente acontecer?
- Quais são as estratégias que você desenvolveu ao longo do tempo para manter a realização das suas atividades?
- O que você acha que já não pode mais executar?
- Por que acha que não pode mais executar?
- Quanto você está disposto a mudar para melhorar?
Durante todo o tempo dedicado à nossa consulta, minha atenção será sua, mas durante o resto do tempo fora do consultório você deve fazer o mesmo, voltar-se para si e priorizar bons hábitos. Querido paciente, o item mais importante da sua caixinha de remédios e da sacola de exames é a informação. Não estou falando de recomendações de WhatsApp. Sinto-me na obrigação de te informar sobre boas escolhas. Seu sono é importante, sua alimentação é importante, seus hobbies, amigos e família, sua espiritualidade... Sua cura não está na retirada da sua queixa de dor e sim em como você leva a vida.
No fim de todo esse processo, aprendemos juntos. A cada avanço e descoberta você se torna mais independente. O peso e o tamanho da dor tendem a mudar. No dia da nossa alta fisioterapêutica, espero te receber com um sorriso e que você possa sorrir de volta e que na despedida possamos brindar com um café o dia bonito lá fora e o clima maluco que vivemos na última semana.
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