Advogado trabalhista, coordenador do curso de especialização em Direito do Trabalho da FDV e torcedor fervoroso do Botafogo. Neste espaço, oferece uma visão crítica e abrangente para desmistificar os conceitos trabalhistas e promover um entendimento mais profundo das dinâmicas legais das relações de trabalho

Justiça do Trabalho não pode ser tratada como bet ou casa de apostas

A legislação trabalhista já prevê mecanismos para evitar abusos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recentemente aprovou um ato que reforça a validade de acordos extrajudiciais homologados, garantindo quitação geral e evitando litígios futuros

Vitória
Publicado em 08/10/2024 às 02h00

A Justiça do Trabalho tem uma função vital no Brasil: garantir que os direitos dos trabalhadores sejam respeitados e promover o equilíbrio nas relações entre empresas e empregados. Mais do que aplicar leis, sua missão é proteger a dignidade do trabalhador e assegurar justiça nas interações profissionais.

No entanto, para que isso continue de maneira eficiente, é crucial que essa seriedade não seja desvirtuada por ações irresponsáveis ou por tentativas de obter ganhos sem embasamento legal.

Infelizmente, nos últimos anos, temos visto um aumento no número de ações que tratam a Justiça do Trabalho como um campo para “aventuras jurídicas”. Alguns reclamantes, confiantes na falta de consequências financeiras, entram com processos sem fundamento ou exagerados, na esperança de conseguir algum ganho.

Esse comportamento distorce o verdadeiro propósito da Justiça do Trabalho, que deve ser um meio de reparação de direitos violados, e não um espaço para “testar” demandas. Essa atitude irresponsável sobrecarrega o sistema e prejudica a confiança do público na instituição.

Se compararmos essa situação com sites de apostas, como as bets, vemos uma semelhança no comportamento de alguns litigantes. Eles enxergam a Justiça como uma aposta: com riscos baixos e potencial de ganhos altos, mesmo sem um caso sólido. No entanto, a Justiça do Trabalho deve ser um local de seriedade, onde casos são avaliados com base em fatos e na legislação vigente. Para garantir isso, é fundamental que as partes assumam a responsabilidade por suas ações, levando ao tribunal apenas casos com respaldo legal.

A legislação trabalhista já prevê mecanismos para evitar abusos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recentemente aprovou um ato que reforça a validade de acordos extrajudiciais homologados, garantindo quitação geral e evitando litígios futuros. Esse tipo de medida já estava presente nos artigos 855-B a 855-E da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mostrando que o legislador já antecipava a necessidade de soluções consensuais que evitem a judicialização excessiva. O problema, no entanto, está menos na falta de normas e mais na falta de responsabilidade financeira de quem aciona o Judiciário.

A responsabilidade financeira é um desafio central para a Justiça do Trabalho. Muitas vezes, os reclamantes se beneficiam da justiça gratuita para litigar sem qualquer risco financeiro, mesmo quando poderiam arcar com os custos processuais. A reforma trabalhista de 2017 trouxe um avanço nesse sentido, ao criar os honorários de sucumbência, responsabilizando o trabalhador derrotado pelos custos processuais, exceto quando este estivesse amparado pela justiça gratuita.

Contudo, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que declarou inconstitucional o §4º do art. 791-A da CLT foi um retrocesso. Isso permitiu que, mesmo com créditos suficientes, trabalhadores não sejam obrigados a pagar esses honorários, incentivando uma litigância menos cautelosa.

Outro ponto preocupante é a concessão indiscriminada de justiça gratuita a trabalhadores com salários superiores a R$ 3.114,41, contrariando a legislação vigente (artigo 790, §3º da CLT). A justiça gratuita foi criada para assegurar o acesso ao Judiciário daqueles que realmente não têm condições de pagar, mas seu uso abusivo cria um incentivo perverso: o reclamante litiga sem enfrentar qualquer risco financeiro, independentemente do resultado. Isso prejudica os que realmente necessitam do benefício e distorce seu propósito original.

Nesse contexto, é urgente que todos os atuem com mais responsabilidade. A justiça só pode ser feita quando o Judiciário é usado de forma consciente e equilibrada. É preciso que os juízes analisem com rigor a concessão da justiça gratuita, reservando esse benefício apenas para aqueles que realmente precisam, como estipula a CLT.

TRT
Sede do Tribunal Regional do Trabalho - TRT. Crédito: Carlos Alberto Silva

Somente assim, a Justiça do Trabalho poderá continuar a desempenhar seu papel constitucional de maneira justa, sem se transformar em um campo de apostas ou aventuras judiciais.

A Justiça do Trabalho, ao longo de sua história, mostrou ser uma instituição essencial para a promoção da justiça social e para a pacificação das relações laborais no Brasil. No entanto, para que ela continue desempenhando essa função de forma eficaz, é necessário que haja um compromisso de todas as partes envolvidas – reclamantes, advogados e magistrados – com a seriedade e a responsabilidade que o litígio trabalhista demanda.

A cultura da litigância irresponsável precisa ser combatida, e isso só será possível se houver um alinhamento entre a legislação existente e a sua aplicação, garantindo que o acesso à justiça seja equilibrado e justo para todos.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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