Na quinta-feira, 25 de janeiro de 2024, minha mãe estaria completando 102 anos de idade. O nome dela era Anna Graça, mas era conhecida como Gracinha. Para muito além de esposa de Bolivar de Abreu, homem animadíssimo, competente e de muitas realizações, foi mãe entusiasmada e carinhosa de cinco filhos, sogra adorada, avó amorosa de 16 netos. Seria, hoje, bisavó de 17.
Filha de Chico Braga, um paulista que veio passear em Cachoeiro e se encantou com Rachel Coelho, conhecida por Neném do Frade. Vovô, homem letrado e muito respeitado, foi designado tabelião e pouco depois, nomeado primeiro prefeito de Cachoeiro.
Mamãe era a filha caçula de uma penca de seis, 23 anos mais nova do que o irmão mais velho. Tinha lembranças dos seus tempos de infância, inclusive a da viagem de trem até Marataízes, para ver o Zepelin passar. Uma fotografia comprova que sua irmã mais velha, Carmosina, dirigia um fordeco 29, conversível, levando as irmãs no banco de trás, com mamãe segurando uma bolsinha.
Era irmã de um banqueiro, que nos presenteava com notas novinhas, de um jornalista que fundou um jornal na cidade, da primeira mulher a dirigir carro, de um poeta de mão cheia que organizava carnaval e que inventou o dia de Cachoeiro, de uma irmã que foi se aventurar no Rio de Janeiro e de um cronista que nunca deixou de lado a alma de menino do interior.
Pessoa de muito bom humor, adorava contar histórias do tempo de mocinha, quando começou a namorar firme. Deixou uma grande quantidade de cartas que escrevia para papai, estudando medicina no Rio de Janeiro, como era usual.
Disposta e corajosa, grávida, em 1955 passou a mão nos quatro filhos pequenos e foi-se para La Paz, na Bolívia, para encontrar o marido que lá estava a serviço da Organização Mundial de Saúde. Tempos depois, foram viver em Bogotá, onde a altitude era menos prejudicial pra ele.
Com a viuvez prematura e o valor da pensão bem pequeno, Dona Gracinha respirou fundo e começou a trabalhar fora. Tio Rubem passou a enviar dinheiro mensalmente e mandou um carro pra que eu e Afonso, com 15 e 16 anos, a levássemos e buscássemos no Centro da cidade. Ciumento, ele dizia aos potenciais interessados na irmã: “É bom saber que os filhos dela estão em fase de crescimento e comem muito”.
Pessoa tranquila, confiante e afável, foi vizinha querida e prestativa. Mãe de músico, nossa casa abrigou por anos Os Mamíferos, grupo de rock da pesada. Mãe de nadador, torcia na borda da piscina e na mureta da Avenida Beira-mar. Mãe coruja de formandos, dançou muitas valsas. Mãe de duas mocinhas, jamais impôs limites e estabeleceu condicionantes. Nunca reclamou de falta de dinheiro e adorava entrar num ônibus para viajar.
Com os filhos criados, inventou de estudar pintura. Tanto aprendeu que as nossas casas têm vários quadros dela nas paredes. Tenho uma vista da Lagoa do Siri e um quadrinho muito bonito de vaso com rosas de cores suaves, que vejo todas as manhãs, ao me sentar pra tomar café.
Nesta sexta, a casa estará cheia para comemorar os 40 anos de Diana, nossa caçula, que ameaçou nascer exatamente no dia de aniversário da avó. Ao saber da possível coincidência, voou às pressas pra Brasília para acompanhar a chegada da neta, que só veio à luz no dia 26.
Quando fez 89 anos, fizemos um livrinho sobre ela, com as histórias que gostava de contar, com informações sobre a evolução da família dela, anotadas em um caderninho de estimação, declarações de amor de todos nós, fotografias das suas pinturas e desenhos dos móveis que trouxe da nossa casa de Cachoeiro e que pra lá retornaram para recompor o ambiente em que viveu.
Pois é exatamente esse livrinho que Carol sugeriu que Alice e Gael, seus bisnetos, conhecessem hoje, deixando de lado as telas da TV, dos celulares e do netbook.
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