É engenheiro de produção, cronista e colhereiro. Neste espaço, sempre às sextas-feiras, crônicas sobre a cidade e a vida em família têm destaque, assim como um olhar sobre os acontecimentos do país

Ilha do Boi: quem te viu, quem te vê

Acompanho as obras que estejam sendo feitas em casas antigas da Ilha do Boi, quase todas de dois pavimentos e esquadrias de madeira, alterando o padrão estético que vigorava quando chegamos a Vitória nos idos de 1987

Publicado em 18/10/2024 às 02h30

Tenho andado menos do que deveria, pelas ruas e na areia da praia da esquerda. Isso me traz uma dose de culpa, por saber que caminhar, pelo prazer de andar em ritmo adequado, faz bem pra saúde. Pelos anos que ando por calçadas e asfaltos das redondezas, posso dizer que conheço razoavelmente muito do que está à vista, seus buracos e imperfeições, até a condição das sombras nos diferentes horários das manhãs.

Digo também que acompanho a evolução da produção de frutas que existem nas calçadas, nos quintais e na areia da praia: abricós, mangas, jamelões, cajás, seriguelas, amoras, pitangas e cocos, sem falar nos coquinhos das palmeiras imperiais da pracinha. Aproveito para apreciar as flores que estejam à vista, incluindo acácias, buganvílias, algodão da praia, nuvens azuis, íris, orquídeas, iucas, bromélias e tudo o mais.

Do mesmo modo, acompanho as obras que estejam sendo feitas em casas antigas da Ilha do Boi, quase todas de dois pavimentos e esquadrias de madeira, alterando o padrão estético que vigorava quando chegamos a Vitória nos idos de 1987.

Sábado de carnaval na Ilha do Boi
Praia na Ilha do Boi. Crédito: Fernando Madeira

Tenho acompanhado a construção de casas nos poucos terrenos ainda vazios. Quase todas no estilo caixotes decorados, escondidas por muros altos e coroados com fios de alarme, arames cortantes, farta iluminação e câmeras de vídeo. A preocupação com segurança passou a ser fator determinante na definição dos projetos arquitetônicos.

Já não existe mais o banco comprido que os primeiros moradores instalaram na calçada na parte plana da rua das praias. Dá pra imaginar o tanto de lero-lero amistoso e safadinho que eles praticavam nos fins de tarde. Na nossa rua, quase um terço das casas que existiam passaram por reformas radicais. Umas três delas foram praticamente desmanchadas, para dar lugar a outras, já no novo estilo. Dos moradores antigos restam poucos: as crianças cresceram e foram cuidar da vida e muitos pais se mudaram para apartamentos.

Nas praias, as mudanças também foram relevantes, sobretudo no perfil dos frequentadores e nos esportes que homens e mulheres praticam. Na areia, surgiu a altinha e na água as turmas que praticam natação em busca de saúde e como treinamento para travessias de longo curso. Volta e meia canoas havaianas atracam na areia, para que seus marinheiros de primeira viagem possam descansar e, sobretudo, festejar o fato de estarem fazendo força juntos, em plena manhã ensolarada.

Na semana passada, ao chegar na praia ainda deserta, vi que a areia estava repleta de tanajuras, quase todas já mortas. As vivas, caminhavam sem qualquer objetividade, como que totalmente atônitas. Pelas minhas contas, a revoada daquelas formigas aladas e bunda enorme, foram trazidas pelo vento Terral durante no comecinho da manhã.

Aquela cena me trouxe duas lembranças: a de uma longa revoada de tanajuras saídas de dezenas de buracos no gramado da nossa superquadra em Brasília. O formigueiro devia ser enorme e todo ramificado. Tão logo elas saiam da terra, exercitavam as asas, até então coladas ao corpo, e logo alçavam voo, todas numa mesma direção.

A outra lembrança é de um menino do interior, que ouvia adultos dizerem que farofa de bunda de tanajura era uma maravilha.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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