É engenheiro de produção, cronista e colhereiro. Neste espaço, sempre às sextas-feiras, crônicas sobre a cidade e a vida em família têm destaque, assim como um olhar sobre os acontecimentos do país

Vamos consertar o que estragou

Um dos consertos mais criativos que já fiz: consegui, usando apenas 3 palitos de mesa, fazer o ventilador de teto da casa de um amigo produzir vento refrescante, em noite calorenta, para a felicidade dos convidados

Publicado em 01/11/2024 às 02h30

Definitivamente, sou um homem do tempo antigo. Desses que ainda não se adaptaram totalmente aos tempos modernos, com novidades sensacionais, produtos maravilhosos, valores nem tanto, e impactos diretos na vida das pessoas.

Percebo que muitas vezes sou pego de surpresa ao saber que acabou o que sempre usei, que está sendo atualizado, que existe um novo e assim por diante. Percebo que está em curso um vigoroso movimento em favor da criação de expectativas, ao sabor das decisões e de forças que utilizam o poder do marketing para atrair atenções, e, sobretudo, gerar desejos em grande escala.

Fumante inveterado, ganhei de meu filho Bento um isqueiro Zippo, daqueles com que os bonitões de Hollywood acendiam seus cigarros, em cenas que valorizavam os movimentos e a primeira baforada. Até então eu usava isqueiros Bic, que me fizeram entender que o mundo dos produtos descartáveis estava sendo instalado.

Fiquei atordoado ao constatar que, terminado o gás, seu componente mais barato, o invólucro de plástico, a capa metálica, o sistema com mola e válvula para abrir e fechar, o mecanismo de produzir faísca (com rebolo, pedrinha, mola fininha e pino), vão pro lixo.

Como se sabe, sou um cidadão que gosta de fazer colheres de bambu com ferramentas bem simples. É um servicinho leve, que exige alguma habilidade manual e que pode ser feito em qualquer lugar, inclusive andando na praia.

Tenho claro que aprendi a trabalhar com as mãos ainda menino lá em Cachoeiro. Nos anos de 1950/60, a garotada precisava fazer seus próprios botões de futebol de mesa, porque não tinha onde comprar. A matéria-prima era a casca de coco e as “ferramentas” eram o cimento caracachento das calçadas e os cacos de vidro cortantes.

Além da satisfação de fazer coisas, tenho boa disposição para consertar o que quebrou, estragou, parou de funcionar e tudo o mais que acontece de problema numa casa movimentada. Curiosidade, paciência, habilidade, disposição e desafio são requisitos do sucesso nesta área.

Sou demandado com boa frequência para dar jeito em torneiras, tomadas, portas. Descobri que pedaços de bambu são de grande utilidade para consertar cabos de panelas e facas. Nas pescarias de praia desfazer “cabeleira” de nylon de molinete era um ótimo passatempo quando não tinha peixe.

Muitas vezes, por falta de competência, ferramental adequado e medo de choque, tenho que chamar alguém capaz de resolver a encrenca. Antes, os salvadores da pátria chegavam de ônibus ou de bicicleta, depois de moto e, agora, em camionetes e vans, no melhor estilo de empreendedores de soluções.

Sem falsa modéstia, acabei criando fama e é comum ser chamado para resolver perrengues em casa de amigos e parentes. Beatriz, minha irmã, é uma demandante inveterada. Há pouco tempo dei jeito numa mesa muito antiga que estava com o sistema de expansão do tampo emperrado. Além da sua carinha de satisfação, ganhei também camisa de linho em “pagamento”.

Dentre os mais criativos consertos que já fiz, está o de conseguir, usando apenas 3 palitos de mesa, fazer o ventilador de teto da casa de um amigo produzir vento refrescante, em noite calorenta, para a felicidade dos convidados.

Ferramentas, conserto, parafusos, chave de fenda
Ferramentas. Crédito: Pixabay

Em Brasília, consegui desentupir a pia do lavabo, com um pedaço de cordão grosso. Era daquelas antigas, enormes, com coluna fixada perto da parede, impedindo o uso de ferramentas para desrosquear o sifão. Encasquetado, lembrei que, proeiro que fui, caçava as velas dos barcos usando cabos enrolados em volta de uma peça cilíndrica dotada de catraca. Foi Carol quem me lembrou desse feito.

Há poucos anos, Diana e Nélio acharam uma cadeira de balanço numa caçamba de obras e me desafiaram a recuperá-la. Como o estado dela era deplorável, o serviço de raspação, lixamento e esfregação de breu consumiu uns 10 dias. No YouTube tem vídeo que mostra o que foi feito e, de quebra, o sorriso vitorioso do consertador de cadeira.

Por tudo isso, defendo, com unhas e dentes, que todas as crianças sejam estimuladas a usar as mãos para fazer e consertar. Seria muito bom se cada qual ganhasse uma caixa de ferramentas no Natal.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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