Fui convidado a participar da abertura da Semana de Linguagens na Escola Americana de Vitória, em homenagem a Rubem Braga. Marcelo “Bamba”, músico amigo de Afonso, meu irmão mais velho, veio trazendo pessoalmente o convite e sustentou uma longa conversa na fresca da nossa varanda.
A estratégia pedagógica era pegar os alunos pelas emoções e levá-los a refletir sobre o que um homem bom e íntegro é capaz de realizar. Sempre entendi que a função primordial da escola é formar cidadãos e cidadãs de primeira grandeza, aptos a melhorar o mundo, a começar pelo que esteja ao seu alcance. Para tanto, tio Rubem me parece um ótimo exemplo, por se mover fundamentado em convicções e valores muito bem definidos.
Sugeri que convidassem, também, José Augusto Loureiro, meu colega de Salesiano, que criou e atua numa peça de teatro, na verdade um monólogo, com trechos muito bem escolhidos da vastíssima obra do nosso maior cronista. Fui levando Carol e minhas irmãs Beatriz e Ana Maria.
Para começar, acompanhamos a apresentação dos trabalhos que grupos de alunos fizeram sobre o homenageado, a partir da leitura do livro "Crônicas do Espírito Santo". Fiquei com a sensação de que a plateia estaria interessada no que eu tinha preparado pra dizer, ressaltando que Rubem, sem contar Roberto Carlos, é o capixaba mais famoso e admirado no Brasil.
E tratei de lembrar que seu sucesso não foi fruto de estratégias de marketing ou coisa parecida. As explicações de sua fama estão nos seus escritos, que expressam sua maneira de ver o mundo e os valores que fundamentaram suas escolhas e atitudes.
Comecei contando que ele era filho de Chico Braga, um paulista que veio passear em Cachoeiro e por lá ficou. Encantado por Rachel Coelho, conhecida por Neném do Frade, constituiu família. Homem letrado, era pessoa querida e respeitada na cidade, tanto que foi seu primeiro prefeito.
Rubem teve 6 irmãos: Jerônimo, o mais velho, fundou e dirigiu um jornal; Newton, poeta e realizador, inventou a festa da cidade; Armando foi banqueiro; sua irmã Carmosina foi a primeira mulher a guiar carro; Yedda casou-se com um jornalista e foi viver no Rio; Gracinha, a caçula, enviuvou muito cedo de Bolívar de Abreu e criou seus cinco filhos com o apoio dele.
Rubem se movia guiado por referências que foi incorporando durante seus tempos vividos na cidade pequena, entre peladas na rua de paralelepipedos, brincadeiras nos córregos e rios, nas noites com trovoadas, junto ao cajueiro e na sombra do pé de fruta pão do quintal, ao lado do cachorro da família, comendo frutas de época, convivendo com amigos e personagens da cena urbana, incluindo Mané Sapo e Orlando Sapateiro. A casa de seus pais, sempre aberta e movimentada, foi modelo para as suas.
Ele reconhecia o valor do trabalho. Totalmente sem jeito, pagava muito bem a quem fizesse algo pra ele. Suas gordas gorjetas eram famosas. Generoso, gostava de dar presentes. Guloso, tipo esganado, adorava requeijão da Safra, doce de jaca e broa de milho, que comia gemendo.
Lembrei de contar que Rubem saiu de Cachoeiro depois de fincar o pé que não estudaria mais no colégio, porque o professor de matemática o tratou por “seu burro”. Com total apoio do pai, foi morar com contraparentes em Niterói, sempre voltando nas férias. Tenho na conta de que essa passagem foi determinante para que ele se tornasse um cidadão independente e corajoso, livre da influência de poderosos de plantão, fosse por dinheiros, cargos ou patentes. Escrevendo o que pensava, chegou a ser preso pela ditadura de Getúlio Vargas.
Pra finalizar, tomo a liberdade de usar este espaço para dizer que ler Rubem Braga faz bem pra alma e orienta a cabeça. Para tanto, seria interessante que mais gente conhecesse as Coisas boas da vida, a história da Borboleta amarela que voou no centro do Rio de Janeiro, a importância de um Pé de milho num mundo em guerra, a essência e o valor da Cidade e a roça, as emoções provocadas por um simples Cartão de Paris, soubesse de uma praga antiga em Ai de ti, Copacabana, que imaginasse as belezas dos Retratos Parisienses, reforçasse suas Memórias de infância e muito mais, muito mesmo.
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.