Um ano atrás, quando escrevi sobre o modo Cariê de contar causos e sua mistura azeitada de vocabulário erudito, ritmo, picardia e graça, a trilha sonora era “Devaneio”, claro. A música, afinal, tinha a cara do dono: leve, apesar das passagens ligeiramente dramáticas, requintada e afetuosa, forte embora fluida, meio jazz meio samba, allegro ma non troppo.
Eu sabia que Cariê faria uma falta enorme, mesmo que, nos últimos anos, nosso contato fosse mais esparso do que antes.
Achava que o mundo, no sentido amplo, mas também no miúdo, sentiria a ausência da generosidade, do bom humor, do espírito de artista, do fino trato, da simplicidade e do aguçado senso ético que marcaram a sua passagem por este plano.
Entendia o tamanho do legado que ele deixava para o jornalismo, para a cultura, para a política e a economia do Espírito Santo.
Concordava com o quanto eram justas as homenagens que pipocavam por todo lado, celebrando sua retidão, sua alma boêmia, seu perfil empreendedor, sua habilidade de combater o bom combate.
Acreditava que a música em geral e “Devaneio” em particular simbolizavam uma bela parte disso tudo.
Por uma dessas coincidências da vida, poucos dias antes da morte de Cariê completar um ano, um morador da praça em frente perguntou se gostaríamos de ficar com meia dúzia de discos de vinil que ele havia encontrado na rua.
Isso aqui deve ter lá sua história, ele disse, sobre um dos LPs.
Na contracapa levemente surrada, estavam Marco Antônio Grijó, Moacyr Barros, Afonso Abreu e Carlos Augusto, o Quarteto JB. Na capa, em preto e branco, a primeira faixa do lado A dava nome ao disco, que não por acaso nós já tínhamos - por via das dúvidas, ficamos com dois.
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Era “Devaneio”.
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