A cantora Sandra Duailibe, criada em Belém do Pará, tem quinze anos de carreira. Em junho, ela lançou "Do canto", álbum independente (com apoios diversos).
O repertório privilegia o povo da música paraense. Desde a muito, busco sempre ouvir os do Pará. Minha gratidão por tanta beleza, sempre me encharca a alma. Se não me atrevo a nomeá-los, é pelo receio de esquecer alguém. Vixe! Seria um pecado musical.
Nas doze faixas, estão presentes dezessete nomes da mais fina iguaria de compositores. Feitos para harmonizarem-se com a voz de Duailibe, os arranjos estão, em sua maioria, a cargo dos pianistas Luiz Pardal e Jacinto Khwage, enquanto o violonista Salomão Habib fez dois arranjos e o pianista Robenare Marques, um.
Voluptuosos, sente-se que trazem em seus acordes a mística da floresta. Os arranjos refletem amor à diversidade da música amazônica, dos povos indígenas, das terras e dos rios. Tendo a pujança da floresta a estimulá-la, a música de seu povo tem uma altivez compatível com as suas vivências, o que a difere de qualquer outra.
O bolero “Amores, Amores” (Paulinho Moura e Marcelo Sirotheau) tem belas passagens harmônicas. Em alguns compassos, Sandra os divide como dividem os clássicos cantores do gênero. Muito bom.
Uma das mais lindas canções do CD é “Coração Sonhador” (Nilson Chaves). Sandra arrasa ao rever o sucesso do autor: “(...) Como um barco no horizonte/ (...) Do prazer me navegando/ Eu, um boto e tu, cunhã (...)”. Com frases musicais curtas, a melodia vem encantada por Sandra. Ela e Nilson abrem o canto com terças. Emocionante, do início ao fim, a canção de Nilson, assim como todo o álbum, tem tudo do bom e do melhor.
“Silêncio” (Floriano e Jorge Andrade) é samba feito na medida para Sandra demonstrar dois de seus predicados: dicção e respiração.
“Enquanto Isso” (Luiz Pardal e Jorge Andrade) tem intro com a flauta, e na parte mais aguda da melodia, Sandra abre mão do falsete, solta a voz e arrasa.
Em “Pauapixuna” (Paulo André e Ruy Barata), o violão brilha, a levada é quente, baixo e batera firmam o ponto e os graves de Sandra vão direto ao ponto, sem deslizes de afinação, atributos que lhes dão o direito de ser reconhecida como uma intérprete do primeiro time.
“Círios” (Marco Farias e Vital Lima) é um hino que brotou do peito de seus autores, revelando o misticismo e a crença do povo paraense no Círio de Nazaré. A emoção domina o cantar de Sandra, ela que, numa interpretação soberba, não permite que o choro intervenha em seu canto. Poucos conseguem tal proeza, o que torna a sua façanha algo admirável.
Foi o jornalista e assessor de imprensa Christovam Chevalier que me chamou atenção para o fato de Sandra Duailibe conseguir chorar e limpidamente cantar “Círios”, assim como fez Elis Regina ao gravar “Carta Ao Mar” (Menescal e Bôscoli).
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Expondo os traços universais de seu cantar profundo, Sandra Duailibe traz a energia de um canto que emana das profundezas da Amazônia paraense... "Do canto" é um CD íntegro.
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