Hoje o papo é um livro. Recebi uma convocação surpreendente. O maestro e professor Kleber Mazziero me convidou para escrever o prefácio de seu livro prestes a ser lançado, “PROSÓDIA na Canção Brasileira” (assim mesmo, com caixa alta).
O livro, já lançado, aprofunda e amplia o tema que o escritor se propôs a destrinchar, virando a prosódia de ponta-cabeça. Todo e qualquer problema encontrado na prosódia de letras musicadas foi analisado cuidadosamente por Kleber Mazziero. A questão é exposta de forma detalhada, com causos, ilustrações e fragmentos de partituras (sendo o autor um professor), o que torna a leitura plena de ensinamentos e descobertas.
Porque assim, ó: quando a hora é de tratar da linguagem musical (os tempos fortes, acentuados e seus compassos), o papo é reto, mas se a hora é de cuidar da prosódia em letras de conhecidas canções populares, sai de baixo – não fica pedra sobre pedra. A forma cuidadosa e profunda como Mazziero se propôs a trazer a prosódia à luz permite uma abertura para o aprendizado até para quem é menos preocupado com o assunto.
Por falar em prosódia, lembrei-me de um fato que vivenciei em 1966. Às segundas-feiras, um grupo de compositores e cantores se juntava no Teatro Jovem, no final da Praia de Botafogo (RJ). Jovens autores apareciam para mostrar suas composições. Foi nesse teatro que Ivan Lins (ainda um novato na arte de compor) apareceu para mostrar suas novas músicas, e era lá que a saudosa Nara Leão ia para selecionar músicas para seus LPs, o que fazia de forma extremamente competente.
Entre uma música e outra, rolava todo tipo de discussão. Uma delas era recorrente. De tão polêmica, revelava-se capaz de fazer as veias do pescoço saltarem em meio a vozes alteradas.
Verdadeiro Fla x Flu a despertar encarniçada peleja entre os que não gostavam de letras com versos com acentuações que ignoravam as sílabas tônicas das palavras, achando aquilo “feio”. E os que não se incomodavam ouvir as palavras meio tronchas, alegando que aquilo, por ser música “popular”, era um mero erro a ser relevado... Mas olha só: a dúvida que pintava era apenas quanto à beleza ou feiura das letras. A prosódia passava ao largo – a galera nem tchum.
E foi aí que alguém lá do fundo gritou: “Eu quero ver se vocês sabem quem fez esta música?” E pôs-se a cantar: “Sou virá mundo virado/ Nas rondás da maravilha/ Cortandoá faquífacão/ Os desátinos da vida (...)”. E continuou: “Esta música é ‘Viramundo’, de Gilberto Gil e Capinam...” Vixe! Mas e o tempo forte incidindo fora das sílabas tônicas? Ora, era Capinam e Gil... Ixi, Maria!
Recordando estes fatos, me veio uma vontade danada de que em 1966 já tivéssemos à mão o livro do Kleber Mazziero – a verdadeira “bíblia” da prosódia.
Este vídeo pode te interessar
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.