Hoje o bagulho ferve. Trataremos de um disco recém-lançado em Macapá (AP): Timbres e Temperos (independente), primeiro álbum de canções inéditas, reúne o violonista, compositor e cantor Enrico Di Miceli, o poeta e escritor Joãozinho Gomes e a cantora Patrícia Bastos. Três feras!
Uma coisa me causa estranhamento: como músicas tão ricas como as que vêm lá do Norte podem não ser devidamente conhecidas e reconhecidas aqui pelas bandas do Sul?
Recorri a Celso Viáfora, um irmão/amigo que conhece bem a música da região Norte, em especial a de Macapá. Veio a resposta, ao que eu, entusiasmado, respondi: “Creio que, como já aconteceu com as músicas mineiras, baianas etc., a música de Macapá deveria ser, também, condignamente reverenciada por suas imensas qualidades rítmicas, melódicas e temáticas”.
Dentre os ritmos amapaenses registrados no CD, estão batuque, marabaixo, fusões rítmicas do pop com alusão ao batuque, do pop com canção... Dos tambores, dos instrumentos eletrônicos e artesanais, vêm uma dança festiva e sensual. Toda gente ali, incentivada pela força que lhes dão os rios e a floresta, sorvem a seiva ecumênica, tornando-se dignos do entusiasmo criador.
A tampa abre com o batuque “Dançando Com Oxum” (Enrico Di Miceli e Joãozinho Gomes):
“Saia dourada de algodão/ Blusa amarela de cambraia/ Amor demais no coração/ Cheiro da flor da sapucaia/ Sandálias de tiras salmão/ Colar todinho em samambaia/ Nena retumba o pandeirão/ É hora de dançar na praia/ Oxum encosta o batelão/ Um mar d’estrelas se espraia/ Corre n’areia um clarão/ A lua desce pra gandaia/ Oxum me dá toda atenção/ Sabe q’eu sou da sua laia/ Sem perceber saio do chão/ Ao girassol da sua saia.../Saia dourada de algodão/ Blusinha tomara-que-caia/ Na testa a gema da paixão/ Nos olhos o sol quando raia/ Futuro exposto na visão/ Sem previsão de olho Maia/ Nena retumba o pandeirão/ É hora de dançar na praia”.
Sobre ela, Joãozinho Gomes anotou: “Não diferente de outras canções do CD 'Timbres e Temperos' que referenciam as mulheres amazônicas, retrata de modo ficcional a faceirice, aliada à graça, à liberdade e à capacidade premonitória das cunhantãs que habitam as praias de rios”.
Com voz macia, os três cantam e nos aproximam dos povos da Amazônia. Cantam a dor pela extração criminosa em áreas cultiváveis. Indignados, cantam contra madeireiros que devastam a mata e, com um grito lancinante, alertam para o extermínio de povos indígenas.
No álbum, as músicas de Enrico, Joãozinho e Patrícia, intensas e arrojadas, revelam um trabalho de referência. Disco musicalmente cuidadoso; melodias, harmonias e versos inspirados; mixagem atenta; músicos impecáveis... Olha só, se puderem, não deixem de ouvir a música macapaense de Enrico Di Miceli, Joãozinho Gomes e Patrícia Bastos.
- PS.
- 1) Este CD é uma homenagem às saudosas Luhli e Lucina. *1945 – 2018.
- 2) Agradeço a Celso Viáfora, Clícia de Enrico Di Miceli, Joãozinho Gomes e Patrícia Bastos pelas sabedorias.
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