Criadas a partir da última década do século XX, as Unidades de Conservação (UCs) são fruto de uma luta de ambientalistas capixabas que remonta a Augusto Ruschi. Essas unidades, por um lado, refletem em parte uma visão crítica do predatório processo de crescimento econômico ocorrido no Espirito Santo nos últimos 100 anos.
Por outro, se alinham a movimentos mundiais que, depois da II Guerra Mundial, passaram a ampliar a voz de cientistas que já alertavam para os limites do crescimento econômico vis-à-vis os recursos não renováveis disponíveis.
Tanto no nível local quanto na escala mundial, a disputa entre os interesses pelo lucro rápido sem maiores riscos e os daqueles que veem a natureza como um bem maior da humanidade e, como tal, deve ser cuidada, tem se intensificado e ampliado. Tal disputa se torna cada vez mais uma luta desigual entre os gigantes do capital improdutivo e aguerridos movimentos pelo tratamento adequado do patrimônio natural que a todos pertence.
Em nível local as frentes de disputa têm sido múltiplas, amplas, gerais e irrestritas. Elas vão desde as tentativas de preservar o que ainda é possível nas águas e em terras capixabas até o combate à perda de qualidade de vida provocada pela poluição do dia a dia e por crimes ambientais, como o da Vale em Mariana que afetou o Vale do Rio Doce e a costa capixaba.
Diante do quadro de riscos crescentes para a sustentabilidade ambiental é, no mínimo, difícil de entender como e por que o governo estadual encaminha de forma tão inadequada a questão das Unidades de Conservação. Inadequada porque é baseada em decisões de gabinete, onde só interesses financeiros de grupos nacionais e internacionais são ouvidos, escutados e considerados.
Inadequada porque desconsidera a riqueza de contribuições possíveis de indivíduos e de organizações locais para o equacionamento dos eventuais e naturais problemas de gestão das UCs. Pesquisadores, institutos de pesquisas e movimentos sociais que, por um lado, acumulam tanto conhecimentos científicos quanto saberes tradicionais de nossos povos originários e quilombolas. Por outro, muito têm a contribuir se e quando devida e adequadamente ouvidos, escutados e considerados pelos poderes governamentais.
A marginalização e a desconsideração sistemáticas para com essas possibilidades de contribuição, via a contratação de estudos e modelagem por grandes empresas de consultoria, é um equívoco inconcebível por parte de um governo que se diz aberto ao diálogo. E mais, as tentativas de 'cobrir o sol com a peneira' desse equívoco utilizando marquetismo primário só piora a situação.

O governo estadual precisa sair de sua insustentável posição defensiva com relação ao equívoco do processo de concessão de UCs por 30 anos. Precisa reconhecer que os críticos desse equívoco se baseiam no que já deu errado no mundo e no Brasil com relação à privatização de suas gestões.
Erros previsíveis diante da óbvia incompatibilidade entre o cuidar da natureza e os interesses de lucros imediatistas. Nada contra esses interesses, desde que eles não os busquem no pouco que ainda resta de diversidade de fauna e flora no Espirito Santo. Desde que eles se afastem da grotesca ideia de transformar UCs em parques de diversão para poucos, em detrimento de espécies e paisagens que correm risco de extinção.
Que o governo estadual mais do que suspenda o açodado processo de concessão de UCs. Que ele aceite que precisa cuidar melhor do que é patrimônio da sociedade capixaba e que a melhor forma de fazer isso é ouvindo e escutando suas vozes legitimadas por conhecimentos e saberes.
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