*Lucas Damm Cuzzuol
Todo ano assistimos a diversas cidades brasileiras serem atingidas por enchentes e deslizamentos de terra. Vidas são perdidas, pessoas adoecem e patrimônios são destruídos, representando um grande desafio para o bem viver. No início de 2024 o Sul do Espírito Santo viveu esse cenário, agora o Rio Grande do Sul passa por uma crise sem precedentes.
Isso ocorre há tanto tempo e com tanta frequência que parece ser algo natural e inevitável, mas não é o caso, é que nós construímos cidades vulneráveis. Historicamente a questão ambiental é tratada de maneira inadequada pelos projetos de urbanização, encarando a natureza como obstáculo a ser superado, canalizando e aterrando corpos d’água e suprimindo vegetação.
Agravando, a dificuldade de acesso à terra urbanizada pelo mercado formal, somada à insuficiência de políticas habitacionais para a população empobrecida, levaram a ocupações em áreas de impacto ambiental e de risco. O resultado são cidades frágeis aos eventos climáticos com significativas áreas socioambientalmente vulneráveis.
As cidades se articulam em torno de atividades econômicas destacadas que devem ter seu real impacto ambiental mensurado. Ecossistemas são complexos e ações aparentemente pontuais podem refletir de maneira sistêmica em grandes áreas. É fundamental a redução do impacto de atividades industriais e agrícolas, assim como superar a dependência das atividades geradoras de impactos indesejados.
Municípios e regiões inteiras se encontram sem saída, temendo que políticas ambientais firmes criem cenário hostil para as empresas. Um caminho é converter a riqueza promovida pelas atividades geradoras de impacto no investimento em pesquisa e implementação de alternativas de menor impacto ambiental, também capazes de nos colocar em condições de menor dependência econômica e tecnológica.
A política urbana é responsabilidade dos municípios, que têm o planejamento urbano e regional como ferramenta para lidar com estes desafios. Os planos diretores devem articular meio ambiente com temas como economia e uso do solo. São igualmente importantes planos municipais e estaduais de meio ambiente e de redução de risco, assim como a política habitacional e fundiária, para que famílias não precisem ocupar áreas de risco e de interesse ambiental.
Isso demanda que a gestão pública valorize o planejamento e ações de longo prazo, constitua equipes especializadas, promova cooperação com a sociedade civil e entre municípios inseridos nas mesmas bacias hidrográficas.
Cada território possui particularidades, não há receita pronta, mas podemos aprender com ações testadas pelo mundo na articulação entre infraestrutura urbana e recuperação de ecossistemas. As soluções baseadas na natureza (SBN) apontam para um caminho potente.
Não é suficiente resistir aos eventos climáticos, é urgente reverter a crise ambiental e repensar a nossa forma de produzir e viver as cidades. A reforma urbana necessária para as cidades brasileiras precisa apresentar soluções para tais problemas.
*Lucas Damm Cuzzuol é arquiteto urbanista, mestre em Arquitetura e Urbanismo (Ufes), Conselheiro Estadual do CAU/ES, docente do Centro Universitário Multivix Vitória e membro da Associação Onze8.
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